BLOG DO IFSC Data de Publicação: 01 abr 2020 14:20 Data de Atualização: 24 jan 2023 11:47
A gente não tem nada contra as brincadeiras inocentes que geralmente se faz no dia de hoje, 1º de abril, que é conhecido em vários países ocidentais como o Dia da Mentira. Não é uma data para celebrar a mentira maldosa, e sim para brincar e pregar peças nos amigos, de forma divertida. Já faz parte da nossa cultura, não é?
Há quem diga que as piadas de 1º de abril vêm lá da França medieval. Em 1564, antes ainda da oficialização do calendário gregoriano, o imperador francês Carlos IX resolveu se antecipar e determinar que, na França, o início oficial de cada ano seria em 1º de janeiro, e não mais no final de março, como ocorria em muitos lugares. Mas algumas pessoas não assimilaram a mudança no calendário e teimavam em “iniciar” o ano no período antigo, entre 25 de março e 1º de abril. Elas viraram motivo de chacota entre as demais, e foi aí que 1º de abril virou o “dia dos tolos”. Isso logo se espalhou por vários países e o costume de pregar peças uns nos outros, também.
Aí vocês podem se perguntar: mas como que a galera acreditou nisso?
Bom, lá na Idade Média, não é muito difícil entender por que as pessoas resistiam a mudanças como a imposição de um novo calendário. A maioria esmagadora era analfabeta. A impressão de livros já havia sido inventada, mas a popularização da leitura e da escrita estava ainda muito longe de acontecer. O conhecimento que as pessoas comuns tinham do mundo era muito limitado e inacessível.
Sem querer nos achar, percebam a importância que tem a educação na vida das pessoas e da sociedade como um todo. ;)
Agora, vamos falar sério: é meio inadmissível que, no mundo de hoje, alguém acredite que um chá feito com um matinho colhido em qualquer quintal possa prevenir o coronavírus. Ou que um refrigerante produzido por uma multinacional seja adoçado com restos de material orgânico humano (a gente até se recusa a entrar em detalhes de tão absurda que é essa mentira). Ou que a viagem do homem à lua tenha sido uma encenação montada pela agência espacial americana, e que as imagens célebres não tenham passado de efeitos especiais. Ou então – essa é ótima – que o planeta Terra tenha o formato de uma pizza. UMA PIZZA!
Justo hoje, 2020, numa época em que 95% da população do planeta tem, potencialmente, acesso à internet – está em áreas com possibilidade de acesso, no mínimo, 3G. Ou seja, teoricamente, podemos dizer que as informações estão muito acessíveis para praticamente toda a população do mundo. Certo?
Teoricamente, sim. O problema é que a internet, que foi inventada por cientistas adoráveis que trabalharam em conjunto e sonhavam com a democratização do acesso à informação, trouxe, sim, essa possibilidade, mas ela não é suficiente para, sozinha, filtrar a qualidade do imenso fluxo de informação que circula todos os dias nas redes. O resultado é que, além de muita informação relevante, importante, interessante, bonita e transparente, também rola pela internet muito lixo informacional. No meio desse lixo está o que muita gente vem chamando de fake news.
Quem aí já não recebeu uma dessas via Whatsapp, não é mesmo? Aliás, este termo nem é correto e, no post de hoje, vamos te mostrar que essa tal de “fake news”pode e deveria ser chamada de outros jeitos.
O chamado fenômeno da desordem informacional é tão desafiador para a sociedade, e interfere tanto na nossa vida, que os pesquisadores da comunicação têm dado muita atenção a ele ultimamente. Tem até artigo na tradicional revista Science a respeito (um segundo para aplaudirmos os cientistas que, mais do que nunca, se mostram importantes para nossa sociedade).
A Unesco, que é o órgão das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, lançou em 2019 um material explicativo muito didático sobre desinformação, fake news e jornalismo. Eles mostram muito bem o tamanho do problema, que deixa todos nós muito vulneráveis, já que estamos muito conectados o dia inteiro, no meio de um bombardeio de informação. Mas mostram também alguns modos para as pessoas se informarem por fontes idôneas, identificando os conteúdos que não são confiáveis.
Segundo a Unesco, há uma série de conteúdos de diferentes naturezas que hoje as pessoas chamam genericamente de fake news. Isso é um problema porque vem gerando uma tendência de desacreditação do jornalismo profissional e também um uso político do termo – muitas vezes, quando alguém quer contestar uma informação correta, carimba como “fake news”.
No nosso cotidiano, estamos deixando de usar as palavras que já existiam para designar várias coisas e trocando por essa expressão: fofoca, lorota, mentira, boato, balela, mexerico, praticamente ninguém fala mais isso. Tudo virou fake news. Até o que não é notícia, no sentido jornalístico do termo, virou fake news.
Pra sugerir uma reflexão sobre isso é que a gente trouxe aqui um pouco desse conteúdo da Unesco. A ideia é qualificar nossa compreensão sobre o problema e entender melhor a distinção entre os diferentes conteúdos maliciosos a que podemos estar expostos diariamente, e principalmente reconhecer quais têm qualidade e quais são duvidosos.
Este é um post longo, mas super necessário - ainda mais neste momento. Se você utiliza o termo “fake news” ou se já recebeu ou repassou (não faça isso de novo), leia até o final.
Basicamente, vamos falar de três manifestações da desordem informacional: a desinformação, a má-informação e a informação incorreta.
Desinformação: é aquele conteúdo pensado para o mal. Trata-se de conteúdo deliberadamente produzido com a intenção de disseminar mentiras a respeito de qualquer assunto. Pode envolver conteúdo impostor, manipulado ou fabricado, ou ainda informação verídica situada em contexto falso.
Alguns exemplos bem comuns: textos com “cara” de jornalísticos, mas que divulgam informações totalmente inventadas; uso de uma foto antiga ou de outro lugar para ilustrar um determinado texto atual; uso de fotos manipuladas digitalmente de modo a favorecer ou denegrir alguém ou simular alguma situação; atribuir a autoria de um texto a alguém que não é seu verdadeiro autor (sabe aqueles textos do Veríssimo e da Clarice Lispector?); atribuir declarações inventadas a fontes (pessoas ou instituições), ou tirar declarações verídicas de contexto de modo a gerar prejuízo; imitar graficamente as marcas e a linguagem de veículos jornalísticos profissionais ou instituições idôneas, para passar credibilidade na divulgação de conteúdo falso.
Infelizmente, vocês já devem ter visto algo desse tipo por aí, né? :(
Má-informação: é quando um conteúdo verdadeiro é divulgado, e o teor dessas informações prejudica as pessoas envolvidas no âmbito privado, superando o limite do interesse público. É o caso, por exemplo, do vazamento de conversas pessoais de pessoas públicas.
Informação incorreta: ocorre quando um dado ou informações errados são divulgados de forma equivocada, e isso é passível de correção.
Dá pra perceber que os tipos definidos como desinformação são os mais frequentes. Ainda mais em tempos de pandemia de coronavírus, não é?
Mas o que a gente pode fazer para estar bem informado no meio de uma avalanche de conteúdo? Como identificar o conteúdo malicioso e o conteúdo idôneo? Como evitar passar desinformação pra frente? De que forma ajudar as pessoas que não estão habituadas a lidar com as redes a lidar com isso tudo?
A gente tem algumas sugestões (que estão resumidas no vídeo e mais detalhadas logo abaixo).
1) Escolha fontes de informação idôneas:
Para se informar sobre assuntos de interesse público, priorize fontes de informação referendadas socialmente. Estamos nos referindo aos meios de comunicação tradicionais (TVs, portais de notícias, rádios, jornais impressos – se na sua cidade ainda tiver um), e também aos portais oficiais daquelas instituições que centralizam as informações de seu interesse, como órgãos públicos, conselhos profissionais, entidades de classe, instituições científicas etc. É nesses locais que a informação confiável vai estar.
Recentemente, com a pandemia do coronavírus instalada no Brasil, houve uma onda de disseminação de desinformação sobre a doença. Mas uma pesquisa do Datafolha realizada em 23 de março identificou que as pessoas estão levando mais a sério as informações divulgadas por meio da TV, jornais e rádio. Por quê? Por que o jornalismo profissional tem a atribuição social de levar as informações de interesse público para as pessoas com o máximo de clareza, fazendo a ponte entre o que explicam os cientistas, médicos, governo, e as pessoas que não são especialistas. Inclusive, desmentir os boatos sobre o vírus tem sido uma tarefa muito importante do jornalismo durante a pandemia.
2) Seja crítico:
É claro que a internet possibilitou a ampliação das vozes no ambiente da comunicação digital. Muitos comunicadores independentes tocam seus blogs, podcasts, canais de Youtube, perfis nas diferentes mídias sociais, e se tornam assim influenciadores. É super ok acompanhar aqueles que você admira. Mas pense com sua própria cabeça e seja crítico: se aquele influencer que você vem seguindo há tempo vier com uma história de que o coronavírus é só uma gripezinha, ou que não haveria problema nenhum se alguns milhares de pessoas idosas morressem no Brasil, é bom acender uma luz amarela, né?
Procure ser crítico também em relação ao que acompanha na mídia profissional. Conheça veículos tradicionais e explore o mundo da imprensa alternativa. Nada melhor que a pluralidade para formar sua própria opinião.
3) Se ligue nos detalhes dos conteúdos:
Uma coisa muito comum nesse universo da desinformação são os conteúdos tirados do contexto para causar reações de indignação ou rejeição de pessoas em evidência. Para isso, resgatam-se notícias ou vídeos antigos de determinadas situações, jogando esses conteúdos nos feeds como se fossem novos. É importante ter atenção às datas das notícias que você recebe para ver se se trata, mesmo, de conteúdo atual.
Recentemente, antes da pandemia do coronavírus estourar no Brasil, um médico super popular, que atua na TV e tem canal no Youtube – ele é um fenômeno <3 – expressou que a população deveria ficar calma em relação à covid-19. Isso, no final de janeiro. Mais de dois meses depois, o quadro é totalmente outro, e esse mesmo médico já fez mil vídeos e manifestações com orientações de cuidados, inclusive ensinando a lavar corretamente as mãos. Mas pessoas que quiseram prejudicá-lo em função de sua atuação junto à população carcerária (sem comentários) resgataram o vídeo de janeiro, para tirar sua credibilidade. Feio, né? Já está tudo resolvido e as redes sociais já removeram o conteúdo descontextualizado (denunciar também funciona!). Pelo menos serviu pra gente ter o nosso exemplo. ;)
4) Preste atenção na qualidade do texto:
Textos idôneos produzidos por comunicadores profissionais, seja na imprensa ou em canais de comunicação, são corretos, sóbrios e sem afetações. Se o texto tiver erros de ortografia, frases apelativas, chamadas absurdas e sensacionalistas, desconfie.
5) Verifique quem são as fontes do texto:
Salvo nos casos de artigos assinados, em que o autor, seja ele jornalista ou qualquer outra pessoa, expressa sua opinião a respeito de assuntos de interesse público, os textos com conteúdo informativo sempre identificam suas fontes. A informação nunca cai do céu. As fontes podem ser pessoas ligadas a instituições, ou então as instituições mais genericamente. Um texto sem fontes é muito suspeito. Desconfie!
6) Siga o caminho do conhecimento cético:
Os pesquisadores Bill Kovach e Tom Rosenstiel, veteranos jornalistas americanos e autores de vários livros sobre jornalismo, sugerem que os leitores façam algumas perguntas para verificar a qualidade da informação: A informação está completa? Se não está, o que falta? Quem ou quais são as fontes dessa informação? Por que devo acreditar nelas? Que provas são apresentadas? Como elas foram testadas e examinadas? Quais podem ser as alternativas para explicação ou compreensão do que está apresentado? Eu estou aprendendo o que preciso aprender com esta notícia? Dependendo das respostas, você poderá identificar o quanto pode confiar no que está lendo.
7) Conheça e consulte as iniciativas de verificação:
É tendência mundial a prática de checagem de informações que circulam na imprensa, nas mídias sociais e em outros canais por meio de agências especializadas e certificadas. No Brasil, são exemplos de agências especializadas a Lupa e a Aos Fatos – em ambas você pode conferir, inclusive, a verificação de várias informações sobre a pandemia de coronavírus no Brasil e no mundo. O site da Câmara dos Deputados também disponibiliza o Comprove, pelo qual os cidadãos podem enviar consultas sobre conteúdos divulgados pelas redes sociais ou sites de internet relacionados àquela casa legislativa.
Vamos parar por aqui nas dicas, já que 7 é conta de mentiroso. Esperamos ter te ajudado a entender um pouco mais sobre o fenômeno da desinformação. Mentira tem perna curta, como dizia sabiamente a sua vó. Mas também toma rasteira.
Quem chegou até aqui, esperamos ter ajudado a mudar a sua visão sobre “fake news” e até mesmo te feito entender que esta não é a melhor nomenclatura - afinal, em teoria, nenhuma notícia deveria ser falsa quando feita por veículos e profissionais sérios e com boa reputação.
Não sejam mais aquelas pessoas que compartilham textos sem checar a veracidade ou que encaminham uma mensagem no Whatsapp de forma irresponsável apenas porque corrobora a sua opinião. Aliás, se você conhece quem faz isso, envie o link deste post para essa pessoa. ;) #ficaadica
Vamos cada um fazer a sua parte. Em um mundo com excesso de informação, sejamos aqueles que contribuem para que a informação correta circule por aí.
Para produzir este post, a gente consultou:
Esta notícia do portal Brasil Escola: 01 de abril – Dia da Mentira
Esta notícia da Folha de S.Paulo: TVs e jornais lideram índice de confiança em informações sobre coronavírus, diz Datafolha
Este documento da Unesco: Jornalismo, fake news & desinformação: manual para educação e treinamento em jornalismo
Este artigo científico da USP: A interação mediada na era digital
Este artigo científico da Science (acesse a versão completa via Portal de Periódicos da Capes): The science of fake news
Este site: https://www.internetworldstats.com/
O livro “Blur: how to know what is true in the age of information overload”, de Bill Kovach e Tom Rosenstiel (Nova York/Berlim/Londres, Editora Blomsbury, 2010).
Uma atualização:
Em 30 de junho, o grupo de divulgação científica Vidya Academics, criada por alunos e docentes da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, em parceria com o Pretty Much Science, criou o Coronavírus – Manual das Fake News. Além de oferecer os conteúdos checados, a produção reuniu alguns dos elementos mais encontrados nas fake news. Semelhantemente a um check-list, o material permite que os usuários observem se o conteúdo recebido em suas redes sociais se enquadra à estrutura que as informações falsas costumam ter.
Vale muito a pena consultar aqui.
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