Como funciona o trabalho de um tradutor-intérprete de Libras?

BLOG DO IFSC Data de Publicação: 28 jul 2021 10:06 Data de Atualização: 16 mai 2024 16:00

Desde que muitas lives passaram a ser feitas por causa da pandemia, tornou-se comum também vermos na tela um profissional fazendo gestos: são os tradutores-intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras). A profissão vem se destacando e tem até uma data comemorativa que é 26 de julho, o Dia Nacional do Tradutor-Intérprete de Libras - embora também exista um dia mundial do tradutor/intérprete que é 30 de setembro (que contempla os profissionais que trabalham com a tradução e interpretação de todas as línguas, não só Libras). Esse profissional é o responsável por fazer a ponte comunicativa entre surdos e ouvintes (como são chamadas as pessoas que escutam), unindo duas línguas, o português e a Libras, que possuem estruturas muito diferentes. 

No post desta semana no Blog do IFSC, vamos conhecer um pouco sobre essa profissão. Para isso, conversamos com profissionais do nosso Câmpus Palhoça Bilíngue, que foi a primeira unidade de ensino bilíngue Libras/Português da América Latina.

Onde um tradutor-intérprete de Libras pode atuar?

Desde 2002, a Língua Brasileira de Sinais é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão no Brasil, mas somente oito anos depois, em 2010, foi regulamentada a profissão de tradutor-intérprete de Libras.

Conheça melhor a profissão de tradutor-intérprete neste vídeo que produzimos na IFSCTV:


O intérprete de Libras pode atuar em vários segmentos, como jurídico (em audiências e julgamentos, por exemplo), de saúde, artístico, em eventos e produção audiovisual, entre outros. O ambiente educacional é um dos mais importantes deles, no qual os profissionais trabalham traduzindo e interpretando aulas e conteúdos didáticos. Trabalhar com os professores na preparação das aulas, embora nem sempre ocorra, é importante. 

“Essa parceria é essencial”, diz Camila Cardoso Fernandes, que trabalha desde 2011 como tradutora-intérprete e está no Câmpus Palhoça Bilíngue do IFSC desde 2019. O professor, no entanto, é o responsável pelo conteúdo a ser repassado.    

Intérprete Camila fazendo um sinal

Para poder exercer a profissão em instituições de ensino de nível médio, é necessário ter alguma formação, seja em cursos de educação profissional (como o curso técnico que o IFSC oferece no Câmpus Palhoça Bilíngue), de extensão universitária ou de formação continuada. Já para quem quer atuar no nível superior, é necessário ter uma graduação ou pós-graduação com habilitação em Tradução e Interpretação em Libras (que também oferecemos por aqui e, inclusive, está com inscrições abertas até sexta).

-> Faça uma especialização gratuita em Tradução e Interpretação de Libras/Português no IFSC: inscrições até 30 de julho

Qual a diferença entre tradução e interpretação de Libras? 

Camila resume assim: a tradução é feita quando há um estudo ou conhecimento prévio do tema que será tratado (um roteiro de aula ou de vídeo, por exemplo). Já a interpretação é feita “ao vivo”, como no caso de eventos.

O que faz um bom tradutor-intérprete de Libras?

Para ser um bom tradutor-intérprete de Libras, algumas habilidades são importantes. Tom Min Alves, que trabalha na área desde 2008 e atua no Câmpus Palhoça Bilíngue desde 2015, destaca que esse profissional precisa ter capacidade interpretativa (para explicar metáforas ou contexto, por exemplo) e uma boa memória de curto prazo. Segundo ele, estudos indicam que há um delay de 6 segundos entre o que é falado e o que é interpretado. Também é importante ter a capacidade de resolver problemas com agilidade, na visão de Tom. 

“O desafio é resolver tudo rápido. É como um jogo”, resume ele.

Intérprete tom fazendo sinal em Libras

Além de uma exigência legal, os cursos de formação são importantes para que o tradutor-intérprete tenha base teórica e conheça mais sobre a cultura surda. No entanto, somente a prática vai ajudá-lo a desenvolver-se na profissão. “O que dá fluência é o contato com a comunidade surda”, afirma Camila Fernandes, também tradutora-intérprete do Câmpus Palhoça Bilíngue. A Libras, assim como qualquer língua, tem variações regionais e mesmo gírias muito locais. Surdos de diferentes regiões do Brasil podem usar sinais diferentes para a mesma palavra ou conceito.

Por isso, para Tom Alves, é importante que o tradutor-intérprete mantenha um “banco de dados” com os sinais que já usou para traduzir palavras e conceitos. “Cada vez mais os surdos estão estudando e aprendendo Libras e isso leva a uma maior variação linguística. A língua é viva. Você a aprende usando”, diz.

Como surge um sinal em Libras?

Algumas pessoas já devem ter visto folhetos explicando como são os sinais de cada letra do alfabeto da língua portuguesa em língua de sinais. No entanto, a Libras não se trata de português soletrado em sinais, mas possui sua própria estrutura, com sinais que traduzem palavras e conceitos.

Alfabeto de Libras

Camila Fernandes explica que há dois tipos principais de sinais. Os icônicos assemelham-se visualmente ao objeto. Por exemplo, o sinal de “casa” lembra um telhado. Já os sinais arbitrários são usados para palavras e conceitos abstratos, como amor, tristeza ou raiva.

Assim como na língua portuguesa, na Libras o vocabulário está em constante evolução. Quando uma nova palavra surge - por exemplo, “Covid-19” -, líderes da comunidade surda acabam criando um sinal para ela e, com o seu uso, acabam difundindo-o. No entanto, as variações regionais podem ocorrer e o uso de um sinal não é “obrigatório” em todo o Brasil: não há um vocabulário único da Libras, portanto. Os sinais são sempre criados pelos próprios surdos. “Eu, como ouvinte, não posso impor minha cultura sobre a deles”, explica Camila.

 

Mas e os sinais das letras do alfabeto? Eles são úteis para situações em que a pessoa quer explicar qual o seu nome em língua portuguesa ou soletrar uma palavra que é pouco conhecida entre os envolvidos na conversa. No entanto, é comum que, após fazer isso, quem está falando em Libras explique que a pessoa que tem aquele nome ou a palavra soletrada tem um sinal próprio em língua de sinais e, a partir daí, toda vez que for se referir àquela pessoa ou palavra, o falante da Libras vai usar o sinal e não mais a soletração. Na Libras, cada falante tem seu próprio sinal, criado por alguém da comunidade surda, geralmente associado a alguma característica física da pessoa.


Entenda também quando uma pessoa ganha um sinal em Libras:

Por que o tradutor-intérprete de Libras faz “careta’?

A tradução e interpretação de Libras, porém, vai além dos sinais feitos com as mãos. As expressões faciais também fazem parte dessa língua, sendo elementos fonológicos da Libras, que ajudam a explicar o contexto e complementam o sinal (dando-lhe uma conotação de intensidade, de “muito” ou “pouco”, por exemplo).

Como fazem parte da Língua, as expressões faciais também são trabalhadas e ensinadas nos cursos de formação de tradutores e intérpretes, bem como em cursos de ensino da Libras. Dentro do curso técnico do IFSC, por exemplo, tem uma disciplina de Teatro e expressão dramática.

Intérprete Camila fazendo expressão facial e corporal ao se comunicar em Libras

O tradutor-intérprete usa, portanto, mãos, braços e rosto para “falar” com os surdos, por meio de uma comunicação visual. Por esse motivo, é comum usarem camisas e calças pretas, por ser uma cor que chama pouco a atenção de quem está olhando. Essa não é uma regra, no entanto, mas um costume.

Como funciona o trabalho de um tradutor-intérprete de Libras? 

No Câmpus Palhoça Bilíngue do IFSC, os tradutores-intérpretes trabalham em duplas. Cada um interpreta, no máximo, 20 minutos. “Se for mais longo que isso, perde-se qualidade de interpretação”, explica Camila Fernandes. 

A perda de qualidade ocorre porque após aproximadamente 20 minutos de interpretação, há perda de capacidade cognitiva, ressalta Tom Alves. Por isso, o ideal é trabalhar em revezamento. Porém, a realidade da maioria dos ambientes e locais de trabalho, segundo ele, é ter apenas um tradutor-intérprete.

Embora seja uma profissão desafiadora, ser tradutor-intérprete tem, claro, suas recompensas. Para Rayssa Tavares Paris, do Câmpus Palhoça Bilíngue, o que a atividade tem de melhor é trabalhar com uma grande variedade de temas. “Não tem monotonia. Cada dia você interpreta algo diferente e tem que estar sempre em busca de informação”, comenta. Ela, que é filha de pais surdos, atua profissionalmente como tradutora-intérprete há 8 anos e no IFSC desde 2018.

Opinião parecida tem Cristine Fátima Pereira Luna, também do Câmpus Palhoça Bilíngue, para quem ser tradutora-intérprete é “uma grande aventura”. “Cada dia, cada turno é um tema diferente. Eu gosto muito”, diz. Há 19 anos na profissão e há um no IFSC, ela, que veio do Rio Grande do Sul, está estudando para compreender melhor a variedade linguística da Libras em Santa Catarina.

Como ser um tradutor-intérprete de Libras?

Para ser um tradutor-intérprete é preciso fazer um curso na área. O IFSC tem cursos para formação de tradutores-intérpretes no Câmpus Palhoça Bilíngue, tanto em nível técnico (Tradução e Interpretação de Libras) como em pós-graduação (Tradução e Interpretação de Libras/Português).

Aprenda sinais em Libras

No ano passado, lançamos uma série no nosso Instagram chamada Aprendendo Libras. 

-> Acesse os vídeos na playlist do nosso canal do YouTube e aprenda alguns sinais

Que tal começar com palavras básicas de educação para nossa convivência diária?

Legislação

Se quiser se aprofundar mais, confira abaixo algumas leis importantes para a atuação do tradutor-intérprete de Libras.

- Lei 12.319, de 1º de setembro de 2010. Regulamenta a profissão de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

- Lei 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

- Lei 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e dá outras providências.

- Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.

-> Assista a um vídeo produzido pela IFSCTV quando o decreto completou 10 anos

Ficou com mais alguma dúvida sobre a atuação e a formação do tradutor-intérprete de Libras? Mande para blog@ifsc.edu.br.

Receba nossos posts

Se quiser ver tudo o que já publicamos no Blog do IFSC, clique aqui e leia todos os nossos posts. Você também pode receber nossos posts no seu e-mail sempre que forem publicados fazendo seu cadastro aqui

BLOG DO IFSC BLOGS BLOG DO IFSC