Como descartar roupas e tecidos de forma adequada?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 25 abr 2023 15:16 Data de Atualização: 25 abr 2023 17:01

Você já parou para pensar de onde vem a sua roupa? Do que ela é feita? E para onde ela vai depois que você não a quiser mais (seja por ter estragado, por ter deixado de servir, por você ter cansado dela)? Se lhe faltam respostas a uma (ou mais) destas perguntas, muito provavelmente, suas roupas fazem parte do problema ambiental que é a indústria da moda.

Para falar sobre esse tema, o IFSC Verifica convidou a designer Bruna Lummertz Lima, professora do Câmpus Gaspar do IFSC, doutora em Design pela  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e do Núcleo de Moda Sustentável da UFRGS.   

(Quase) Todo mundo usa

Que tipo de pessoa você é? Do tipo que não pensa muito no meio ambiente e vive a sua vida sem grandes questionamentos sobre o tema? Do tipo que é ecologicamente correta quando dá? Ou está sempre procurando um produto menos agressivo ao meio ambiente, uma forma de ser mais amigável a esse planeta que tanto dá ao ser humano?

Seja qual for o tipo de posicionamento ecológico escolhido por você (conscientemente ou não), é muito provável que você more em um ambiente ao menos minimamente urbanizado e use roupas em mais de 90% do seu tempo no dia a dia. Com raras exceções à parte, se você faz parte da cultura moderna atual, está automaticamente consumindo produtos de vestuário. E por que se preocupar com o que fazer com eles depois que não há mais necessidade ou condições de uso?

O lixo têxtil

Um levantamento divulgado em 2022 pela Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos, aponta que mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados em anos recentes. Em oito anos, segundo o levantamento, essa quantidade aumentará em 60%. De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Modefica em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), somente no Brasil são produzidas mais de 8 bilhões de peças de roupa por ano, correspondendo a 42 novas peças por pessoa em 12 meses.

Além das roupas que descartamos, as sobras de tecido provenientes de confecção também são consideradas lixo têxtil – material que, comumente, é depositado forma irregular em aterros sanitários. “Atualmente, a maioria das composições dos tecidos de peças de vestuário está ligada ao poliéster ou a poliamida, que em linguagem popular, podemos entender que se aproximam ou são plásticos. Esse material vai levar anos e anos para se decompor”, explica a professora Bruna.

O lixo têxtil pode conter uma variedade de substâncias prejudiciais ao meio ambiente quando descartadas inadequadamente. Algumas das substâncias mais comuns são:

  • Corantes: Muitos corantes usados na indústria têxtil podem ser tóxicos e poluir a água e o solo.
  • Plásticos: Como alertou a professora Bruna, muitos tecidos contêm fibras sintéticas, como o poliéster, que são derivadas do petróleo e podem levar centenas de anos para se decompor. Quando descartadas no meio ambiente, essas fibras podem se quebrar em pequenos fragmentos, chamados de microplásticos, que podem atingir as águas e/ou ser ingeridos por animais e entrar na cadeia alimentar.
  • Produtos químicos: Alguns produtos químicos podem ser usados na produção de roupas e muitos deles podem ser tóxicos e prejudicar o meio ambiente e a saúde humana.

Como descartar corretamente?

“Sempre é importante pensar nas possibilidades. A primeira é: essa roupa/ calçado/acessório pode ser consertado? Se a resposta for positiva, o primeiro ponto é levar para arrumar. Certamente o valor do conserto é bem mais em conta do que comprar uma roupa nova” explica Bruna.

Uma outra opção é pensar em trocar roupas com suas amigas e amigos. “Às vezes, naquele encontro de fim de semana, você pode promover um momento para trocar peças entre as pessoas. É uma chance de trocar o guarda-roupa sendo sustentável e não gastando dinheiro. Também é possível avaliar a possibilidade de doar suas peças para alguma instituição de caridade que esteja precisando ou comercializar num brechó do seu bairro ou cidade. No caso de brechós, normalmente se trabalha com consignado. A pessoa deixa a peça e assim que a mesma é vendida, o valor é depositado”, detalha a professora.


Imagens: Dall-e

Se não houver mais chance de uso, roupas em más condições podem ser recicladas, transformando-se em novos produtos ou materiais. Algumas marcas e empresas brasileiras já oferecem programas de reciclagem de roupas, como a Malwee, a Puket e a rede varejista C&A. No caso de retalhos e sobras da indústria, o indicado é que elas sejam recolhidas por empresas especializadas, e que façam a reciclagem, no chamado processo de desfibragem.

Mas se a ideia é pensar além do descarte, evitando a poluição em toda a cadeia produtiva, é preciso discutir a questão do consumo consciente e em moda sustentável.

Moda sustentável

A indústria da moda tem um papel importante na economia global e na cultura de diferentes países. No entanto, ao longo das últimas décadas, a moda tem sido alvo de críticas e preocupações em relação ao seu impacto ambiental e social. A produção em larga escala de roupas, acessórios e outros produtos fashion tem gerado problemas como a poluição dos rios e oceanos, a exploração de mão de obra e a produção excessiva de resíduos. Diante desse cenário, a moda sustentável surge como uma alternativa para transformar a indústria e garantir um futuro mais justo e equilibrado para o planeta e para as pessoas.

A moda sustentável ou moda ética é um movimento que busca produzir roupas e acessórios de forma mais consciente e responsável. Isso envolve a adoção de práticas e materiais que minimizem o impacto ambiental e social da produção, bem como a promoção de uma cultura de consumo mais consciente e duradoura.

Uma das alternativas seria o slow fashion, termo cunhado pela autora Kate Fletcher em 2008 como uma alternativa ao fast fashion. “O fast fashion surgiu nos anos 2000, através da organização de produção da marca Zara. O sistema consiste em realizar a produção de peças, da produção à comercialização, num curto espaço de tempo. Os profissionais envolvidos, especialmente os cortadores e costureiras, ficam sobrecarregados. Considerando que as tendências de moda são efêmeras, esse ciclo se repetia muitas e muitas vezes”, conta Bruna. “Já o slow fashion considera formas alternativas de produção, respeita e remunera adequadamente os trabalhadores e empresas envolvidas, pensa no material empregado em cada peça e propõe um ciclo de moda durável, que não impõe ao usuário a troca de guarda-roupa a cada nova estação”, completa.

Dentre as principais práticas da moda sustentável, destacam-se:

  • Uso de materiais sustentáveis: prioriza o uso de materiais ecológicos, como algodão orgânico, linho, cânhamo, bambu e materiais reciclados, como o PET.
  • Produção local e artesanal: valoriza o trabalho de artesãos e pequenos produtores locais, incentivando a economia regional e a preservação de técnicas tradicionais de produção.
  • Redução do desperdício: busca reduzir o desperdício de matéria-prima e de produtos, utilizando técnicas de reaproveitamento de tecidos e materiais.
  • Transparência na cadeia produtiva:  valoriza a transparência e a ética na cadeia produtiva, garantindo a rastreabilidade e a responsabilidade social e ambiental da produção.

O movimento da moda sustentável tem ganhado cada vez mais espaço no Brasil e no mundo. Diversas marcas e estilistas têm adotado práticas mais responsáveis em suas produções e buscado inovar em suas estratégias de sustentabilidade.

No Brasil, algumas marcas que se destacam nesse cenário são a Re-Roupa, que produz peças a partir do reaproveitamento de roupas usadas, e a Osklen, que utiliza materiais sustentáveis em suas coleções, além das marcas já citadas acima.

No cenário internacional, podemos destacar a marca Stella McCartney, que tem um forte compromisso com a sustentabilidade e produz roupas a partir de materiais ecológicos e sustentáveis, como algodão orgânico, seda ecológica e couro vegano. Outra marca que se destaca nesse cenário é a Patagonia, que utiliza materiais sustentáveis em suas produções e também atua em projetos de preservação ambiental.

“Não compre por impulso e escolha melhor no momento de comprar, prezando por peças com qualidade, preço justo e sobretudo entendendo sobre a cadeia daquele produto. Se a empresa está envolvida em algum escândalo de trabalho escravo, não compre. Indico o relatório anual de transparência publicado pelo Fashion Revolution aqui no Brasil. É um material bem importante de estudo e conscientização para as pessoas. Vale a leitura. E gosto de sugerir que assistam ao documentário The True Cost. Ele explica bastante coisa, especialmente da cadeia têxtil”, sugere Bruna sobre como contribuir e se informar sobre moda sustentável.

 

 

Ela comenta também sobre a moda muito barata, disponível em aplicativos como a Shein ou em lojas do bairro Brás, em São Paulo. “Há pelo menos dois fatores determinantes para evitar ou reduzir as compras deste tipo de varejo. Onde há preços muito baixos, normalmente, temos um problema de baixa remuneração dos prestadores de serviço, que normalmente são as facções de costura sub contratadas. Essas pequenas ou microempresas recebem bem pouco por cada peça costurada. O outro fator são os materiais, quase sempre de qualidade inferior”, destaca.

O IFSC possui ao menos três ações que tratam do reaproveitamento de lixo têxtil. Dois são do Câmpus Jaraguá do Sul - Centro. Um deles, chamado Upcycle: sobras de debrum viram acessórios de moda com o uso do crochê, foi apresentado recentemente na Feira de Inovação do 9º Seminário de Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação (Sepei) do IFSC. O outro foi executado ano passado e reaproveitou sobras da indústria para produzir sacolas e materiais de decoração.

Já no Câmpus Gaspar, estudantes tiveram o desafio de transformar fardas antigas doadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) em novas peças de roupas.

IFSC VERIFICA