Como a Covid-19 afeta crianças e adolescentes?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 06 out 2020 10:25 Data de Atualização: 20 mai 2024 15:47

Sete meses já se passaram desde que a pandemia chegou ao Brasil. O Ministério da Saúde recebeu a primeira notificação de um caso confirmado de Covid-19 no país em 26 de fevereiro. As mortes pela doença já ultrapassaram a marca de 146 mil pessoas. O número de pessoas contaminadas se aproxima dos 5 milhões conforme dados do Governo Federal. Em 28 de setembro, o mundo atingiu a marca de 1 milhão de mortos por Covid-19.

Ao analisarmos os dados, um aspecto chama a atenção: crianças e adolescentes têm sido os menos afetados pelo coronavírus ao considerarmos os números de internação e óbitos em decorrência da doença. Segundo dados do mais recente Boletim Epidemiológico disponibilizado pelo governo federal até a publicação deste post (N33), a faixa etária de 0 a 19 anos corresponde a 2,5% das hospitalizações por Covid-19 e a 0,7% dos óbitos no Brasil.

Neste post vamos abordar o comportamento do vírus em relação a crianças e adolescentes e também as seguintes questões:

  • - Criança tem menos chance de ser infectada pelo coronavírus?
  • - Por que a maioria das crianças infectadas pelo Sars-CoV-2 são assintomáticas ou apresentam sintomas leves?
  • - Os sintomas nas crianças são os mesmos do que nos adultos?
  • - Quais os cuidados para prevenir a contaminação das crianças?
  • - O que é a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica?

Crianças e adolescentes podem ser considerados do mesmo grupo?

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade. No entanto, quando tratamos assuntos relacionados à Covid-19, podemos tratar as crianças e os adolescentes como parte de um só grupo. “Quando se fala de coronavírus, o que temos visto na literatura é englobar crianças e adolescentes”, explica a infectologista pediatra Sônia Maria de Faria, que também é professora dos cursos de medicina da UFSC e da Unisul e trabalha no Hospital Infantil Joana de Gusmão, referência no Estado para tratamento de casos de crianças com Covid-19.

Criança tem menos chance de pegar o coronavírus?

As chances de crianças e adolescentes serem infectados pelo vírus são as mesmas dos adultos. “O que eu diria é que elas têm menos chance de desenvolver a doença com manifestações mais graves como acontece com o adulto”, aponta Sônia.

Conforme a professora da UFSC, não é possível avaliar se a criança se infecta menos, uma vez que não está sendo feita uma testagem em massa em toda a população. “O que a gente pode deduzir é que, das crianças que apresentaram sintomas, mais de 90% apresentaram sintomas leves da infecção”, destaca.

Isso explica o fato de as internações nesta faixa etária serem menores quando comparadas aos adultos. Quando uma criança ou adolescente contrai o coronavírus, muitas vezes é assintomática ou possui sintomas leves.

-> Qual a diferença entre doentes assintomáticos, pré-sintomáticos e sintomáticos?

Citação da professora Sandra Garcia do IFSC - "As infecções pela COVID-19 parecem afetar as crianças com menos frequência e menos gravidade do que em adultos"

Apesar disso, o Ministério da Saúde considera crianças com menos de 5 anos como um fator de risco para apresentar complicações, sendo que o maior risco de hospitalização é em menores de 2 anos, especialmente as menores de 6 meses com maior taxa de mortalidade. Segundo a infectologista pediatra, as crianças abaixo de 2 anos são consideradas imunologicamente imaturas, uma vez que seu sistema imunológico não está ainda totalmente desenvolvido. “Isso faz com que elas tenham um maior risco de apresentar complicações em qualquer infecção, não só com a Covid-19, já que essa imaturidade do sistema imunológico faz com que essas crianças respondam como se fossem imunodeficientes’, explica Sônia.

-> Você tem um ou mais fatores de risco para a Covid-19?

Quando o quadro da Covid-19 se agrava em crianças e adolescentes, essa manifestação ocorre, normalmente, por dificuldade respiratória como uma pneumonia associada. Mas a professora da UFSC chama a atenção para o fato de que a maior parte dos casos agudos que necessitam de internação é em crianças que já possuem algum fator predisponente. “Aí entram as doenças congênitas, as imunodeficiências, os asmáticos…”, destaca. “A obesidade também é um fator de risco que tem aparecido tanto para adulto quanto crianças”, complementa.

Por que a maioria das crianças infectadas por coronavírus são assintomáticas ou apresentam sintomas leves?

A enfermeira e professora do curso técnico em Enfermagem do Câmpus Florianópolis do IFSC Sandra Joseane Fernandes Garcia ressalta que os estudos científicos têm demonstrado que o sistema imunológico das crianças reage bem à Covid-19. “Pode ter casos graves? Pode, mas, na sua maioria, nesse momento é exceção”, afirma.

Para a professora da UFSC, o fato de o sistema imunológico da criança ser diferente do adulto é a principal hipótese até o momento para que essa faixa etária não esteja sendo tão afetada pela doença. “Como a criança tem com muita frequência infecções virais e ela desenvolve imunidade para outros vírus, é possível que ocorra imunidade cruzada com o coronavírus”, aponta Sônia.

Veja as explicações das professoras no vídeo abaixo: 

Criança transmite o vírus?

Sim. O que não se pode afirmar é se as crianças transmitem mais ou menos em relação aos adultos. “As crianças provavelmente não constituem um reservatório importante do vírus, mas, por outro lado, como são assintomáticas em sua maioria, podem contribuir para a circulação do vírus na comunidade”, alerta a professora do IFSC Sandra Garcia.

Em agosto, pesquisadores da universidade americana de Harvard publicaram um estudo no Journal of Pediatrics que revela que as crianças podem ser uma fonte potencial de contágio na pandemia, apesar de terem sintomas leves ou até de serem assintomáticas.

Outro estudo recente publicado em 25 de setembro no periódico JAMA Pediatrics avaliou a susceptibilidade de crianças à infecção por Sars-CoV-2 e o risco de elas transmitirem o vírus. Os pesquisadores concluíram que há evidências preliminares de que crianças e adolescentes têm menor suscetibilidade ao vírus, mas apontaram evidências fracas de que as crianças e os adolescentes desempenham um papel menor do que os adultos na transmissão do Sars-CoV-2 em nível populacional. “O estudo conclui que as crianças são menos susceptíveis à infecção, mas não dá para afirmar que transmitem menos”, destaca a professora Sônia.

Quais os sintomas da Covid-19 em crianças e adolescentes?

Nos casos em que as crianças e adolescentes têm apresentado sintomas, estes costumam ser semelhantes aos de um resfriado ou uma gripe como coriza, obstrução nasal, tosse e febre. O que tem sido mais frequente em crianças com Covid-19 do que em adultos são os sintomas gastrointestinais como a diarreia, vômito e dor abdominal.

Quando é o momento de procurar atendimento médico?

Conforme a infectologista pediatra, as orientações seguem as mesmas independentemente de estarmos em um pandemia. “Aquela criança que tenha febre alta, que continua com sintomas após 48 horas, que apresenta um quadro que nós chamamos de prostração, hipoativa, com uma recusa alimentar importante, a qualquer momento deve ser levada para avaliação médica”, alerta Sônia.

Como a maioria dos casos é assintomática ou com sintomas leves, muitas vezes é necessário apenas o cuidado em casa. Leia aqui o post que fizemos sobre como cuidar de um paciente com Covid-19 em casa e evitar o contágio da família.

Cuidados de prevenção com as crianças e os adolescentes

A professora do curso técnico em Enfermagem do IFSC informa que o contato domiciliar foi a principal forma de transmissão para as crianças em 82% casos. “Isso quer dizer que um familiar que tinha sintomas ou não tinha sintomas, mas estava contaminado, acabou levando o vírus para essa criança”, explica.

Os cuidados para evitar que as crianças e adolescentes sejam contaminados pelo vírus são os mesmos orientados para os adultos, como uso de máscaras ao sair de casa, higienização frequente das mãos e distanciamento social de pessoas que não moram na mesma casa. No entanto, por tratarmos de crianças, alguns pontos precisam ser observados. “A compreensão da criança sobre o que é e para que serve o distanciamento social é limitada”, afirma Sandra.

O uso de máscara pelas crianças também não é tão simples. No final de agosto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgaram recomendações sobre o uso de máscaras por crianças e adolescentes no contexto da Covid-19 diferentes das orientações que vinham sido dadas até então - que indicavam uso de máscara para crianças acima de 2 anos. Conforme o novo posicionamento das entidades, o uso de máscara em crianças de até 5 anos de idade não deve ser obrigatório. Veja aqui o que diz a OMS sobre a questão.

No entanto, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) mantém as suas recomendações, que podem ser conferidas neste link. Crianças menores de 2 anos de idade não devem usar máscaras pelo risco de sufocamento, o que pode ocorrer pela salivação intensa. Entre os 2 e 5 anos, a máscara é recomendada, mas existe a necessidade de supervisão constante dos cuidadores. A entidade indica que se avalie individualmente a possibilidade do uso, conforme o grau de maturidade de cada criança. A partir de 6 anos, a criança já pode auxiliar no procedimento de uso.

A nota de alerta da SBP inclui orientações no caso de crianças e adolescentes que apresentam atrasos no desenvolvimento e condições específicas, como Transtorno do Espectro Autista (TEA), deficiência intelectual, transtornos do comportamento e que podem ter mais resistência ao uso da máscara.

A professora do curso de Enfermagem do IFSC destaca outros cuidados de higiene que devem ser tomados em relação às crianças e adolescentes para evitar o contágio:

- Lavar as mãos com frequência usando água e sabão em quantidade suficiente e de maneira adequada (entre os dedos, palma e dorso das mãos, esfregar as unhas, estendendo a lavação até os punhos) ou, caso não seja possível lavar as mãos em algumas situações, utilizar álcool gel 70%;
- Evitar contato com pessoas doentes;
- Limpar e desinfetar diariamente as superfícies de toque frequente nas áreas comuns da casa (por exemplo, mesas, cadeiras de encosto alto, maçanetas, interruptores de luz, controles remotos, banheiros, pias);
- Lavar objetos e brinquedos, incluindo os de pelúcia laváveis.

Outro aspecto importante de prevenção em crianças que não pode ser esquecido, segundo a infectologista pediatra Sônia,  é a vacinação. A professora da UFSC alerta que os números de cobertura vacinal no Brasil estão baixos. “Outras doenças praticamente deixaram de existir neste momento porque as crianças não estão em contato entre si, mas nesse retorno às escolas, vai ter essa interação e o risco volta a existir”, afirma. “É necessário que essas crianças estejam protegidas e a melhor forma de a gente protegê-las é a vacinação”, destaca Sônia.

Em junho, a SBP, a Unicef e a Sociedade Brasileira de Imunizações lançaram a campanha “Vacinação em dia, mesmo na pandemia” justamente para conscientizar os pais e cuidadores sobre a importância de não postergar a vacinação por causa do novo coronavírus. “O responsável pela criança deve acompanhar o calendário vacinal, ver as vacinas em atraso e procurar atualizá-las, principalmente, antes da volta à escola”, recomenda Sônia.

Um alerta para crianças que tiveram Covid-19: Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica

Embora os casos de Covid-19 em crianças e adolescentes não tenham sido um foco de grande preocupação, justamente em função de a maioria não apresentar gravidade, a comunidade médica tem chamado a atenção para a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica associada temporalmente à Covid-19 (SIM-P).

A professora da UFSC explica no vídeo abaixo como a SIM-P tem se manifestado:


A infectologista pediatra destaca que a SIM-P leva à internação. “Já tivemos casos de que a criança até é atendida num serviço de emergência e, num determinado momento, ela aparentemente está bem, mas, em questão de horas, seu quadro se agrava e ela acaba sendo internada numa Unidade de Terapia Intensiva”, alerta.

Como muitas crianças que têm Covid-19 são assintomáticas, ou seja, pode ser que os pais/cuidadores nem saibam que elas foram infectadas pelo coronavírus, é importante ficar alerta para os sintomas da SIM-P. De acordo com a professora da UFSC, os sintomas podem ser febre alta - em geral, acima de 38º - por pelo menos três dias, manchas na pele semelhantes ao sarampo, hiperemia dos olhos (olhos vermelhos), alterações na boca e nos lábios, diarreia, vômito e dor abdominal.

Em 7 de agosto, os departamentos científicos de Infectologia, Reumatologia, Cardiologia, Terapia Intensiva e Emergência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) emitiram uma nota de alerta reforçando a necessidade de notificação nacional obrigatória da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) potencialmente associada à Covid-19.

Volta às aulas

O retorno das atividades presenciais nas escolas tem sido um ponto bastante discutido por especialistas e que gera preocupação nos pais e cuidadores das crianças e adolescentes. Para a infectologista pediatra Sônia, a questão do retorno é muito complexo e vários fatores precisam ser considerados. O primeiro é o fator epidemiológico, o que significa ter a doença ou a infecção controlada no meio onde se está propondo a reabertura das escolas.”Você precisa ter pelo menos duas semanas de constante queda no número de casos, de internações”, explica. Outro ponto é avaliar a condição das escolas para cumprir as medidas sanitárias necessárias para tornar o ambiente mais seguro.

Sônia lembra que os países que reabriram as escolas não têm apresentado um maior número de casos entre os grupos em que essas crianças convivem. “Acho que são todas essas experiências que vão nortear a abertura das escolas no nosso meio”, pondera.

Em 25 de setembro, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou um documento no qual indica as condições mínimas a serem cumpridas para garantir um retorno seguro às aulas por crianças e adolescentes. A entidade alerta que, diante de lacunas em evidências científicas, que não permitem recomendações isentas de incertezas, e da inexistência de fórmulas únicas para atender às necessidades locais e regionais, qualquer opção - voltar às aulas ou manter somente atividades remotas - está sujeita a riscos. “O risco é geral e não só para as famílias, mas acho que essa questão da volta da escola é muito complexa e vai exigir uma ampla discussão e uma ampla orientação”, avalia Sônia.

O impacto da pandemia no desenvolvimento das crianças

Para quem está com as crianças em casa e sem ir à escola desde março, há uma preocupação com a saúde mental e o próprio desenvolvimento dessas crianças, mas a professora Sandra acredita que é uma situação que poderá ser revertida no futuro. “Quando as crianças voltam a ser estimuladas, elas têm uma tendência a compensarem bastante essas perdas e, dependendo do tempo de desenvolvimento, compensarem até estabilizarem na idade normal”, tranquiliza a docente do IFSC.

Claro que podem ocorrer casos em que as crianças e adolescentes estejam tão impactados pelo momento que seja preciso recorrer a ajuda profissional. Nesse sentido, a infectologista pediatra alerta que mudanças comportamentais podem ser um sinal amarelo para buscar ajuda. “Quando uma criança extrovertida passa a ter um comportamento de tristeza, de depressão, de ser mais introvertida, essa criança preocupa e, nesses casos, é importante a busca de ajuda psicológica”, recomenda.

De maneira geral, Sônia aconselha os pais a terem paciência. “Esse momento vai passar e as famílias podem aproveitar o momento para estarem mais juntas”. afirma.

Quer saber mais sobre o que abordamos neste post?

- Documentos com aspectos clínicos e epidemiológicos da Covid-19 na infância e adolescência do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz)
- Cartilha da Fiocruz de saúde mental aborda crianças na pandemia
- Perguntas e respostas da OMS sobre o tema Escolas e Covid-19

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