IFSC VERIFICA Data de Publicação: 26 jul 2022 09:23 Data de Atualização: 20 mai 2024 17:45
Ao comprar um alimento no mercado, você observa o prazo de validade? E mais: em casa, quando nota que um produto já está vencido, é daqueles que já descarta ou que acha que não tem problema consumir? Existe toda uma ciência por trás do prazo de validade dos alimentos e por isso é importante respeitá-lo.
O prazo de validade é o intervalo de tempo no qual o alimento permanece seguro e adequado para consumo, desde que armazenado de acordo com as condições estabelecidas pelo fabricante. Seguindo a legislação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), todos os alimentos devem conter uma data de validade. A responsabilidade de indicar a validade e de manter a qualidade do alimento sempre é do fabricante.
Neste post do IFSC Verifica, conversamos com a farmacêutica bioquímica Roberta Garcia Barbosa, docente da área de processamento de alimentos do Câmpus São Miguel do Oeste do IFSC, e com a nossa egressa do curso superior de tecnologia em Alimentos e técnica de laboratório do eixo de produção alimentícia do Câmpus Canoinhas, Daiana Alves Machado, para esclarecer os seguintes pontos:
- Como se estabelece o prazo de validade dos alimentos?
- Quem é responsável pela indicação do prazo de validade?
- Quais os fatores que influenciam o prazo de validade de um alimento?
- Por que não é recomendável consumir alimentos vencidos?
Como é estabelecido o prazo de validade de um alimento?
Para entender este processo, primeiro é importante ter claro o conceito de vida útil, que é o período de tempo durante o qual as características sensoriais e de desempenho do produto atendem as especificações do fabricante. “O produto é consumível ou utilizável durante este período, desde que sejam cumpridas as condições de armazenamento recomendadas'', explica a professora Roberta. É justamente para garantir a vida útil de um alimento que se fazem estudos relacionados às suas características sanitárias, nutricionais e sensoriais e, a partir disso, se define seu prazo de validade.
O estabelecimento do prazo de validade envolve três avaliações: uma relacionada à segurança, outra que trata da qualidade nutricional e, por fim, análises sensoriais. “A primeira avaliação requerida é quanto às análises que garantem que o alimento permanece seguro neste prazo, não causando infecções e intoxicações alimentares, devendo o fabricante realizar análises de substâncias tóxicas e/ou presença de microrganismos patogênicos”, informa a professora do IFSC. Tanto os microrganismos patogênicos, que causam doenças ao consumidor, quanto os deteriorantes, que estragam a aparência do alimento, devem atender aos limites estipulados pela legislação nacional.
A segunda avaliação é a de qualidade nutricional, ainda mais relevante em alguns alimentos como fórmulas para lactentes, suplementos alimentares ou alimentos com fins nutricionais. “Nestes tipos de produtos não podem ocorrer perdas significativas de nenhum nutriente ou componente ao longo da vida útil do alimento”, destaca Roberta.
Por último, são feitas as análises sensoriais, onde o alimento é avaliado em relação a suas características de sabor, aroma, odor, cor etc. “Estas alterações, em muitos casos, limitam a vida útil, devendo ser então realizados os testes que garantam a manutenção das características sensoriais dos alimentos”, detalha Roberta.
O prazo de validade pode ser determinado por meio de avaliações técnicas, estudos de estabilidade e laudos de ensaios laboratoriais utilizando métodos diretos ou indiretos. “Os métodos diretos, como estudos de estabilidade e testes de desafio, utilizam condições reais de armazenamento, sendo mais precisos, mas demoram mais tempo. Os métodos indiretos, como teste de estabilidade acelerada, são mais rápidos, porém são menos precisos, podendo haver a necessidade de ajustes na validade do alimento quando já estiver ocorrendo a comercialização”, explica a técnica de laboratório do IFSC e tecnóloga em Alimentos, Daiana Alves Machado.
Segundo Daiana, antes de iniciar qualquer método de determinação da validade ou da segurança microbiológica do produto, é necessário assegurar que o processamento mantenha as mesmas características do produto em todos os lotes produzidos. “Para isso, é imprescindível padronizar as operações realizadas na produção do alimento, através da implementação das Boas Práticas de Fabricação (BPF), dos Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs) e do sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC)”, ressalta.
Para auxiliar na determinação da vida útil dos alimentos, a Anvisa publicou um guia para determinação de prazos de validade de alimentos (nº 16/2018). Este documento traz orientações que as empresas podem utilizar para nortear a determinação da vida útil dos alimentos.
-> Acesse aqui o Guia da Anvisa
Todos os alimentos têm prazo de validade?
Nem todos os alimentos têm uma data de validade. A resolução nº 259/2002 da Anvisa traz uma lista daqueles que estão dispensados de declarar essa informação no rótulo. Não é exigida a indicação do prazo de validade para:
- frutas e hortaliças frescas, incluídas as batatas não descascadas, cortadas ou tratadas de outra forma análoga;
- vinhos, vinhos licorosos, vinhos espumantes, vinhos aromatizados, vinhos de frutas e vinhos espumantes de frutas;
- bebidas alcoólicas que contenham 10% (v/v) ou mais de álcool;
- produtos de panificação e confeitaria que, pela natureza de conteúdo, sejam em geral consumidos dentro de 24 horas seguintes à sua fabricação;
- vinagre;
- açúcar sólido;
- produtos de confeitaria à base de açúcar, aromatizados e ou coloridos, tais como: balas, caramelos, confeitos, pastilhas e similares;
- goma de mascar;
- sal de qualidade alimentar (não se aplica para sal enriquecido).
Uma portaria da Anvisa também dispensa a obrigatoriedade da indicação do prazo de validade em vegetais frescos embalados. Em todos esses casos, mesmo sem a obrigatoriedade, se o produtor ou a empresa pode indicar a validade. O prazo de validade deve ser indicado antes do produto ser adquirido para consumo.
Quem é responsável pela indicação do prazo de validade?
No Brasil, não existe uma legislação que define ou oriente qual o prazo ideal para considerar o alimento seguro para consumo, sendo as indústrias responsáveis pela determinação da vida útil dos alimentos. Cabe à empresa ou pessoa fabricante garantir a qualidade dos alimentos comercializados, ou seja, entregar aos consumidores alimentos em condições sanitárias e sensoriais ideais de consumo dentro do prazo estipulado na embalagem. A técnica em laboratório do IFSC destaca que o responsável técnico da empresa é o profissional que irá garantir a veracidade da informação fornecida no rótulo do produto.
Dentro das empresas, normalmente existe uma equipe técnica denominada Pesquisa & Desenvolvimento. “Esta equipe pode ser composta por engenheiros químicos, engenheiros de alimentos, tecnólogos de alimentos, farmacêuticos e outros profissionais de áreas afins que trabalham em conjunto para realização dos testes de vida útil dos alimentos”, explica a professora Roberta. Nestes cursos citados, os alunos aprendem técnicas de desenvolvimento de produtos e as análises necessárias para garantir a qualidade dos alimentos.
Mesmo os pequenos produtores também devem indicar o prazo de validade em seus rótulos seguindo as normas da Anvisa. Segundo Roberta, para conseguir indicar de maneira satisfatória a validade de seus alimentos, muitas vezes os pequenos produtores e pequenas indústrias utilizam como modelo alguns produtos similares encontrados no mercado. Dessa forma, podem ter uma ideia das validades já praticadas no comércio dos mesmos alimentos, e, após isso, reproduzem essa validade com os alimentos elaborados em sua empresa, avaliando as características sensoriais dos produtos até o limite de vida útil testado.
No entanto, a professora destaca que, mesmo que dois produtos pareçam semelhantes, seus prazos de validade podem ser bastante diferentes. “Portanto, não é seguro extrapolar o prazo de validade de um alimento para outro, sendo necessário conhecer o processo de produção e entender os fatores que irão influenciar suas características de armazenamento antes de se estabelecer o prazo de validade apropriado para cada alimento”, ressalta.
Se o produtor é responsável por indicar o prazo de validade, o consumidor também deve se atentar às condições especiais para a conservação contidas nos rótulos dos alimentos. Daiana explica que a validade também sofre alterações quando o produto é aberto para consumo. “Portanto, o consumidor deve estar atento a recomendação do rótulo quanto ao prazo de consumo do produto depois de aberto, além das condições de armazenamento que também podem sofrer alterações”, ressalta a técnica em laboratório do IFSC.
Quais os fatores que influenciam o prazo de validade de um alimento?
Muitos fatores podem afetar o prazo de validade de um alimento. Eles podem ser intrínsecos, quando se relaciona ao próprio alimento - como umidade e pH ( que indica a acidez ou basicidade de uma solução) - e extrínsecos, quando são externos ao produto - como condições de embalagem e de armazenamento. “Quando entendemos a influência de cada um desses fatores, é possível adotar medidas para prolongar a validade do alimento ou, por outro lado, conhecer as alterações da composição, formulação e processamento que podem tornar os alimentos mais suscetíveis à deterioração ou mesmo ao crescimento de microrganismos patogênicos”, explica Roberta.
As condições de armazenamento - como temperatura, luminosidade e umidade - influenciam os alimentos durante a distribuição, armazenamento, exibição no varejo e armazenamento pelo consumidor, podendo favorecer a deterioração e, portanto, reduzir o prazo de validade. Se a temperatura de conservação indicada no rótulo for descumprida em um supermercado que desliga seus equipamentos de frio durante a noite, por exemplo, possivelmente a vida útil do alimento será afetada, não apenas com riscos sanitários ao consumidor, mas também com alterações sensoriais no produto. “A manutenção das condições necessárias para garantir a segurança do produto é essencial em toda a cadeia produtiva, incluindo os pontos de venda, como supermercados, e o armazenamento pelo consumidor”, destaca a técnica de laboratório do IFSC Daiana.
Como o prazo é dado pela empresa fabricante, a data de validade independe do local de fabricação. “Porém sempre devemos observar que, dependendo da região que o produto será comercializado, a data de validade pode diminuir para determinados alimentos”, alerta a professora Roberta. “Por exemplo, quando comercializamos alimentos mais susceptíveis ao calor e iremos comercializar em regiões quentes como o norte e nordeste do país, uma atenção especial deve ser dada para definição desta data pela empresa”, explica a docente.
Por que não é recomendável consumir alimentos vencidos?
Todos os alimentos devem ser consumidos dentro do prazo de validade. “Fora desse período, não existiu nenhum teste ou análise prévia do produto desenvolvido que garanta sua qualidade”, destaca a professora Roberta. Dessa forma, tanto o prazo de validade quanto a indicação de conservação caseira devem ser respeitados.
Roberta explica que o risco de consumir um alimento vencido depende das características do próprio alimento. “Alguns alimentos que possuem alta umidade e alto valor de pH, como os embutidos cárneos, podem desenvolver níveis de contaminação de bactérias patogênicas elevados após a data de validade, podendo causar sintomas simples como dor de cabeça, indisposição, mas ainda diarreia, vômito e podem, dependendo da imunidade da pessoa que irá consumir, até mesmo evoluir para a morte”, alerta.
E se você é daqueles que acredita que não tem problema consumir um produto caso tenha passado poucos dias do prazo de validade, as especialistas do IFSC reforçam que isso não é recomendável. “No momento em que consumimos algo fora deste prazo, mesmo que o alimento tenha baixo risco de contaminação e esteja com boa aparência, estamos assumindo o risco de encontrar um produto sem qualidade, independente dos dias a mais em que foram ultrapassados o prazo estabelecido no rótulo”, explica Roberta.
Segundo a técnica de laboratório do IFSC, os alimentos vencidos estão mais propensos à ação de fungos e bactérias, que podem se desenvolver sem ocasionar alterações perceptíveis, além de substâncias dos próprios alimentos que começam a se modificar, causando intoxicações e infecções. “Por isso, não devemos consumir um produto considerando apenas as suas características visuais e/ou perceptivas, pois apesar de parecer inofensivo, o alimento vencido pode estar contaminado por patógenos como Escherichia coli e Salmonella spp”, orienta Daiana.
Além disso, alimentos vencidos podem causar intoxicação alimentar, cujos sintomas mais comuns são dor abdominal, vômito, febre, calafrio, diarreia e até a morte. “A intensidade e variedade dos sintomas resultam de fatores como tipo de alimento, quantidade, tempo de vencimento etc.”, explica a técnica de laboratório.
Mesmo quando um alimento é congelado é preciso ficar atento ao prazo de validade. Por exemplo, você comprou um pacote de queijo e colocou direto no congelador. Será que pode consumi-lo mesmo depois que o prazo estiver vencido considerando que ele estava congelado? A técnica do IFSC explica que não é possível garantir a qualidade do alimento após seu vencimento, mesmo que tenha sido congelado. “Não existe uma legislação específica e muitas variáveis podem influenciar o ‘novo’ prazo de validade”, ressalta.
No caso do queijo, por exemplo, a validade que consta na embalagem foi baseada considerando o produto refrigerado e em sua embalagem original. Segundo Daiana, não se pode indicar um período preciso de validade prolongada e nem se o produto estará em condições seguras de consumo porque não se pode ter certeza das condições de transporte, armazenamento, manipulação etc. “O produto pode ter sofrido variação de temperatura, ter sido exposto ao ar ambiente e outras superfícies, embalagem diferente, entre outras situações que podem gerar uma contaminação, além de que o próprio consumidor pode acabar contaminando o produto em casa, sem nem saber”, afirma a técnica do IFSC.
Além disso, o produto que não é originalmente congelado normalmente perde algumas características físicas e sensoriais durante o congelamento. “Como a validade depende de estudos e testes específicos para aquelas condições do produto, quando alteramos essas condições, a validade estabelecida pelo fabricante já não é precisa”, complementa.
Como proceder ao encontrar ou comprar um produto com prazo de validade vencido?
Caso você encontre algum produto vencido em algum estabelecimento comercial, você pode denunciar ao Procon ou à Vigilância Sanitária do seu município. Em Santa Catarina, a lei estadual nº 17.132/2017 garante que os supermercados devem fornecer outro produto ao consumidor que constatar a existência de produto exposto à venda com prazo de validade vencido. Outros estados e municípios também podem ter legislações específicas sobre isso.
-> Acesse o Código de Defesa do Consumidor
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