IFSC VERIFICA Data de Publicação: 02 jun 2020 13:33 Data de Atualização: 20 mai 2024 15:10
Você já deve ter ouvido que prevenir é melhor do que remediar, certo? Pois saiba que esse ditado não é apenas sabedoria popular. É fato: no caso das doenças transmitidas por vírus e bactérias, evitar sua incidência por meio das vacinas é considerado mais indicado do que o tratamento por meio de medicamentos. Ou seja, é melhor prevenir o aparecimento da doença – com uma vacina – do que ter que tratar os doentes com remédios.
Desde que os primeiros casos de Covid-19 surgiram, no final de 2019, o rápido alastramento da doença viral altamente contagiosa desencadeou uma corrida pelo desenvolvimento de uma vacina que proporcione imunização contra o vírus SARS-CoV-2. Em abril, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou um programa de pesquisa e desenvolvimento que une 20 países no esforço pela disponibilização da vacina contra o novo coronavírus o mais rapidamente possível, de modo a conter a pandemia (leia, em inglês, o pronunciamento público do grupo).
Mas se já existem vacinas contra outros tipos de vírus, não deveria ser mais simples produzir uma vacina nova?
A gente fez essa pergunta para a professora Rosane Schenkel de Aquino, que é farmacêutica bioquímica e dá aulas de disciplinas como Microbiologia, Imunologia e Toxicologia no Câmpus Lages. Ela explica que não há “receita” pronta, já que para se produzir uma vacina é preciso, primeiro, conhecer as especificidades do vírus para o qual se está buscando a imunização.
“Cada vírus tem uma característica diferente. Ele pode ser da mesma família de um outro, mas ter uma forma de ligação diferente, produzir uma proteína, um gene diferente, e isso pode deixá-lo mais agressivo ou menos agressivo”, exemplifica. Isso ocorre mesmo dentro de vírus de uma mesma família, como é o caso dos vários coronavírus.
Quais são os passos para o desenvolvimento de uma vacina?
De acordo com Rosane, conhecer o vírus permite que se entendam os mecanismos pelos quais ele funciona – por exemplo, identificar, por meio do DNA ou do RNA, que componentes induzem o sistema imunológico do organismo infectado e produzem uma quantidade suficiente de anticorpos para gerar a imunização. É preciso também identificar, nesse estágio inicial, quais as células que o vírus infecta no ser humano e, além disso, os tipos de ligação que ele faz com essas células. No caso do SARS-CoV-2, ele infecta células pulmonares; já o HIV, por exemplo, infecta as células do sistema imunológico. São mecanismos de ação diferentes.
Os testes iniciais, explica Rosane, geralmente são feitos em células de cultivo – que são produzidas a partir de tecidos vivos especialmente para experiências de laboratório. A partir desse estágio parte-se para os testes em animais, que ainda são controvertidos, e somente depois para os testes em seres humanos. De acordo com a OMS, já estão em estágio de avaliação clínica – ou seja, em estudos com seres humanos – dez candidatas a vacinas contra o novo coronavírus. Outros 115 estudos encontram-se no estágio de avaliações pré-clínicas (a lista completa, em inglês, pode ser consultada no site da OMS).
Quando devemos ter uma vacina contra o novo coronavírus?
Desde o início da pandemia, as autoridades de saúde têm repetido que não haveria perspectiva de vacina contra o causador da Covid-19 em menos de dois anos. Contudo, com a divulgação de resultados positivos nos primeiros testes realizados em seres humanos por uma empresa norte-americana, em maio, alguns veículos de comunicação já falaram na possibilidade de uma vacina no final de 2020 ou início de 2021.
A professora Rosane Schenkel de Aquino considera que é muito difícil fazer essa estimativa com precisão. Segundo ela, algumas vacinas das que temos hoje disponíveis exigiram décadas de pesquisa entre a descoberta do patógeno e a oferta de imunização para a população. Um aspecto que toma muito tempo das pesquisas, explica, é o processo de avaliação da segurança da substância. “Para que se tenha certeza de que a vacina é segura, isso envolve acompanhar os pacientes testados por mais tempo, para saber se houve efeito colateral, se o paciente adoeceu ou apresentou algum sintoma diferente”, ressalta.
Além disso, após a “descoberta” da vacina propriamente dita, no caso de uma pandemia em curso como a que vivemos hoje, há a necessidade de garantir que ela chegue ao maior número de pessoas possível, de forma rápida. Ou seja, é preciso que a fabricação entre em escala industrial na produção e na distribuição.
Qual o papel do Brasil nas pesquisas em torno de uma vacina para a Covid-19?
O Brasil não compõe o grupo de 20 países que integram a cooperação internacional capitaneada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em busca da vacina contra o novo coronavírus – o único representante da América do Sul na iniciativa é a Argentina.
Porém, há uma vacina contra o SARS-CoV-2 em desenvolvimento na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), centenária instituição de ciência e tecnologia em saúde vinculada ao governo federal e sediada no Rio de Janeiro. Isso é relevante, segundo Rosane, porque as características do vírus podem sofrer algum tipo de mudança entre um lugar e outro. “Isso não quer dizer que uma vacina produzida na Europa não vá funcionar no Brasil. Mas ter uma produção de vacina local, que considere as características do vírus circulante, teoricamente é mais eficiente”, detalha.
As vacinas são capazes de erradicar doenças?
Sim. Isso já aconteceu com a poliomielite ou paralisia infantil, que é considerada erradicada no Brasil desde 1989. Em nível global, a varíola também foi uma doença viral que a OMS considerou erradicada em 1979 (leia, em inglês, sobre a comemoração dos 40 anos desse feito). O Brasil já chegou a receber certificação de erradicação do sarampo, mas a baixa procura pela vacinação abriu a brecha para o surgimento de um surto da doença em 2018. Hoje a vacinação contra o sarampo é recomendada tanto para crianças quanto para adultos.
Em muitos casos, o fato de uma doença “desaparecer” pode gerar a falsa impressão de que não é mais necessário se vacinar. Notícias falsas difundidas sobre supostos efeitos colaterais da imunização, não apenas no Brasil, também são apontadas como responsáveis pela queda na procura pela vacinação e a reincidência de doenças controladas, como é o caso do sarampo.
Esse foi um dos assuntos discutidos numa recente live do projeto “O cuidar em evidência”, coordenado por professoras dos cursos de Enfermagem dos câmpus Florianópolis e Joinville (a gravação está disponível no canal IFSC Enfermagem).
Na conversa conduzida pela coordenadora do bacharelado em Enfermagem do Câmpus Joinville, professora Betina Barbedo, a enfermeira Sandrine Teuber e a infectologista Magali Chaves Luiz lamentaram o grande prejuízo que as notícias falsas sobre as vacinas provocam na sociedade e ressaltaram a importância de que todas as pessoas busquem imunização junto à rede pública de saúde. Até porque o Programa Nacional de Imunização brasileiro, que foi implantado nos anos 1960, é reconhecido como um dos mais eficientes do mundo.
E enquanto não tem vacina para a Covid-19?
Até que surja uma imunização eficiente, segura e acessível a todos, as recomendações para evitar o contágio pelo novo coronavírus são aquelas que não custa repetir: manter as mãos sempre muito bem higienizadas, com água e sabão ou álcool 70; evitar aglomerações; usar máscara de tecido em ambientes coletivos; manter distância de segurança das outras pessoas; respeitar o distanciamento social dentro das normas de seu município; e, sempre que possível, ficar em casa.
Tem alguma dúvida sobre a Covid-19? Quer comentar algo sobre este post? Escreva pra gente: verifica@ifsc.edu.br.