Quando tivermos vacina, não teremos mais pandemia?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 out 2020 13:45 Data de Atualização: 20 mai 2024 15:51

A expectativa é grande e as perspectivas, promissoras: universidades, empresas, institutos de pesquisa e laboratórios farmacêuticos de todo o planeta concentram esforços em busca de um método eficiente de imunização contra o coronavírus Sars-Cov-2, patógeno responsável pela atual pandemia da nova doença chamada de Covid-19.

Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizados em 19 de outubro mostram que há, no momento, 44 vacinas em testes clínicos. Destas, dez já estão na terceira fase dos testes, que é a última antes da aprovação para uso pelos sistemas de saúde.

Em função dos resultados já observados, a expectativa da OMS é que haja vacinas aprovadas para aplicação na população até o final deste ano. Considerado o tempo necessário para produção em escala, distribuição e organização dos sistemas de saúde, a previsão é que as aplicações comecem a ser feitas em meados de 2021.

Quer dizer, então, que dentro de alguns meses vai estar tudo resolvido com a vacina? Muita calma nessa hora, porque não é assim que a coisa funciona. Sucintamente, a existência da vacina não vai acabar com a existência do vírus.

Neste post, a gente vai explicar:

- Que perguntas ainda precisam ser respondidas em relação às maneiras como o sistema imunológico reage ao vírus, e o que isso tem a ver com o desenvolvimento da vacina;
- Por que a obtenção da vacina não significa, necessariamente, o fim da pandemia;
- Por que a vacinação é o melhor jeito de prevenir doenças graves.

Vacina contra a Covid-19: em que pé estamos?

Como já dissemos, existem atualmente 44 vacinas em estágios mais avançados de testes, e, entre estas, dez já estão na última etapa dos testes clínicos e são, portanto, as mais promissoras. Duas desse grupo têm testes sendo realizados no Brasil: uma chamada de Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac e testada, aqui, pelo Instituto Butantan. A outra, da Universidade de Oxford com a empresa anglo-sueca Astra Zeneca, tem parceria no Brasil com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Já explicamos num post anterior que o primeiro passo para desenvolver uma vacina é conhecer bem o micro-organismo contra o qual se está buscando a proteção. E faz menos de um ano que a humanidade se deparou com o chamado Sars-Cov-2, que é parecido com outros coronavírus, mas tem suas especificidades – tanto é assim, que ele provoca uma doença totalmente nova.

Se levarmos em conta o tempo entre o surgimento do novo coronavírus e o estágio atual das pesquisas, é possível dizer que esse trabalho de desvendamento do coronavírus de olho na obtenção de uma vacina vem sendo desenvolvido de forma muito rápida, na opinião do infectologista Paulo Henrique Matayoshi Calixto, professor do Câmpus Lages do IFSC. “Todo o conhecimento que a gente tem sobre o novo coronavírus é de dez meses de pesquisas”, analisa. Ele reconhece que nesse tempo houve muitos avanços, como o sequenciamento do genoma do vírus, a identificação das proteínas de superfície que atuam como receptores, entre muitos outros aspectos que estão relacionados à forma como o vírus infecta as células humanas. “Mas, ao mesmo tempo, a gente ainda não conhece bem a interação desse vírus com o hospedeiro. Porque uma coisa é fazer testes in vitro, testes em laboratório utilizando células isoladas. Quando a gente traz essa análise para um organismo, a história muda bastante”, salienta. E isso impacta diretamente na obtenção de uma vacina eficaz.


Também docente no Câmpus Lages, onde atua na área da imunologia, a farmacêutica bioquímica Rosane Schenkel de Aquino considera que experiências anteriores com pesquisas sobre outros patógenos contribuem para o andamento das pesquisas com o Sars-Cov-2. “Não tenho como dizer que a gente sabe tudo sobre ele, mas eu diria que a gente teve um avanço muito grande, porque muitos pesquisadores estão voltados a ele”, afirma. Com isso, os avanços tecnológicos de outras pesquisas contribuem para a celeridade dos estudos com o novo vírus, assim como a experiência com outras vacinas também mostra caminhos para o desenvolvimento da nova.

Porém, algumas questões ainda precisam ser desvendadas para que se entenda, mais claramente, os efeitos que o novo coronavírus desencadeia na resposta imunológica do organismo. “É uma incógnita, porque a gente ainda não sabe como vai ser o grau de proteção. As vacinas que estão tendo testadas aqui no Brasil, tanto a chinesa quanto a de Oxford, são vacinas que têm um percentual de imunogenicidade muito grande, entre 95 e 98%. Elas geram os anticorpos. O que a gente não sabe é se esses anticorpos são suficientes para a eliminação do vírus”, explica o professor Paulo Calixto.

Sistema imunológico, o grande mistério

O principal nó que os cientistas do mundo inteiro estão tentando desatar envolve entender como o sistema imune das pessoas reage ao novo coronavírus. Já se sabe que os infectados desenvolvem resposta imune – ou seja, suas células de defesa entram em ação quando identificam o invasor e atuam para eliminá-lo. O problema é que não está claro o quão forte é essa resposta imunológica, assim como o tempo que ela perdura após a infecção. 

Neste vídeo (em inglês), dois diretores da área de epidemiologia da OMS reconhecem que a compreensão desse processo é importante para que se chegue na melhor vacina. De acordo com a líder técnica de resposta à Covid-19 na entidade, Maria Van Kehrhove, o tipo de resposta imunológica pode variar, dependendo de condições pré-existentes, do quadro do paciente, entre outros aspectos. Já se sabe, segundo ela, que o nível de imunidade diminui gradualmente após a cura da doença, mas não se tem clareza sobre o tempo em que isso ocorre – há diferentes estudos com resultados diversos. Sabe-se, porém, que a imunidade não perdura para sempre, da mesma forma como em outros coronavírus. “O que nós precisamos entender sobre esse coronavírus especificamente é quanto tempo a imunidade vai durar, e, se ela vai necessariamente diminuir, quando isso vai acontecer e o que isso significa”, sublinha.

Como a vacinação implica uma “simulação” de ataque do organismo pelo agente patógeno, entender como o sistema imunológico funciona numa infecção real é essencial para que se possa também chegar na melhor forma de imunização por meio da vacina. Se não está claro quanto tempo a imunidade do corpo permanece ativa após a infecção, não é possível saber com certeza quanto tempo a vacina irá durar. É por isso que os parâmetros de vacinação são diferentes entre várias doenças, como sarampo, febre amarela, gripe, entre tantas outras – algumas demandam imunização anual, outras, a cada cinco ou dez anos. E compreender como o sistema de defesa funciona envolve também a possibilidade de uma mesma pessoa contrair a doença mais de uma vez.

“Mesmo que você possa se infectar novamente, a questão é sobre a severidade dessa segunda infecção. Ou seja, sua primeira infecção pode dar alguma vantagem para a resposta do sistema imunológico, deixando a segunda menos severa, ou pode ser como a dengue, que é mais severa em casos de reinfecção. Com a Covid-19 isso ainda não está claro. Temos hoje muitos estudos que estão acompanhando pessoas que têm segunda infecção, para realmente determinar se ela é igual, pior ou mais branda”, explica o diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, Mike Ryan.

É importante reforçar a importância da vacinação como método de prevenção. Toda vacina que está no mercado é segura e a porcentagem de reação adversa costuma ser insignificante. Paulo Henrique Matayoshi Calixto, professor do Câmpus Lages.

Se ainda há muitas questões a responder, a vacina aguardada para os próximos meses vai funcionar?

Os professores Paulo Calixto e Rosane Aquino concordam que a vacinação deverá ser segura, já que os protocolos de segurança impedem a liberação de substâncias que representem algum risco. Porém, o tempo de desenvolvimento da vacina contra o Sars-Cov-2 será recorde. Até hoje, a vacina contra a caxumba foi a que envolveu menos tempo de pesquisas: quatro anos. “O tempo médio é de dez anos para que uma vacina chegue ao mercado. E estamos falando de 12 meses para colocar a vacina no mercado. Muito provavelmente, a gente vai vacinar uma parte da população, e essa vacinação em massa é que vai ser o teste de eficácia dessa vacina”, analisa Paulo.

Na análise de Rosane, a liberação da vacinação para a população não vai significar conclusão das pesquisas. Pelo contrário. Todas as informações sobre a duração da imunização serão obtidas com os dados epidemiológicos que serão coletados no acompanhamento à população imunizada. "Esse encurtamento do prazo [para o desenvolvimento da vacina] faz com que a própria campanha de vacinação sirva de dado epidemiológico. Mesmo chegando na vacina, ainda tem muita pesquisa pela frente”, antecipa a professora.

O vírus não vai deixar de existir, sumir. O nosso sistema imunológico vai estar pronto para combatê-lo, mas ele vai continuar circulando. Então a vacina vai nos proteger. Rosane Schenkel de Aquino, professora do Câmpus Lages

Além disso, os professores ressaltam que a capacidade de mutação do coronavírus pode significar necessidade de frequentes atualizações da vacina e necessidade de vacinações periódicas – como já é o caso da imunização contra a gripe, provocada pelo vírus influenza, que deve ser repetida anualmente. “A gente sabe que esse coronavírus é um vírus mutante, talvez não com a mesma velocidade do influenza, mas ele tem uma velocidade de mutação que é maior do que a de outros vírus”, diz Rosane. Ou seja, qualquer que seja a vacina disponível ainda em 2020 ou em 2021, ela certamente ainda precisará ser incrementada e adaptada às variações que o vírus poderá desenvolver.

Isso quer dizer, então, que a vacina não vai exterminar o novo coronavírus?

É preciso ficar claro: a vacinação poderá, sim, apaziguar a pandemia, na medida em que irá aumentar a imunidade das pessoas e, com isso, reduzir os índices de contágio. Mas a vacinação não vai extinguir o vírus. Tome-se o caso, por exemplo, de doenças que foram praticamente erradicadas com a vacinação em massa, como o sarampo. O fato de grande parte das pessoas estarem imunizadas não significa que o vírus desapareceu. Ele continuava em circulação, a ponto de encontrar espaço para provocar novos surtos da doença (como o que ocorreu no Brasil, em 2019) quando houve baixa nos índices de vacinação.

“O vírus não vai deixar de existir, sumir. O nosso sistema imunológico vai estar pronto para combatê-lo, mas ele vai continuar circulando. Uma vez circulando, a não ser que ele vá sofrendo mutação e vá perdendo essa capacidade de infectar os seres humanos, ele vai continuar por aí. Então a vacina vai nos proteger”, sintetiza a professora Rosane Aquino.

Se a vacina não significa acabar com o vírus, por que devo me vacinar?

Os vírus e outros agentes infecciosos não desaparecem, simplesmente. O que ocorre é que, com a imunização da população, eles encontram menos oportunidade para provocar infecções – e, em decorrência, surtos ou epidemias. De acordo com a OMS, a imunização por meio da vacinação evita, anualmente, entre 2 e 3 milhões de mortes por doenças infecciosas como difteria, sarampo, tétano, coqueluche, gripe e sarampo. 

No caso específico da aguardada vacina contra a Covid-19, os professores Paulo Calixto e Rosane Aquino sustentam que, mesmo com as questões ainda em aberto em relação ao tempo e grau de imunização, receber a vacina será a melhor forma de prevenção e controle da doença. “É importante reforçar a importância da vacinação como método de prevenção. Toda vacina que está no mercado é segura e a porcentagem de reação adversa costuma ser insignificante”, destaca Paulo. E imunizar-se pode ser visto, também, como uma responsabilidade social, como observa Rosane, já que pandemias como a atual provocam um impacto muito grande no sistema de saúde pública. “A gente tem uma tendência a pensar muito individual, mas é preciso considerar o ganho social que vem com a vacina”, sinaliza.

Quer saber mais sobre o que abordamos neste post?

-> Tire dúvidas sobre vacinas no site da Fiocruz
-> Conheça a página sobre vacinas e imunização da Organização Mundial da Saúde (em inglês)
-> Acompanhe informações atualizadas sobre o desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 (em inglês)

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