BLOG DO IFSC Data de Publicação: 01 nov 2022 09:19 Data de Atualização: 17 mai 2024 17:07
Logo mais, você verá muito conteúdo sobre racismo por aí. Isso porque neste mês temos o Dia da Consciência Negra em 20 de novembro. No post de hoje, aproveitando as discussões que a data provoca, voltamos mais de um século na história do Brasil para mostrar que problemas como o preconceito e o racismo não são de agora. Vamos mostrar que alguns elementos como um Censo realizado por Dom Pedro II ajudaram a reforçar o apagamento da cultura negra e como isso se mantém até hoje.
Para isso, conversamos com integrantes dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) dos câmpus Gaspar e Canoinhas, Luiz Herculano de Sousa Guilherme, Renata Waleska Pimenta e Cícero Santiago de Oliveira. Também consultamos a pesquisa do professor de história do Câmpus São Miguel do Oeste, Diego Nones Bissigo. Além dos professores, conversamos sobre o assunto com uma das coordenadoras do projeto de extensão “Centralidade Negra no IFSC” do Câmpus Chapecó, Mirian Colonna dos Santos. Vamos lá?
Censo e um projeto de sociedade
O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro e foi instituído pela Lei nº 12.519 de 10 de novembro de 2011. A data faz referência à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, morto em 1695.
Uma das principais discussões levantadas anualmente no mês de novembro envolve o racismo. Ele existe e está presente até hoje, não há dúvidas. Mas quando o racismo começou no Brasil? Responder com exatidão é difícil. Porém, os professores do IFSC com quem conversamos nos disseram que analisar o censo realizado em 1872 permite algumas observações interessantes. A contagem da população realizada por Dom Pedro II escondeu deficientes, apagou culturas, religiões e línguas, assim como minimizou a escravidão. E essa história tem tudo a ver com o racismo que vivemos hoje.
Há 150 anos, Dom Pedro II ordenou que se realizasse a contagem da população do Império. E assim foi realizado o primeiro censo brasileiro, em 1º de agosto de 1872. Nesta data, as paróquias distribuíram formulários que deveriam ser preenchidos pelos chefes de família e depois devolvidos para a tabulação das informações.
-> Em 150 anos, conheça a história que o Censo conta
Pela contagem, havia 10 milhões de habitantes (o que quase equivale à cidade de São Paulo - hoje com 12,3 milhões de pessoas). Destes, 1,5 milhão ou 15% eram escravos (número próximo a quantidade de habitantes de Porto Alegre hoje). A população brasileira da época, pelo censo, era 58% preta ou parda, 38% branca e 4% indígena. De acordo com o professor de história do Câmpus São Miguel do Oeste, Diego Nones Bissigo, o levantamento procurou mostrar um Brasil que seria unido e coeso e que estaria se modernizando.
Isto é, assumiu-se que todos falavam Português, que mais de 90% da população era católica e a escravidão era algo “residual”, visto que “apenas” 15% das pessoas eram escravas. Apagando a cultura, a religião e as línguas trazidas da África.
Esse censo é importante para mapear aspectos do racismo estrutural no Brasil a partir do apagamento da cultura negra. O professor do Câmpus Canoinhas Cícero Santiago de Oliveira explica que o apagamento do negro aconteceu em diversos momentos e de modos distintos.
“Por exemplo, no período escravocata, por volta de 1530, os negros foram trazidos ao Brasil para substituir a mão de obra escrava indígena. Mas, diferente dos indígenas, não houve a “catequização” dos negros. Isso porque eles não eram vistos como seres que poderiam ser “salvos” pela igreja católica”.
A história mostra que nem todos têm oportunidades iguais e que, muitas vezes, a estrutura social, política e cultural ajuda a perpetuar essa distinção. O professor do Câmpus Gaspar Luiz Herculano de Sousa Guilherme explica que o acesso à escola era proibido aos negros, fazendo referência à Lei nº 1, de 14 de janeiro de 1837:
“São proibidos de frequentar as escolas públicas: Primeiro: pessoas que padecem de moléstias contagiosas. Segundo: os escravos e os pretos africanos, ainda que sejam livres ou libertos”.
Dessa forma, houve barreiras para o acesso à educação, que só foram quebradas muitos anos depois. A partir desse contexto, a professora do Câmpus Gaspar Renata Waleska Pimenta reforça a necessidade de políticas públicas voltadas a essa população. Ela explica:
“As cotas, por exemplo, sozinhas não dão conta de resolver esse problema histórico, é preciso ações em conjunto que possibilitem a permanência e o êxito desses estudantes. E para isso, não basta garantir a entrada, mas é preciso fornecer meios para que o estudante permaneça, promovendo o acolhimento desse aluno e a valorização da sua cultura e história”.
A pouca [ou falta] de representatividade negra
Por falar nisso, você sabia que Machado de Assis (1839-1903) era negro? Ele é considerado o precursor do Realismo na literatura brasileira. Além dele, temos Cruz e Souza (1861-1898), poeta negro precursor do Simbolismo no Brasil, isso para citar apenas dois nomes bastante conhecidos da literatura. Na política também temos nomes importantes: Abdias do Nascimento (2014-2011) e Antonieta de Barros (1901-1952).
Abdias foi senador da República Federativa do Brasil que fundou entidades pioneiras como o Teatro Experimental do Negro (TEN), o Museu da Arte Negra (MAN) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Foi ainda um dos idealizadores do Memorial Zumbi e do Movimento Negro Unificado (MNU) e atuou em movimentos nacionais e internacionais.
Já Antonieta foi uma jornalista, professora e a primeira negra brasileira a assumir um mandato popular. Foi deputada estadual em Santa Catarina por dois mandatos: o primeiro em 1935 e o segundo em 1947. Antonieta foi uma pioneira no combate à discriminação dos negros e das mulheres, autora ainda da lei estadual nº 145/48, que instituiu o dia do professor e o feriado escolar no Estado.
Falando em datas comemorativas, que tal conhecer um calendário que celebra algumas datas importantes relacionadas à negritude brasileira? Confira!
Embora haja nomes relevantes em todas as áreas, eles ainda são minoria em cargos públicos, empregos ou posições de prestígio, assim como na bibliografia acadêmica. E essa falta de representatividade aprofunda a desigualdade e contribui para que o sistema permaneça racista. O professor Luiz reforça a complexidade de ser antirracista em um espaço construído sobre bases racistas:
“Ver e compreender que somos racistas dói, mas ser antirracista é mais complexo, pois a população negra não faz falta nos espaços em que não é convidada ou que não tem a permissão para estar”.
O estímulo à diversidade impacta na percepção do lugar de pertencimento. E esse foi o caso da egressa do curso técnico integrado em Informática do Câmpus Gaspar, Sabrina Lemos. Ela conta que não se sentia parte da turma - predominantemente branca, até fazer parte do Neabi. Para ela, ser uma mulher negra é desafiador:
Uma das escritoras citadas por Sabrina é Djamila Ribeiro, a autora também escreveu o livro “Pequeno Manual Antirracista”. O livro foi discutido na roda de reflexões sobre Educação Antirracista do projeto de extensão “Centralidade Negra no IFSC” no Câmpus Chapecó. Uma das coordenadoras do projeto, Mirian Colonna dos Santos, reforça que é preciso mais do que não ser racista, ser antirracista.
“O racismo é quando eu olho para esses espaços de poder, não vejo pessoas negras e sigo a vida. Não me incomoda, não me faz refletir. Porque não ser racista é muito fácil... Agora, ser antirracista? É questionar os assuntos étnico-raciais todos os dias, não apenas no Dia da Consciência Negra, e, principalmente, não naturalizar certos comportamentos.”
Mirian reforça a diferença entre não ser racista e ser antirracista. Para entender a diferença é preciso lembrar que vivemos um racismo estrutural, ou seja, o próprio sistema (econômico, social, político e cultural) contribui para que haja diferença entre as pessoas a partir das suas características físicas. Quando reconhecemos que isso acontece e deixamos de perceber isso como natural, aí estamos sendo antirracistas. A partir do livro “Pequeno Manual Antirracista” separamos alguns pontos para começarmos a praticar o antirracismo. Confira!
E aí, vamos praticar o antirracismo? Em 2022, já não dá mais pra dizer que foi falta de informação. Aliás, racismo é crime. Se você sofrer ou testemunhar algum ato racista, pode fazer sua denúncia na Ouvidoria do IFSC. É importante entender que os casos de racismo precisam ser apurados em duas instâncias distintas: administrativa e criminal. Cabe ao IFSC apurar as denúncias e aplicar as penalidade administrativas, e paralelamente outras entidades farão a apuração e aplicação das penalidades criminais.
As denúncias podem ser feitas por qualquer pessoa que tenha sofrido ou presenciado a situação no IFSC, independentemente se o fato ocorreu com um servidor público, aluno ou trabalhador terceirizado. Em todos os casos, o denunciante deve entrar em contato com a Ouvidoria para receber orientações sobre os procedimentos necessários.
-> Ouvidoria do IFSC: veja como fazer uma denúncia
Saiba mais
Já produzimos outros conteúdos relacionados ao racismo. Veja alguns:
-> Blog do IFSC: Entendendo o racismo
-> Live promovida pelo Câmpus Florianópolis: Precisamos falar sobre racismo estrutural
-> Pesquisa do IFSC auxilia na percepção de racismo na sociedade
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