Variantes podem dificultar o controle da pandemia de Covid-19?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 jul 2021 09:11 Data de Atualização: 02 dez 2021 17:12

Quando parte do mundo já vivenciava um certo alívio em relação à pandemia de Covid-19, com sinais de retorno à normalidade principalmente por conta da vacinação, as variantes voltaram a impor barreiras. No meio do ano, a variante Delta levou países como Israel e Austrália, que já haviam relaxado medidas restritivas, a exigir novamente máscaras e até decretar lockdowns. Com a variante Omicron, detectada em novembro, diversos países restringiram voos e reforçaram medidas para conter a proliferação do vírus. No Brasil, festas de fim de ano e de carnaval estão sendo canceladas.

O alerta para o risco das variantes tem sido feito ao longo da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em julho, a entidade havia declarado que "em breve" a variante Delta seria predominante no mundo, o que se concretizou quatro meses depois. Um dos motivos de preocupação era - e continua sendo - o ritmo lento de vacinação e o alto número de casos diários em muito países. E, enquanto o vírus circular na população, outras variantes podem surgir.

Mas como elas surgem? São necessariamente mais transmissíveis ou letais? As vacinas disponíveis dão conta de proteger a população contra elas? Para responder essas e outras perguntas sobre as mutações do Sars-Cov-2, conversamos com dois especialistas no assunto: o doutor em Bioquímica e pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Emanuel Maltempi de Souza, e o doutor em Biotecnologia e Biociências, pesquisador do Laboratório de Bioinformática da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Glauber Wagner. O primeiro faz parte de um grupo que está desenvolvendo uma vacina 100% nacional. O segundo participa de um programa para identificar variantes que circulam em Santa Catarina.

Neste post, juntamente com informações da OMS, da Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina e da Fiocruz, serão respondidas as seguintes questões:

- O que é uma variante do vírus? 
- Como ocorrem as mutações e quando elas caracterizam uma variante?
- Uma variante é necessariamente mais transmissível ou mais letal? 
- As mutações dificultam o controle da pandemia?
- Como as variantes são detectadas?
- Quais variantes mais preocupam?
- Sintomas das variantes são diferentes? 
- A vacinação pode ajudar a conter essa multiplicação de variantes?
- É possível que essas mutações deem origem a um novo vírus, ou seja, diferente do Sars-Cov-2?
- Como fica a eficácia das vacinas diante das variantes?

Mutações já eram esperadas?

Sim! E não é porque estamos falando de um vírus. Todos os organismos sofrem mutação – alguns mais, outros menos. Isso vale para animais, plantas, bactérias, etc. No caso do Sars-Cov-2, ele precisa invadir uma célula do corpo humano para se replicar e é nesse processo de fazer cópias que ocorrem os erros. São as mutações. E por incrível que possa parecer, o novo coronavírus não tem a maior taxa de mutação conhecida, até entre os vírus. 
 
"A taxa de mutação nem é tão grande. É um erro a cada milhão ou 10 milhões de vírus copiados. Isso significa que tem que produzir muitos desses vírus, mas cada paciente está produzindo milhões deles. Então você pode ter certeza que uma pessoa que teve Covid gerou vírus com mutações", esclarece o bioquímico Emanuel Maltempi de Souza.

Agora imagine a quantidade de mutações geradas nos mais de 190 milhões de pessoas que já contraíram a doença no mundo. Esse é o número oficial de infectados, segundo levantamento da OMS. Vale ressaltar ainda que um grande percentual de casos é de assintomáticos e em muitos países o registro não traduz a realidade da pandemia.

Apesar do grande número de mutações, a maioria delas não é significativa e não altera a forma como o vírus age. Entre aquelas que têm importância, geralmente o erro é prejudicial para o vírus, deixando-o menos competitivo que o original. "Mas, de vez em quando, a mudança pode deixar o vírus melhor para determinada função. Melhor pra ele, pior pra gente", afirma Emanuel. 

O pesquisador Glauber, da UFSC, explica que ao longo do tempo o acúmulo de mutações promove alterações nas proteínas do vírus, o que acaba agregando uma característica diferente ao organismo, como reconhecer e invadir mais facilmente a célula ou se replicar mais rapidamente. Uma ou mais mutações podem dar origem a uma variante, que se caracteriza por apresentar propriedades diferentes do vírus original. Segundo a OMS, entre as características dessas novas cepas - conjuntos de variantes que se comportam de forma diferente do vírus original - estão a facilidade com que ela se espalha, a gravidade da doença ou o desempenho de vacinas, medicamentos, ferramentas de diagnóstico ou outras medidas de saúde pública e sociais. 
 
No vídeo abaixo, os pesquisadores Emanuel e Glauber explicam como ocorre a mutação:

 

-> Diante de tantos termos novos, o IFSC Verifica produziu um post com palavras e expressões comuns na pandemia.

Variantes começaram a surgir em 2020

A evolução do Sars-Cov-2 tem sido acompanhada ao longo da pandemia por especialistas, instituições e grupos de pesquisa do mundo todo. No final do ano passado, começaram a ser identificadas variantes que representavam um risco maior à saúde pública, o que levou a OMS a caracterizá-las em Variantes de Interesse (VOIs, da expressão em inglês “variants of interest”) e Variantes de Preocupação (VOCs, da expressão em inglês “variants of concern”). Veja o que esses termos significam:

Variante de Preocupação: é aquela que apresenta mudanças em relação ao vírus original e que está associada a uma ou mais das seguintes alterações:
- Aumento da transmissibilidade ou alteração prejudicial na epidemiologia da Covid-19;
- Aumento da virulência ou mudança na apresentação clínica da doença; 
- Diminuição da eficácia das medidas sociais e de saúde pública ou diagnósticos, vacinas e terapias disponíveis.

Variante de Interesse: tem no seu genoma mutações que alteram a forma como o vírus age, além de ter sido identificada como causadora de transmissão comunitária, de múltiplos casos ou detectada em vários países. São variantes que precisam de um estudo mais aprofundado.

Nova nomenclatura para evitar estigmas

Em maio deste ano, a OMS promoveu uma mudança na nomenclatura das variantes, que normalmente recebem a identificação por letras e números. Para facilitar o entendimento pela população de forma uniforme em diferentes partes do mundo e evitar o preconceito em relação a países onde elas foram descobertas, as variantes estão sendo batizadas com letras do alfabeto grego.

Assim, alfa, gama, delta e lambda passaram a ser nomes recorrentes no noticiário sobre a pandemia de Covid-19. A variante de Manaus, por exemplo, agora é chamada em todo o mundo de Gama.

Variantes de preocupação desigandas pela OMS:

O pesquisador Emanuel chama atenção para os locais em que estas variantes - de preocupação e de interesse - surgiram: "Apareceram, ou foram pelo menos descritas na primeira vez, em países ou locais em que a doença estava descontrolada: Manaus, Reino Unido, Estados Unidos, África do Sul, Índia... As principais variantes surgiram nestes lugares porque estatisticamente é onde tinha maior probabilidade de acontecer." Ou seja, em locais em que muitas pessoas estavam infectadas e gerando cópias do vírus. 

Ele explica ainda que "se aparecer um paciente entre 10 mil com um vírus um pouquinho diferente isso não parece ser importante porque essas mutações acontecem. Agora se começa a aparecer 1% dos pacientes com o mesmo tipo de variante, aí se torna uma variante de interesse. Se esse percentual começa a crescer e essa variante passa a prevalecer numa comunidade, então é uma variante de preocupação."

Monitoramento de variantes é fundamental para evitar novos surtos

Pesquisadores e organizações de vigilância epidemiológica de todo o mundo têm reforçado a necessidade de se monitorar o aparecimento de variantes para que políticas públicas de contenção possam ser aplicadas a tempo, antes que as novas cepas se espalhem e causem surtos da doença. Entre as medidas, estão as restrições de voos originários de países em que alguma variante esteja prevalecendo e o reforço nas medidas de prevenção. Uso de máscaras e distanciamento físico continuam sendo as ações mais recomendadas também para evitar a proliferação das variantes.

"É crucial saber onde está circulando uma variante e quais as características dela para redobrar cuidados, estabelecer bloqueios. O correto seria tentar conter essa variante no local, evitando que se espalhe. Agora, por exemplo, muitos países estão restringindo ou bloqueando voos originários da Índia por conta da variante Delta", afirma Emanuel. Segundo ele, as restrições no Brasil ainda são muito insignificantes para evitar que a variante se espalhe pelo país.

Os pesquisadores Emanuel e Glauber explicam no vídeo abaixo como é o processo de sequenciamento genético para identificar variantes. 

Sequenciamento do genoma é feito em amostra mínima

Em Santa Catarina, o último boletim da Vigilância Genômica do Sars-Cov-2, de 8 de julho, indica que foram analisados 658 genomas, de um total de mais de um milhão de casos da doença no estado, e identificadas 22 linhagens diferentes do vírus.

Variante de Manaus domina casos no Brasil em 2021

A variante Gama, que surgiu em Manaus, é um exemplo de como uma nova cepa do vírus pode provocar surtos se não for detectada a tempo, contida e monitorada. Descoberta em janeiro deste ano, em pouco mais de um mês ela já dominava o número de casos em quase todo país.

O doutor em Biotecnologia e Biociências Glauber Wagner explica que essa constatação ficou evidente ao se fazer exames de sequenciamento em Santa Catarina. O Laboratório de Bioinformática da UFSC, do qual faz parte, realizou um projeto em que realizava sequenciamento do vírus de pessoas infectadas no estado, em apoio ao trabalho da Vigilância Epidemiológica, e atualmente faz parte da Rede de Vigilância Genômica do Sars-Cov-2 em Santa Catarina.

"Em pouco tempo a variante de Manaus predominou em todo país. A partir do final de janeiro, começo de fevereiro, ela veio com força. Nós sequenciamos até um caso de transmissão familiar, de pessoas que nunca haviam viajado para Manaus ou outro local próximo e detectamos oito pessoas com a variante. Alguém se infectou, foi para aquela pequena cidade e espalhou o vírus." É o que se chama de transmissão local do vírus.

Em boletins publicados pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina, a variante Gama carrega 21 mutações. Segundo o relatório, esta variante representava 54,2% das amostras sequenciadas no estado em julho, conforme gráfico abaixo:

O boletim também revela que nos quatro casos de reinfecção registrados no estado - nas cidades de Lages, Itaiópolis, Balneário Piçarras e Herval d’Oeste - a segunda infecção foi causada pela variante Gama.

-> Neste post tratamos sobre os casos de reinfecção de Covid-19.

Variante Delta é a que mais preocupa

Desde maio deste ano, a variante que mais tem causado preocupação é a Delta. Diversos países que já voltavam à normalidade enfrentam surtos de Covid-19 por conta dessa variante e se veem obrigados a retomar medidas restritivas. A Austrália, por exemplo, decretou no mês de julho confinamentos em algumas cidades, entre elas Sydney e Melbourne, para tentar frear a disseminação do vírus.

A OMS tem feito alertas periódicos sobre a variante desde que ela foi descoberta. No dia 12 de junho o diretor-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, informou em uma entrevista coletiva que já foram registrados casos da variante Delta em 104 países, inclusive no Brasil. "Esperamos que em breve seja a estirpe dominante da Covid-19 que circula em todo o mundo”, alertou. 

Um dos fatores preocupantes é que a variante Delta é de 30% a 60% mais transmissível que outras variações do Sars-Cov-2. Em vários países ela já é a cepa dominante, como no Reino Unido, onde 90% dos novos casos de Covid-19 são pela Delta. Por meio da prática do sequenciamento genético, já se identificou que a Delta tem mais de 75% de prevalência dos casos de Covid-19 em países como Austrália, China, Dinamarca, Índia, Indonésia, Israel, Portugal e Singapura, segundo dados da OMS divulgados em 20 de julho.

Um estudo liderado pela Universidade de Oxford publicado no mês de junho e que teve participação da Fiocruz sugere ainda que a variante Delta pode aumentar o risco de reinfecções. Isso porque os anticorpos de pessoas anteriormente infectadas são menos potentes contra esta variante viral. A pesquisa apontou que o problema é observado de forma marcante entre os indivíduos que foram infectados na primeira vez pela variante Gama, identificada em Manaus, assim como pela variante Beta, detectada pela primeira vez na África do Sul. "Nestes casos, a capacidade de neutralizar a cepa Delta é onze vezes menor."

Já em relação à variante Omicron, a OMS informou no fim de novembro que ainda não se sabe se ela é mais transmissível ou se causa uma infecção mais grave e que pesquisadores de todo mundo estão conduzindo estudos para entender melhor suas características.

Sintomas iniciais podem ser diferentes

Além de características como facilidade de transmissão, as variantes podem provocar uma sintomatologia diferente nos pacientes. Segundo Glauber, isso tem sido relatado por médicos e já é descrito na literatura científica. "Percebe-se uma mudança do comportamento da doença. Sintomas que não eram tão frequentes lá no início da pandemia passaram a ser mais frequentes e outros bem característicos deixaram de ser tão percebidos."

A variante Delta, por exemplo, provoca sintomas mais parecidos com uma gripe, como dor de cabeça, dor de garganta, coriza e febre. Já a perda de paladar e olfato não é tão recorrente.

"Mas o padrão da doença continua o mesmo, vai provocar uma síndrome respiratória grave, depois uma síndrome hiper inflamatória. Então esse comportamento que leva ao óbito permanece o mesmo. O que se percebe é que houve mudanças nos sintomas iniciais da doença", conclui.

Vacinas são eficazes contra as variantes?

Até o momento parece que sim. A cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan, afirmou em vídeo para a série Science 5 que os estudos feitos até agora indicam que "se uma pessoa recebe um esquema completo de vacinação, há imunidade protetora suficiente no corpo para proteger contra doenças graves, mesmo dessas variantes."

A eficácia das vacinas contra essas variantes pode variar de 70 a 90%, segundo a OMS. "Mas se olharmos apenas para a prevenção de doenças graves e hospitalização, são todos muito bons, com mais de 90% de eficácia", afirma Soumya. Vale lembrar que nenhuma vacina disponível atualmente, inclusive para outras doenças, tem eficácia de 100%.

No relatório da OMS divulgado em 20 de julho, os dados mostram que a vacinação mantém a proteção contra casos graves da doença provocados pelas variantes Delta, Alfa e Beta. Porém, nas infecções pelas variantes Delta e Beta observou-se possível redução na prevenção de infecções. Em relação à Omicron, estudos estão sendo realizados para verificar a eficácia das vacinas existentes.

O pesquisador Glauber esclarece que é natural que cada pessoa tenha uma resposta imune diferente em relação à vacina, pois cada corpo reage de uma maneira, alguns mais fortes, outros menos: "Mas a gente percebe que mesmo em casos em que a pessoa seja infectada, ela ainda consegue não desenvolver a doença de forma grave."

A vacinação pode conter o surgimento de novas variantes?

Glauber Wagner afirma que a vacinação é a forma de evitar que novas variantes surjam, pois se reduz o número de pessoas infectadas e assim o número de cópias geradas, e destaca a importância de se ter diferentes tipos de tecnologias de vacinas para conter o avanço da pandemia. "Quando você tem diferentes tecnologias, você vai ter diferentes células de defesa funcionando de acordo com a vacina. Claro, todas contra o Sars-Cov-2, mas cada uma de uma forma diferente e isso ajuda a combater a pandemia de forma mais rápida."

Não se descarta, no entanto, que as vacinas tenham que passar por atualizações para contemplar as variantes que vão surgindo, como é feito anualmente com a vacina da gripe. Soumya Swaminathan, da OMS, afirma que empresas e laboratórios de todo o mundo estão trabalhando em novas versões da vacina, que acomodam as proteínas do vírus variante. "Então, eu acho que nos próximos meses, começaremos a ver os resultados dos testes clínicos que estão olhando para essas novas vacinas modificadas. E então seremos capazes de decidir se as pessoas vão precisar de reforços ou não."

O reforço na vacinação também é apontado como algo bem provável de acontecer pelo pesquisador Emanuel de Souza, da UFPR. "Talvez nossa imunidade não seja duradoura e talvez as variantes comecem a escapar da proteção vacinal." Segundo ele, a imunização contra a Covid-19 deve seguir o comportamento da vacina contra a Influenza: realizada anualmente. "E não tem população-alvo, tem que vacinar pelo menos 70% da população para proteger o todo. No Brasil isso significa que teremos que vacinar cerca de 150 milhões de pessoas todo o ano."

Diante do custo desse montante de doses, ele aponta que é estratégico ter uma produção nacional, ficando independente de insumos de países como China e Índia. Ele e colegas da UFPR estão desenvolvendo uma vacina contra a Covid-19 a partir de pesquisas realizadas há mais de 10 anos com biopolímeros biodegradáveis e com partes específicas de proteínas virais. "A ideia veio da necessidade de ajudar a combater a pandemia e termos uma preparação vacinal 100% produzida no Brasil."

No áudio a seguir ele explica como a vacina está sendo desenvolvida a partir da pesquisa com bactérias:

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** Este texto foi publicado incialmente em julho de 2021 e atualizado em 02 de dezembro de 2021.

Formas de prevenção continuam as mesmas: higiene, uso de máscara e distanciamento físico

-> Neste post, há informações sobre como higienizar corretamente mãos, objetos e ambientes

-> E neste, saiba porque usar as máscaras PFF2.

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