A ciência anda na defensiva. E o que todos nós temos a ver com isso?

BLOG DO IFSC Data de Publicação: 20 mai 2020 12:02 Data de Atualização: 24 jan 2023 11:31

Recentemente no Brasil a gente tem ouvido muito falar sobre a necessidade de valorizar o trabalho dos cientistas e também a respeito das dificuldades causadas pela falta de investimento em pesquisas. Ao mesmo tempo, há uma expectativa muito grande em torno da produção de uma vacina para o novo coronavírus – o que só cientistas podem fazer. E as principais orientações e explicações sobre a Covid-19 repassadas por médicos, profissionais da saúde em geral e divulgadas nos meios de comunicação têm, necessariamente, respaldo científico. Sem esse respaldo, não são confiáveis.

Mas se o trabalho dos cientistas é tão importante para a sociedade, por que é que eles não são valorizados como deveriam?

Te perguntamos mais: como é que nos dias de hoje ainda tem gente que diz que não acredita na ciência? Ou que confunde informação científica com opinião? 

Imagem com a frase "A ciência não está nem aí pra sua opinião"

Sobre isso, inclusive, teve uma live muito bacana com os professores Marcelo Schappo, do Câmpus São José, Bruno Menezes Galindro, do Câmpus Gaspar, e Fernando Scheefer, da Udesc. Vale a pena conferir a gravação.

São tantas contradições e ataques que os próprios cientistas vêm se organizando para reagir e afirmar a importância do seu trabalho. Quem acompanha as mídias sociais deve ter visto a mobilização da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no início de maio, que promoveu várias discussões e fez as hashtags #paCTopelavida e #MarchaVirtualpelaCiencia chegarem aos trending topics do Twitter.

A ciência está em todo o lugar

É possível entender esse movimento como uma preocupação em mostrar a importância da atuação dos cientistas na sociedade, que muitas vezes passa despercebida. Pode ser meio difícil enxergar as descobertas científicas no cotidiano, mas pode acreditar, a ciência está presente na maior parte dos nossos pequenos confortos da modernidade: no nosso chuveiro elétrico, no smartphone onde você provavelmente está lendo este textão, até na panela de pressão onde sua avó faz aquele feijão que só ela sabe. Sim, querido e querida, tem ciência na panela de pressão.

E isso acontece porque o próprio entendimento geral sobre o que é ciência é meio distorcido. Veja só: embora a maior parte dos brasileiros afirme confiar na ciência (73%), um percentual ainda maior (88%) não sabe identificar onde é que se produz ciência no Brasil. Os dados são da pesquisa feita em 2019 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Ou seja, as pessoas em geral afirmam confiar em uma instituição social genérica – “a ciência” – mas têm tão pouca familiaridade com ela, que sequer conseguem identificar onde essa instituição se situa. Nem das universidades e institutos federais essa maioria conseguiu lembrar. 

A imagem que se tem dos cientistas, ou seja, das pessoas que produzem ciência, também aparece de forma um pouco distorcida. É uma imagem positiva, mas que se associa com algum tipo de superioridade intelectual ou condição especial. A maioria das pessoas ouvidas na pesquisa do CGEE define o cientista como alguém diferentão, muito inteligente, que faz coisas úteis para a humanidade. 

Pensou no Albert Einstein com essa ideia? Nós também!

Mas a ciência não é feita só por Einsteins, Newtons ou Maries Curies. Ela é feita pelo seu professor de Análises Clínicas, pela professora de Sociologia, pelo técnico-administrativo que acabou de concluir o mestrado em Educação Profissional e Tecnológica. Os próprios alunos começam a fazer ciência quando se envolvem em projetos de pesquisa junto com seus professores, por exemplo. Vocês sabiam que, no ano passado, um experimento do IFSC, inclusive, foi parar no espaço? Leia aqui essa história.

A ciência também não é só Física, Química ou Matemática. Ela é um tipo de conhecimento entre tantos outros que existem. Por exemplo, o senso comum também é uma forma de conhecimento, assim como a Filosofia, a religião e a arte.

Forma de conhecimento

Uma forma de conhecimento, como assim? Uma maneira de entender a realidade imediata, a realidade do aqui e agora.

Então, a peculiaridade da ciência que a torna diferente dos demais tipos de conhecimento – ou seja, a maneira característica que a ciência tem para entender a realidade – é o método científico. Esse é o grande pulo do gato.

Além disso, a ciência tem outro diferencial muito importante. Toda descoberta científica é uma construção da coletividade dos cientistas. Mesmo que um cientista, ou um laboratório específico, faça uma descoberta ou avanço importante em sua área, essa descoberta ou avanço só vão passar a valer de verdade quando forem validados por seus pares - ou seja, pela comunidade científica. Isso ocorre com a publicação em revistas científicas e a apresentação em congressos, por exemplo. Nenhum cientista trabalha sozinho nem “decreta” por sua própria conta a validade das suas descobertas. É assim que a ciência progride!

Senta que lá vem história

Parece que os conhecimentos sempre foram assim separadinhos cada um no seu quadrado – a ciência aqui, dentro das universidades e instituições de pesquisa, a religião nas igrejas, templos e demais solos sagrados, a Filosofia nos seus departamentos específicos da universidade (muitas vezes junto com a religião), o senso comum na vida cotidiana, a arte nos seus espaços apropriados e transgressores. Mas na verdade essa organização do conhecimento, com sua divisão em territórios demarcados – muitas vezes incomunicáveis – tem uma história muito fascinante.

Até a chamada Idade Média, a igreja era a maior autoridade e qualquer pensamento não teológico, não ligado ao Deus ou à fé cristã, era silenciado (vale lembrar que estamos falando da Europa ocidental e suas colônias, ok?). Conhecia-se muito pouco do mundo, e esse pouco era todo misturado e impreciso. Com o Renascimento, porém, houve um resgate de valores culturais da antiga Grécia, que era mais aberta, e teve início um caminho de transformações que levam à chamada Idade Moderna. Pense em nomes formidáveis como Leonardo da Vinci, que foi autor de algumas das obras de arte mais admiradas do mundo, mas também se aventurou como exímio inventor, botânico, escultor, escritor e portador das mais variadas competências. Ele é possivelmente o melhor exemplo de expressão renascentista.

Nesse terreno fértil, os canteiros da arte, da filosofia e da ciência ainda não estavam demarcados. Os primeiros grandes pensadores foram um misto de filósofos e cientistas. A partir do pensamento desses filósofos, começaram-se a separar as diferentes áreas do conhecimento por meio do desenvolvimento do método científico. A institucionalização das ciências só ocorreu mesmo no século 19. O termo scientist surgiu por volta de 1840, na Inglaterra, e isso pode ser considerado um marco na profissionalização da ciência. Surgia o cientista que conhecemos hoje. E isso não faz nem dois séculos. Dá pra dizer que a ciência profissional é muito recente, se comparar, por exemplo, com as religiões, que são milenares.

O método científico segue determinados passos com rigor e chega a conclusões gerais a respeito dos fenômenos e, repetimos, é ele que torna a ciência diferente dos outros tipos de conhecimento. Pode ser o rigor do método que torna muitas vezes difícil que uma pessoa que não é cientista ou especialista em determinada área compreenda a informação científica. Por exemplo, o famoso naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882) desenvolveu uma enormidade de estudos para formular sua teoria da evolução, que ele explicou no livro “A origem das espécies” em 1859. Isso, na época, afrontou a versão de que a vida teria se originado na forma descrita nos textos bíblicos. E até hoje há quem diga que o criacionismo é uma teoria válida para se considerar em termos concretos, e não simbólicos ou alegóricos. Porém, ela nunca foi comprovada cientificamente.

Quem pode ser um cientista?

Mas voltando ao que estávamos comentando antes: se a ciência não é só feita por Einsteins, se ela pode existir dentro do meu câmpus, na minha pesquisa de Iniciação Científica, no meu TCC, isso significa que qualquer um pode ser um cientista?

Basicamente, sim, qualquer pesquisador que desenvolva um estudo que contribua para aumentar o conhecimento dentro de sua área pode se entender como cientista. E é por isso que cada um de nós que está dentro dos institutos federais, das universidades e de qualquer instituição que trabalhe com conhecimento, podemos fazer a diferença e ajudar a mudar o cenário da crise de legitimidade pela qual a ciência está passando, ajudando a consolidá-la como forma de conhecimento legítimo sobre o mundo e instituição social de vital importância para a sociedade. Engajar-se em entidades de apoio à ciência, participar de eventos e mobilizações, compartilhar informações confiáveis e combater a desinformação são algumas das atitudes que estão ao nosso alcance. Vamos lá?

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Pra terminar, um recadinho:

Combater a desinformação por meio da divulgação de informação científica confiável e de qualidade é uma das melhores formas de contribuir para uma retomada de fôlego da valorização da ciência enquanto instituição de interesse público. (Aliás, vocês chegaram a ler o post que escrevemos sobre desinformação e fake news?)

Nesta época de pandemia, entendemos que o IFSC, com seu corpo de pesquisadores de diversas áreas, tem muito a contribuir. É por isso que vamos lançar na próxima semana um um projeto para responder às principais questões que envolvem a pandemia, tendo os pesquisadores da instituição como fontes de informação científica. Fiquem ligados nas nossas mídias sociais para saber mais! #vemnovidadeporai

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