O que você deve saber ao consumir ostras e mariscos?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 dez 2022 10:48 Data de Atualização: 20 mai 2024 17:58

É verão e férias. Durante esse período, o litoral catarinense recebe muitos turistas que buscam curtir uma praia, conhecer a cultura e a gastronomia local. Há uma série de sugestões de locais para visitar e de pratos para apreciar. Talvez você não saiba, mas Santa Catarina é referência nacional no cultivo de ostras e mariscos, o que faz do Estado o maior produtor de moluscos do Brasil. Um título que vem sendo conquistado ano após ano desde 2013.

Segundo dados da Epagri, o Estado é responsável por mais de 95% da produção nacional de ostras e mariscos. No post do IFSC Verifica, nós te explicamos sobre a importância do monitoramento do cultivo de moluscos e da análise constante da água do mar para garantir a segurança alimentar de quem consome esses produtos.

Começando do começo

Moluscos são animais filtradores que se alimentam de microalgas e por isso é preciso ficar atento se há floração de algas que possam liberar toxinas potencialmente nocivas. É quando temos um fenômeno conhecido popularmente como maré vermelha. Nesse caso, a ingestão dos moluscos pode causar intoxicação alimentar, problemas hepáticos ou neurológicos. E como um mero consumidor vai saber disso? É aí que entra a ciência.

Santa Catarina é o único estado no país a fazer o monitoramento sistemático e contínuo da qualidade da água e dos moluscos de cultivo. Caso haja uma floração de algas nocivas, são emitidos alertas e a comercialização e o consumo dessas espécies ficam temporariamente proibidos. Um trabalho que foi pensado e estruturado por pesquisadores que compõem o quadro de servidores do Câmpus Itajaí do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).

O Laboratório Oficial de Análise de Resíduos e Contaminantes em Recursos Pesqueiros (Laqua), do Câmpus Itajaí, reúne pesquisadores que são referência no estudo de microalgas e ficotoxinas – toxinas liberadas pelas algas –, como o professor Luís Proença, que desde a década de 1980 estuda a floração de algas. Ele conta que em 1998 quando detectou a maré vermelha no litoral de Santa Catarina, procurou algumas instituições para fazer o alerta e que na época não havia um fluxograma como hoje para fechar as áreas de cultivo e proibir o consumo. Uma ação que antes só cabia ao Ministério Público. “Nós observávamos que havia a necessidade de constituição de um laboratório oficial que pudesse monitorar a presença de algas para garantir a segurança alimentar e emitir laudos que fossem reconhecidos enquanto oficiais.”

Nesse período também, o governo federal começou a trabalhar para a criação de laboratórios oficiais de análise de organismos marinhos que funcionassem em instituições públicas e o IFSC se habilitou a ser uma delas. Dessa forma, em 2012, o Ministério da Pesca e da Aquicultura designou quatro instituições públicas para abrigarem laboratórios oficiais, sendo que o IFSC foi designado a receber o laboratório de análises de biotoxinas marinhas, que iria compor a Rede Nacional de Laboratórios do Ministério da Pesca e Aquicultura (Renaqua) e passaria realizar diagnósticos e análises oficiais sobre moluscos bivalves de áreas de cultivo em Santa Catarina.

De 2012 a 2017, o laboratório realizou mais de 10 mil análises de amostras de moluscos bivalves de cultivos de diferentes regiões de Santa Catarina. O laboratório também recebia amostras de organismos vindos de outros estados como Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.  Por sete anos, as amostras coletadas eram encaminhadas ao IFSC, onde era feita a análise dos materiais e emitidos os laudos. Em caso da presença de algas nocivas, como a toxina diarreica (DSP), que pode causar uma intoxicação alimentar, ou da toxina amnésica (ASP), que pode levar à morte, um alerta era emitido e cabia a secretaria da agricultura do Estado fechar as áreas de cultivo e proibir a comercialização dos moluscos enquanto houvesse a presença dessas espécies.

Um trabalho que se tornou referência com a implementação do Programa de monitoramento de algas nocivas, ficotoxinas e bactérias em áreas de cultivo pela Cidasc. “Santa Catarina é o único estado do Brasil a fazer o monitoramento sistemático da presença de ficotoxinas em moluscos bivalves, o que fez com que as ostras cultivadas aqui se transformassem em uma referência nacional”, explica o professor do Câmpus Itajaí Mathias Schramm.

Em 2018, as análises de toxinas que eram feitas no IFSC passaram a ser realizadas pelo Laboratório Nacional Agropecuário do Rio Grande do Sul (Lanagro), instalado em São José (SC). Desta forma, os trabalhos do laboratório do IFSC se concentraram nas análises de amostras de água coletadas para fazer os ensaios de contagem de algas, no desenvolvimento de metodologias analíticas e no trabalho de capacitação de equipes técnicas que atuam nesta área.

O que a ciência tem a dizer sobre essas toxinas

O que causa essa proliferação de algas nocivas?

Dentre as microalgas existentes, estima-se que apenas 100 delas produzem toxinas que podem ser nocivas para peixes e seres humanos. As mais conhecidas são as do gênero Dinophysis. O professor Thiago Pereira Alves, do Câmpus Itajaí, explica que esse é um fenômeno natural e que há uma série de condicionantes ambientais que podem afetar a proliferação dessas microalgas como correntes marinhas e fenômenos meteorológicos ou mesmo emissão de efluentes, dragagens e obras de infraestrutura costeira.

Há relação entre maré vermelha e poluição?

O professor Thiago explica que não existe uma relação direta de poluição com maré vermelha. “Muitas pessoas tendem a associar o fenômeno das marés vermelhas como uma consequência da perda de balneabilidade ou contaminação das águas costeiras por esgoto doméstico, mas isso não é verdade. Nossa maior frequência de maré vermelha é no outono e no inverno, onde temos a melhor balneabilidade. A falta de saneamento é um problema crônico, enquanto que a maré vermelha é um processo natural. Há lugares paradisíacos no pacífico que tem uma água muito boa e lá também acontece a maré vermelha do mesmo jeito. A degradação ambiental da zona costeira e a poluição das águas contribuem para a perda de qualidade ambiental que muitas vezes reduz a diversidade da fauna e flora aquática e pode contribuir para que determinadas espécies de microalgas prevaleçam na água. Isso pode favorecer a ocorrência de um fenômeno de maré vermelha, porém esse não representa um fator determinante.”

O professor do Câmpus Itajaí Luís Proença explica que a quantidade de materiais orgânicos presentes na água pode interferir no volume de microalgas, já que elas servem como alimento para essas espécies de moluscos. “Há alguns estudos nos Estados Unidos em que se associou o uso de fertilizantes com ureia em plantações ao aumento de florações de maré vermelha. Nesse sentido, estuda-se que a ureia poderia potencializar esse fenômeno. Mas é bom lembrar que a maré vermelha é um fenômeno natural e que há uma série de registros históricos que mostram casos de intoxicação alimentar causados pela ingestão de ostras e mariscos. No Brasil, há um registro do naturalista Aldo Vieira da Rosa sobre o relato de pessoas que morreram por conta do consumo de marisco em 1904”, explica o professor.

Outro registro histórico que também pode estar associado ao fenômeno da proliferação de algas nocivas é o do marinheiro britânico George Vancouver que, no final do século XVIII, navegava pela América do Norte. Em seus registros, há o relato de que quatro tripulantes ficaram doentes ao comerem mexilhões e um deles morreu horas depois de paralisia no sistema respiratório.

Quais são os efeitos dessas ficotoxinas?>

O efeito no corpo humano depende da toxina encontrada. Em caso de toxina diarreica (DSP), o mais comum é intoxicação alimentar. Outras substâncias podem causar dermatites e até inflamações das vias respiratórias (intoxicações por aerossóis - spray marinho). Já no caso da toxina amnésica (ASP) ela pode levar à paralisia do corpo e à morte. “No caso da toxina diarreica, ela inibe uma proteína que nós temos no nosso intestino e que é responsável pelo balanço hídrico. Isso gera os distúrbios gastrointestinais. O que faz dela uma intoxicação alimentar diferente de uma causada por salmonela”, afirma o professor Thiago.

Essas toxinas podem ser neutralizadas com o congelamento ou o cozimento desses alimentos?

As toxinas não são destruídas com o congelamento ou cozimento dos moluscos. A única forma de detectá-las é por ensaios ou análises químicas. Quando é detectada, a defesa sanitária interdita o local e a venda dos produtos fica proibida durante o período em que for detectada a ficotoxina na água e nos moluscos.

A purificação da água do mar onde será feito o cultivo é uma garantia para a segurança da ingestão?

O professor Thiago explica que por mais que a água seja purificada, caso haja a presença de ficotoxinas, não há como garantir a segurança alimentar. “Quando se purifica a água, consegue-se apenas retirar as ficotoxinas do sistema digestório dos moluscos, mas não há a garantia de que não exista a presença dessas microalgas nocivas em outras partes do animal.”

A maré vermelha é vermelha mesmo?

Apesar do nome, nem sempre a maré vermelha é vermelha. No Brasil, é mais comum inclusive que a cor do mar fique de um tom de verde, branco ou marrom, sendo que a coloração vermelha é mais comum no Caribe e no Índico. “As marés vermelhas são um fenômeno natural resultante da rápida proliferação de algas microscópicas unicelulares (microalgas) e que muitas vezes altera algumas características e propriedades da água como cor, cheiro ou a produção de espuma. A grande maioria das marés vermelhas, não tingem a água de vermelho, e são benéficas para a rede trófica aquática uma vez que as microalgas são a base da cadeia alimentar marinha, servindo de alimento para muitos organismos como peixes, crustáceos ostras e mariscos”, afirma o professor Thiago.

A proliferação dessas microalgas acontece apenas no mar?

Não, também há a presença de ficotoxinas em água doce, inclusive há registros em águas de abastecimento.

Qual a melhor forma de prevenir os casos de intoxicação?

Os professores são unânimes em dizer que a melhor forma de prevenir é o monitoramento do cultivo e que é necessário que outros estados também tenham laboratórios que façam essas análises de forma sistemática.

Após o fechamento das áreas de cultivo, em quanto tempo eu posso voltar a consumir os moluscos?

No caso de maré vermelha, não há perda de produção, já que os mesmos moluscos podem ser comercializados após as toxinas serem dissipadas. Mas não há um tempo estimado para que isso aconteça.

Essas ficotoxinas também podem ser prejudiciais para peixes?

Sim. “O Chile produz em média 40 mil toneladas de salmão por ano e na safra de 2015 e 2016 que foi afetada pela maré vermelha a produção caiu para 5 mil toneladas. O que fez disparar o preço do salmão”, explica o professor Luís Proença.

E agora que você “ouviu” o que a ciência tem a dizer e viu como ela é uma importante aliada para garantir a nossa sobrevivência, que tal desfrutar de um bom prato de ostras? Só fique atento aos alertas!

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