BLOG DOS INTERCAMBISTAS Data de Publicação: 19 dez 2024 10:30 Data de Atualização: 19 dez 2024 10:30
Para encerrar o nosso ano do Blog dos Intercambistas, preparamos hoje um post duplo de duas experiências muito diferentes de intercâmbio pelo Propicie, o programa de intercâmbio do IFSC. Em países, universidades e projetos diferentes, a vivência do intercâmbio também vai ser radicalmente diferente e, por vezes, bem desafiadora.
Nos relatos que trouxemos hoje, isso se torna bem evidente. A Giulia Fernandes da Silva foi para a Universidade de Quebec em Trois-Rivières (UQTR), no Canadá. Ela é estudante do Curso Técnico Integrado em Mecânica do Câmpus Joinville, e em seu tempo na cidade de Trois-Rivières, ela participou do projeto “Hydrogen Storage in High Entropy Alloys”. A experiência foi de muito estudo e dedicação ao projeto, embora com mais obstáculos pela barreira linguística do francês.
Já o Abel Eduardo Volpi foi para o Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), em Portugal, fez parte do projeto “Artificial Intelligence applied to CyberSecurity”. Ele é estudante do Curso Superior de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas no Câmpus Gaspar, e sua experiência de intercâmbio foi permeada por viagens e amizades.
Veja mais sobre a experiência de cada um deles nos relatos completos a seguir:
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Giulia Fernandes da Silva:
Na Université du Québec à Trois-Rivières (UQTR), o estudo do hidrogênio é um assunto de extrema relevância, possuindo seu próprio prédio dedicado. Atualmente, é nele que estou trabalhando e descobrindo o motivo de ser essa uma área tão desafiadora e tão importante.
Uma das maiores dificuldades do trabalho com o hidrogênio é o armazenamento eficiente desse elemento. No laboratório, trabalhamos com ele na forma gasosa, e o projeto em que estou trabalhando envolve testar as reações e a eficiência de determinadas ligas metálicas nessa função. Estou analisando amostras que vieram da Unicamp, todas elas sendo material de estudo de doutorado. Pela parceria das universidades, as análises estão sendo desenvolvidas no Instituto de Pesquisa de Hidrogênio, e as formas de análise e os resultados obtidos são o maior objeto de discussão entre os envolvidos.
A orientação que obtive sobre os processos no meu primeiro mês na universidade foi dada pela pessoa que estava analisando essas amostras antes da minha chegada, o Felipe. Se recebi algum tipo de instrução em como utilizar as máquinas e o que fazer, foi por meio dele. Mas, desde o início de outubro, performo todos os experimentos de maneira autônoma, sem nenhum tipo de orientação ou monitoramento. Essa situação é uma faca de dois gumes, sendo uma experiência positiva para que eu aprenda a lidar com diversas situações inesperadas, mas também negativa pelo fato de que não tenho metade dos conhecimentos dos meus colegas de laboratório. Afinal, sou a única pessoa que não tem ou está fazendo seu doutorado.
Estou todos os dias no prédio, mas não é sempre que faço experimentos. Trabalho com dois equipamentos principais, a Máquina de Cycling e a Máquina de Dessorção de Raio-X (XRD). Os problemas principais que enfrento são a concorrência para utilizar as máquinas, os imprevistos no roteiro dos experimentos e os eventuais problemas com o maquinário. Também dedico tempo interpretando os dados dos experimentos, gerando gráficos e os apresentando para meu orientador, o professor Jacques Huot, quando tenho a sorte de conseguir um horário. O comentário que ouvi antes de chegar era que o professor passava uma hora por semana individualmente com os alunos de doutorado fazendo a orientação. Como estudante de Ensino Médio, é desafiador completar as tarefas e entender o que estou realmente fazendo ao realizar os experimentos, assim como a teoria por trás.
A “Cycling Machine” é a que mais utilizo e a que mais gera imprevistos. Para usá-la, são gerados combinados entre os colegas, revezando-se a utilização. A preparação do porta-amostra é a parte mais complicada, na minha opinião. O processo começa com a trituração das ligas, e em seguida há a verificação de quantos gramas foram enviados, para assim saber quanto material está disponível.
Sempre é necessário separar um pouco desse material, visto que muitas vezes os testes têm de ser refeitos várias vezes até que um resultado positivo seja atingido. Como os valores recebidos são abaixo de três gramas, eventualmente apenas miligramas, essa é uma tarefa complicada, mas extremamente necessária.
A parte mais importante é garantir que o porta-amostra não possua vazamentos. Para isso, é utilizado o “gasket", que se trata de uma rodela de metal, cuja função é preencher o espaço entre os componentes e evitar o vazamento. Ele é posto sobre a parte onde colocamos a amostra e também no contato com a máquina. Em ambas as situações, precisamos fechar esses espaços com o auxílio de uma chave inglesa, geralmente a de 3⁄4”. Tal tarefa é a principal situação em que podem ocorrer problemas, visto que quando o porta-amostra não é fechado o suficiente, podem ocorrer vazamentos e, quando fechado com força demais, é possível danificá-lo.
Após isso, boa parte do processo é feito no computador. Há apenas uma válvula manual e, para determinados experimentos, o programa já tem o roteiro pré-programado. Isso torna o processo mais fácil, visto que alguns dos experimentos se estendem por uma hora enquanto outros demoram dias para finalizarem.
Para utilizar a máquina de XRD, é necessário fazer a reserva em uma planilha do Excel, mas são várias as situações nas quais esse sistema não funciona plenamente. As reservas são geralmente de quatro horas, mas às vezes isso não passa de teoria, como quando a reserva no sistema não é registrada ou quando os colegas previamente utilizando a máquina estendem o período de utilização, situações que não são incomuns. Muitas vezes, dias de trabalho inteiros que são dedicados exclusivamente para isso são perdidos.
De forma simplificada, essa máquina serve para identificar a Estrutura Microcristalina das ligas, a forma como os átomos se organizam. A absorção de hidrogênio pode modificar as propriedades iniciais das ligas, portanto fica explicada a necessidade de utilização da máquina. São retiradas partes da amostra no decorrer dos experimentos para se analisarem as mudanças na microestrutura, conforme o roteiro seguido.
O porta-amostra dessa máquina é mais simplificado, tratando-se de uma simples placa onde depositamos a amostra. O primeiro passo é grudar uma pequena placa de vidro na placa maior, utilizando uma massa elástica. Em seguida, passamos uma fina camada de vaselina sobre a placa de vidro, para garantir que a amostra fique concentrada ali, principalmente pois precisamos garantir que não haja buracos sem amostra, especialmente no centro. É necessário que a placa de vidro e a amostra em si fiquem no mesmo nível da placa principal, por isso é utilizado um disco de metal, que é colocado sobre as superfícies por conta da força resultante de seu peso.
Assim como com a primeira máquina, o XRD é feito a seguir pelo computador. A única diferença é que, para rodar o experimento, é necessária a existência de um arquivo base, um roteiro pré-programado. Isso estabelece a duração do experimento, sistema de angulagem, entre outras características.
Mas, obviamente, nenhuma dessas máquinas chega aos pés do equipamento mais complicado de todo o laboratório: a glovebox. Na teoria, é algo simples. Uma grande caixa cheia de argônio para que não haja contaminação de oxigênio em qualquer processo que seja desenvolvido ali. No meu caso, é o ambiente onde abro o porta-amostra para tirar alguns miligramas para o XRD entre um experimento e outro.
Na prática, essa é a parte mais trabalhosa de todo o processo. Os objetos sendo trabalhados devem ser colocados em um compartimento, que tem de passar por três ciclos de cinco minutos de vácuo, para garantir a não contaminação de oxigênio. Entre os ciclos, ligamos o argônio no compartimento, para retirar o oxigênio que por vezes se prende na superfície. Após os três ciclos e uma última regulagem de argônio, podemos finalmente trabalhar.
Mas aí entra o detalhe cruel que faz com que a glovebox seja o equipamento que menos me agrada.
Além de utilizar luvas normais de laboratório, necessárias por motivos de higiene, colocam-se ambas as mãos nas luvas embutidas na caixa e um terceiro par que fica dentro da caixa, para o caso de algum rompimento ou rasgo na luva ocorrer na terceira luva e não na luva embutida na caixa. É muito difícil fazer qualquer coisa dentro da caixa, não apenas pela ausência do tato, mas pela visibilidade limitada dentro da caixa.
Essa é a parte técnica, o trabalho que desenvolvo todos os dias. Mas as dificuldades não ficam só nesse ramo. Honestamente, nunca pensei que um intercâmbio seria uma experiência tão difícil.
Por estar em meu primeiro intercâmbio, imaginei que pudesse conhecer pessoas novas e criar amizades. Pensava isso antes de descobrir que, no meu ambiente diário, não existe nenhuma pessoa da minha idade ou escolaridade. Meus colegas de laboratório têm, sem exceção, no mínimo um mestrado, boa parte deles com um doutorado. A grande maioria está nos seus trinta anos, muitos casados e com filhos. De forma franca, não tenho nada em comum com meus colegas. Na visão deles, sou uma criança.
Outro fator que dificulta meu dia a dia é o francês. No laboratório, boa parte das pessoas fala inglês, mas na rua são uma minoria. Por esse motivo, não consigo me comunicar direito em comércios, mercados, nem sequer em casa.
São diversos os fatores que tornam toda essa experiência um verdadeiro desafio. Passo por muitos dias solitários e situações complicadas em momentos simples. Venho lutando a cada dia para tirar o máximo de proveito desse intercâmbio, me esforçando para aprender cada vez mais e tentar sobreviver no meio da tempestade.
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Abel Eduardo Volpi:
O projeto em que estou continua composto apenas por portugueses, então o aspecto da língua não tem sido uma dificuldade. Um ponto interessante é que tenho praticado inglês nos momentos de almoço e janta com os amigos que fiz na instituição na semana de boas vindas.
Com o grupo de amigos que fiz na instituição, estamos conhecendo diversas cidades de Portugal. Em uma de nossas viagens, fomos em um grupo de 17 pessoas. Não imaginei que faria tantas amizades nesse período de 2 meses aqui.
No período em que estive aqui, aproveitei para participar de um evento de tecnologia muito interessante que ocorreu em Londres. É muito bom interagir com pessoas de diferentes países que atuam na mesma área que você para adquirir novos conhecimentos, além de fazer conexões. Também tive a oportunidade de realizar um sonho e assistir a um jogo de Champions League, algo inimaginável enquanto estava no no Brasil e que, devido à proximidade geográfica, se tornou muito mais viável.
O projeto no qual estou atuando tem como objetivo principal desenvolver um sistema de segurança cibernética para proteger proativamente contra ataques de ransomware. A ideia principal é estudar todo o contexto desse problema e desenvolver um sistema multicamada para contra-atacar em todas essas frentes. Continuo atuando na parte inicial do projeto, mas este mês atuei de forma mais prática, aplicando alguns modelos de machine learning e tirando insights em cima de estudos já existentes, a fim de adquirir conhecimento na área e propor novas ideias.
Minha rotina permanece parecida neste último mês: ir para a instituição pela manhã e passar o dia estudando lá. Às segundas-feiras, temos reuniões do projeto e frequentemente faço reuniões online com as coordenadoras para tirar eventuais dúvidas sobre as atividades.
A comida que mais gostei aqui foi a famosa “francesinha”. Tenho provado de diversos restaurantes aos finais de semana para decidir qual oferece a melhor. É uma escolha muito difícil, já que todas que provei até agora são incrivelmente boas. Recomendo até para pessoas que não são muito fãs de comida apimentada (que também é o meu caso).
Saudades (se intercâmbio presencial): A saudade ainda é muito grande, pois tenho uma forte ligação com o local em que moro no Brasil, mas deu uma amenizada depois que minha família veio me fazer uma visita durante uma semana aqui em Porto. Fizemos alguns passeios aqui na cidade e também em Lisboa, e foi muito bom passar esse momento junto com eles. Sempre valorizei muito meu tempo com minha família, mas com certeza esse meu período fora do país vai me fazer valorizar ainda mais.
Dicas: Minha dica principal continua sendo que você se organize bem antes de vir e adiante o máximo que estiver dentro do seu alcance, para aproveitar genuinamente o tempo aqui. E, da mesma forma, recomendo que visite os diferentes lugares e viva as novas experiências. Será positivo, pois ou você encontrará um lugar que se identifica e se sente melhor, ou valorizará ainda mais o local de onde você veio.