IFSC VERIFICA Data de Publicação: 02 mar 2022 11:09 Data de Atualização: 20 mai 2024 17:34
Estiagem prolongada no Sul do Brasil, chuvas torrenciais no Nordeste e Sudeste, longos períodos de calor extremo, nevascas e incêndios sem precedentes em países do hemisfério Norte. Notícias de fenômenos climáticos extremos têm chamado cada vez mais a atenção nos últimos anos, em todo o mundo, e é meio inevitável ficar com aquela sensação de que a natureza está fora do controle. Mas será que é isso mesmo?
O relatório divulgado nesta segunda-feira (28 de fevereiro) pelo grupo de trabalho 2 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) indica que as mudanças climáticas, cujo processo tem a ação humana como componente decisivo, já estão impactando a vida de bilhões de pessoas ao redor do planeta e provocando prejuízos irreversíveis para o meio ambiente.
Na apresentação do relatório, em Berlim (Alemanha), o presidente do IPCC, Hoesung Lee, afirmou que as mudanças climáticas são uma ameaça crescente para o bem-estar das pessoas e a saúde do planeta. “Nossas ações atuais vão moldar como as pessoas se adaptam e a natureza reage a riscos climáticos crescentes”, disse o economista sul-coreano.
Assinado por 270 autores de 67 países, o documento destaca os impactos socioeconômicos advindos do processo de mudança climática, como aumento da pobreza, agravamento da fome, movimentos migratórios, maior ocorrência de eventos extremos como enchentes, tempestades e estiagens. Para os cientistas, o enfrentamento dessa série de desafios envolve os governos, o setor privado e a sociedade civil, numa união de esforços que inclui, também, iniciativas locais.
Como podemos mitigar esses efeitos com ações locais?
Conversamos com especialistas para saber o que está acontecendo com o nosso clima e também para entender como essas mudanças nos afetam. Além disso, tentamos refletir sobre o nosso papel como cidadãos, das empresas e poder público tanto na mitigação da ação do homem sobre as mudanças climáticas quanto no enfrentamento de desastres ambientais e seus efeitos.
O professor Michel Nobre Muza, doutor em meteorologia, explica o que são mudanças climáticas e aquecimento global. A professora doutora em saúde e doenças ocupacionais e engenheira sanitarista Maurília de Almeida Bastos alerta que eventos extremos, como as chuvas que caíram sobre a cidade de Petrópolis (RJ) em fevereiro deste ano - desastre ambiental mais grave da história da cidade, com mais de 200 mortos -, serão cada vez mais frequentes, e fala sobre as medidas que precisam ser tomadas para que tragédias não aconteçam.
Também conversamos com o coordenador do curso superior em tecnologia em Gestão Ambiental do Câmpus Garopaba, Juliano Gomes, e o egresso André Candian Moreira, sobre o que é desenvolvimento sustentável e o papel dos profissionais da área ambiental na preservação do meio ambiente.
Mudanças climáticas e aquecimento global
As mudanças climáticas são um consenso no meio científico, que há pelo menos 30 anos vem acompanhando com mais atenção os efeitos da aceleração no aumento da temperatura média da Terra – o chamado fenômeno do aquecimento global. Os cientistas do IPCC, órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), produzem periodicamente relatórios sobre a situação do planeta. Desde o início dos trabalhos, em 1988, já foram lançados vários alertas sobre os problemas que serão enfrentados caso o aquecimento provocado pelo efeito estufa não seja mitigado.
O professor Michel Nobre Muza, que é doutor em meteorologia e atua no Câmpus Florianópolis, explica que a expressão “mudanças climáticas” é bastante ampla: envolve desde estudos a respeito do clima da Terra em outras eras geológicas, feitos por meio de perfurações nas geleiras, até pesquisas sobre as mudanças naturais sofridas pelo clima do planeta no último século. No vídeo abaixo ele explica essa questão:
Mas se as mudanças climáticas podem ser vistas como um processo natural, por que há tanto alarme em torno desse assunto?
O professor Michel explica que já faz alguns anos que os cientistas identificaram que o aumento da temperatura da Terra vem ocorrendo de forma mais acelerada do que na era pré-industrial. Segundo ele, o relatório divulgado pelo IPCC em 2007 pode ser considerado o marco para o consenso científico em torno da interferência humana na aceleração do aquecimento global.
Isso ocorreu em função da evolução da tecnologia para obtenção de informações climáticas, segundo o professor. Os chamados modelos climáticos consideram variáveis como a vegetação, os oceanos, ciclo da água, entre muitos outros, para desenhar os prognósticos para o clima terrestre. “São ferramentas computacionais que usam os elementos da física, da química, das leis de termodinâmica, equação de movimento, forças, para se modelar, estimar esse clima terrestre”, descreve.
Com a aplicação desses modelos, a comunidade científica concluiu que a inclusão das atividades humanas entre as variáveis – ou seja, os resultados da atividade humana como emissão de gases que provocam o chamado efeito estufa, urbanização, impermeabilização do solo, entre outros elementos – faz com que os prognósticos de aumento de temperatura da Terra cresçam de forma alarmante. “Esses modelos mostraram que com a inserção das atividades humanas, havia uma tendência positiva [de aumento na temperatura do planeta]. Então foi a evidência decisiva para esse consenso científico”, explica o professor Michel Muza.
O que é o efeito estufa?
Quem está acordado nos últimos anos certamente já ouviu falar sobre os efeitos nocivos da emissão de gases poluentes na atmosfera – aqueles provenientes dos automóveis, da pecuária, de atividades industriais. Mas por que a emissão de gases desencadeia esse processo de aquecimento da Terra?
A explicação está no processo de aquecimento “normal” do planeta pela incidência da energia solar, esclarece o professor Michel. A radiação solar passa pela atmosfera e atinge a superfície, onde é absorvida de forma bastante efetiva. “Uma forma dessa energia absorvida pela superfície é fundamental para o aquecimento do solo e até mesmo para o crescimento das plantas”, ressalta Michel. Outra parte dessa energia é refletida e deveria se dissipar na atmosfera, mas é bloqueada pelo acúmulo de gases na atmosfera, tais como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4).
“Ou seja, não é só o Sol que aquece a atmosfera, mas também a própria Terra, quando transforma essa energia, absorve e emite em outro tipo de radiação, que é a infravermelha. O efeito estufa é o aprisionamento dessa radiação, principalmente a infravermelha, entre a atmosfera e a superfície”, descreve. “Isso é bom para o planeta, porque se não fosse essa camada a temperatura da superfície seria extremamente fria, inviabilizando a vida. Mas o que está acontecendo com o aumento dos gases de efeito estufa é a intensificação desse fenômeno. E o aumento é muito grande. Dados históricos mostram que a Terra nunca experimentou esse grau de concentração de gases como se está vivendo agora”, analisa o professor.
Como o aquecimento global se relaciona com eventos extremos?
Os trabalhos científicos mais recentes a respeito das mudanças climáticas – em especial os do IPCC – indicam um prognóstico preocupante, envolvendo a maior ocorrência de eventos extremos, como chuvas intensas, vendavais, ondas de calor e de frio, tempestades e estiagens.
No relatório divulgado em agosto de 2021 pelo grupo de trabalho 1 do IPCC, assinado por cientistas de 65 países, a previsão é que os eventos extremos ocorram cerca de 40 vezes mais do que ocorreriam num hipotético cenário climático sem a influência da atividade humana. Além disso, o prognóstico inclui o aumento do nível dos oceanos – o que poderia impactar áreas de ocupação humana em maior ou menor escala, a depender da relação entre aumento da temperatura da Terra e elevação do nível do mar.
De acordo com o professor Michel Nobre Muza, a relação da temperatura da Terra com os eventos extremos se explica com a energia cinética. “Aumentando o aquecimento do planeta, isso resulta em maior energia cinética, relacionada aos ventos, e isso pode ser sentido principalmente em relação às tempestades. A hipótese desse aumento dos eventos extremos está muito relacionada ao aumento dessa energética, um planeta com maior energia. O planeta tenderia a um novo equilíbrio, mas forçando a esses eventos extremos, de ondas de calor, frio, precipitação e estiagem. Seria uma mudança do padrão climático em relação a essas variáveis”, destaca.
Se os eventos extremos são uma realidade, o que podemos fazer?
Como devemos nos preparar para enfrentar eventos climáticos extremos? São múltiplos fatores que devem ser levados em conta. Pensando somente na concentração de chuvas que ocasionaram os desastres ambientais no Sudeste e Nordeste brasileiro no início do ano, conversamos com a professora doutora e engenheira sanitarista do Câmpus Florianópolis, Maurília de Almeida Bastos.
Analisando as enxurradas que ocorreram no início do ano no Sudeste e Nordeste do país, especialmente Petrópolis (RJ), a professora Maurília explica que há tecnologias básicas de controle de cheias que podem evitar essas tragédias, porém, não houve investimento do poder público para implementá-las. Em primeiro lugar, deveria haver a preocupação com o planejamento urbano, de não se permitir a construção de casas em áreas de risco, como encostas.
Obras estruturais, como canais e reservatórios de água da chuva, saneamento básico com escoamento adequado e controle da impermeabilização do solo (utilização de pavimentos alternativos ao asfalto, por exemplo) são imprescindíveis para evitar danos causados pelas enxurradas. “Olhando aquelas ruas em Petrópolis, elas eram um canal, por onde aquela água passava. Que estrutura deveria ter? Uma estrutura de drenagem urbana”, explica a professora. Outra medida necessária é a coleta seletiva do lixo: resíduos acumulados entopem os bueiros e dificultam o escoamento. Nesse quesito, a população também pode ajudar, descartando corretamente o lixo, não deixando-o ir para as vias públicas.
De acordo com a professora, o que falta é um planejamento e investimentos a longo prazo. A necessidade de se realizar investimentos só é lembrada quando as grandes tragédias acontecem. Ela cita dados da Associação Contas Abertas de que o investimento federal em prevenção de tragédias ambientais foi de R$ 3,5 bilhões em 2013, e em 2021, foi de apenas R$ 1,130 bilhões. Leis como a 10.257/2001, que estabelece diretrizes de política urbana, e a Lei do Saneamento, são importantes, porém, é preciso haver mais investimentos.
Além disso, a tecnologia que temos hoje no Brasil permite que eventos extremos sejam monitorados e previstos. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas e Desastres Naturais (Cemaden), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, é responsável por monitorar e alertar regiões de risco em casos de eventos extremos (chuvas fortes, ventos, estiagens, entre outros). Porém, segundo a professora Maurília, ter apenas um centro de alerta não é suficiente se não houver infraestrutura. Em Santa Catarina, por exemplo, há uma Defesa Civil bem estruturada e atuante, mas muitos pontos de risco devem receber planejamento e investimentos para que tragédias como a de 2008 no Vale do Itajaí não voltem a se repetir.
Combater as mudanças climáticas exige uma nova forma de pensar?
Mitigar as mudanças climáticas envolve questões ambientais, econômicas e sociais, que podem ser resumidas em um conceito muito difundido ultimamente: o desenvolvimento sustentável, ou seja, um desenvolvimento que dá conta das necessidades que as pessoas têm no presente sem comprometer as gerações futuras.
E nós, o que podemos fazer para contribuir com o desenvolvimento sustentável? Mudanças de hábitos de consumo e cobrar do poder público ações mais efetivas podem ser algumas das saídas, segundo a professora Maurília. O professor Michel Muza, da Meteorologia, resume o termo “ambientalismo” como a ideia de que a soma de esforços particulares, individuais, pode trazer mudanças globais. Ele destaca que a educação ambiental compreende múltiplos aspectos relacionados a atitudes individuais e comunitárias, como reduzir o uso de transporte individual, economizar água e energia elétrica, reduzir a produção de resíduos sólidos.
O engenheiro sanitarista e coordenador do curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental do Câmpus Garopaba, Juliano Gomes, explica que promover a educação ambiental é uma das atribuições do gestor ambiental. Durante o curso, o tema é tratado em diversas disciplinas e em projetos de pesquisa e extensão.
O tecnólogo em Gestão Ambiental André Candian Moreira, egresso do IFSC, acredita que a questão ambiental deveria estar nos currículos de todos os cursos superiores: “Muitos conceitos que a gente aprende lá, que é sustentabilidade. Esse conceito é baseado em um tripé social, econômico e ambiental, e ele só funciona quando os três estão em equilíbrio”. Candian explica que qualquer atividade humana causa impacto sobre o meio ambiente. O que é importante questionar é se essas atividades são sustentáveis, se estão consumindo recursos que poderão se tornar escassos ou inexistentes para as gerações futuras. “O que estamos sendo obrigados agora é pensar na manutenção da espécie, não somente em manter o nosso conforto”, alerta.
A professora Maurília destaca ainda que o problema ambiental não deve ser dissociado de questões sociais. Um exemplo são os catadores de material reciclável. Eles têm um papel importante em separar esses materiais, mas na maioria das vezes trabalham em condições precárias. “Essas pessoas, por que elas estão na rua? Precisaria de um amparo, de um acompanhamento. Tem que ter um trabalho mais próximo a elas”, completa.
Como os profissionais da área contribuem para o desenvolvimento sustentável?
Ter consciência da necessidade de um desenvolvimento sustentável é algo tratado também nos cursos do IFSC voltados ao meio ambiente. Segundo o professor Juliano Gomes, o gestor ambiental é o profissional responsável por criar, desenvolver e executar programas de educação ambiental nas empresas. Além disso, é o profissional responsável por coordenar equipes de licenciamento ambiental, programas de gestão ambiental e certificações.
Assim, para contribuir no processo de mitigação das mudanças climáticas, o profissional pode, nos seus projetos, prezar pelo uso racional de veículos que utilizem combustíveis fósseis, substituir o uso de derivados de petróleo, preferir fornecedores locais de matéria-prima, reutilização de resíduos, evitar desperdícios, entre outras ações que podem ser incorporadas para diminuir o impacto ambiental das atividades econômicas. “São várias ações que se tomam em um sistema de gestão ambiental para que no final a empresa tenha o selo verde”, explica Juliano.
O professor destaca também que a cobrança por boas práticas ambientais pelas empresas é algo relativamente recente e começou por exigência de leis e certificações, como os certificados ISO (International Organization for Standardization, ou Organização Internacional para Padronização, em português). Ao longo do tempo, muitas empresas perceberam que fazer gestão ambiental também representa economia e competitividade, aumentando assim a demanda por profissionais da área.
A professora Maurília é professora do curso técnico em Saneamento e do curso de Engenharia Civil. Nos dois cursos os alunos têm disciplinas que abordam os impactos ambientais. “Somos uma instituição que oferece no curso de Engenharia Civil disciplinas na área ambiental, como drenagem urbana, saneamento e gestão ambiental. Não que eles estão tirando o mercado de outros profissionais, mas para eles tenham condições de trabalhar nessa linha adequadamente e para que possam trabalhar em conjunto”, explica.
A necessidade de profissionais formados em áreas que atuem com a questão ambiental permeia outros setores, como por exemplo o turismo. Juliano explica que muitos alunos do curso de Gestão Ambiental em Garopaba são formados e trabalham como guias de turismo e fazem um papel importante na educação ambiental.
No setor público, ele acredita que uma maior cobrança da população vai abrir espaço para práticas ambientais corretas e contratação de profissionais. Ele cita o exemplo de Garopaba, onde está sendo criado o Instituto do Meio Ambiente municipal, um órgão fiscalizador e licenciador.
Veja o vídeo com o professor Juliano e o egresso André, que explicam melhor a atuação do profissional de Gestão Ambiental:
Além dos cursos específicos que abordam a questão ambiental, esse é um assunto que permeia disciplinas em outras formações. No Câmpus Florianópolis-Continente, por exemplo, os cursos técnicos em Eventos e Culinária e o curso superior de tecnologia em Gastronomia abordam questões como neutralização de carbono em eventos, impactos das mudanças climáticas na produção de alimentos, entre outros temas que permeiam as questões ambientais.
Dessa maneira, segundo o egresso de Gestão Ambiental André Candian Moreira, a preocupação com o desenvolvimento sustentável e a educação ambiental devem estar presentes em todos os cursos e atividades profissionais para que seja possível mitigar os efeitos da ação do homem sobre o planeta.
Para você saber mais
-> Explore o site do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), com conteúdo original em inglês, russo, francês, espanhol, árabe e chinês. Lá é possível acessar todos os relatórios do órgão e consultar dados e diferentes tipos de materiais.
-> Veja matéria com professores do IFSC sobre a relação entre estiagem e desflorestamento
-> Neste post, consultamos fontes do IFSC que atuam nos cursos de Meteorologia, Saneamento (técnicos), Clima e Ambiente (mestrado), Gestão Ambiental (superior de tecnologia) e Engenharia Civil (bacharelado). Conheça os projetos pedagógicos desses e de outros cursos no nosso Guia de Cursos.
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