Como está sua saúde mental durante a pandemia?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 31 ago 2021 15:15 Data de Atualização: 20 mai 2024 17:17

Há mais de um ano e meio estamos enfrentando a pandemia de Covid-19, que alterou radicalmente a vida da maioria das pessoas. Medo, incertezas, doença, luto, solidão, isolamento, mudança de rotina... como lidar com tantos sentimentos? E quem perdeu alguém por Covid-19? Só no Brasil, estamos falando de quase 580 mil famílias enlutadas - e este número continua crescendo. E quem teve Covid-19? Estudos indicam que a doença pode afetar o organismo de forma sistêmica, inclusive com danos ao sistema nervoso, causando sintomas como ansiedade ou depressão.

No mês de setembro é realizada a campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio. Aproveitamos o momento para conversar com especialistas sobre saúde mental e a pandemia e trazemos algumas reflexões sobre como lidar com sentimentos difíceis. Também trazemos informações para quem está passando pelos sintomas prolongados da Covid-19 e o benefício do exercício físico para estes casos.

Vamos falar sobre as seguintes questões:

- Como a pandemia afeta nossa saúde mental? Quais os principais sintomas?

- Problemas emocionais como ansiedade e depressão e problemas cognitivos, como falta de memória e concentração, podem ser sintomas persistentes da Covid-19?

- O distanciamento social tem algum impacto sobre nossa memória e atenção?

- Qual a importância do exercício físico na recuperação das pessoas que tiveram Covid-19?

- Qual faixa etária está apresentando mais sintomas de ansiedade e depressão durante a pandemia?

- Podemos dizer que o número de suicídios aumentou?

- Como lidar com o luto?

- O que fazer com a percepção de que nem todos enxergam a pandemia da mesma maneira e a raiva decorrente disso?

- Como voltar à normalidade sem medo?

- Quais as lições da pandemia?

Como a pandemia afeta nossa saúde mental? Quais os principais sintomas?

Se você está sentindo angústia, medo, raiva, ansiedade ou sintomas de depressão, você não está sozinho. Segundo o psicólogo Diogo de Oliveira Boccardi, esses sentimentos são comuns e até esperados em momentos difíceis. Dizer que uma pessoa goza ou não saúde mental é algo relacionado às expectativas que se tem sobre ela, sobre como se deve reagir em determinada situação. Para ele, “se as pessoas estivessem apáticas, passassem ilesas por este momento, eu acharia que elas não estão bem. Eu acharia um péssimo sinal que todo mundo estivesse tranquilo”. O profissional também questiona: “saúde mental é estar feliz apesar das circunstâncias, ou é estar reagindo de maneira congruente ao que as circunstâncias nos apresentam? Eu fico com a segunda definição, eu acho que o fato de as pessoas sofrerem nesse momento horroroso que a gente está vivendo é um bom sinal”.

Os sentimentos relacionados à ansiedade (pessimismo, choro fácil, fantasias trágicas, sensação de falta de controle), bem como os sintomas físicos, como taquicardia, insônia, entre outros, têm aumentado muito durante a pandemia, segundo Boccardi. Esse conjunto de sensações pode levar a pessoa a se sentir deprimida, o que é muito diferente da depressão em si, que é uma doença séria e que precisa de um diagnóstico específico.

Veja a explicação mais detalhada no vídeo:

-> Blog do IFSC: Como manter a saúde mental nesta pandemia?

Problemas emocionais como ansiedade e depressão e problemas cognitivos, como falta de memória e concentração, podem ser sintomas persistentes em quem teve Covid-19?

Desde o surgimento dos primeiros casos da Covid-19, há a preocupação com os sintomas persistentes (com duração maior que o período de infecção pelo vírus) e possíveis sequelas (danos permanentes).

-> Acesse aqui o post sobre sintomas e sequelas da Covid-19

Além dos sintomas físicos, muitos pacientes têm relatado sintomas relacionados a problemas cognitivos (perda de memória, concentração, raciocínio) e emocionais, como ansiedade e depressão. Estudo do Instituto do Coração (Incor) realizado com pessoas que tiveram Covid-19 indicou que em 80% dos participantes da pesquisa o coronavírus “ocasionou dificuldade de concentração ou atenção, perda de memória ou dificuldade para lembrar-se das coisas, problemas com a compreensão ou entendimento, dificuldades com o julgamento e raciocínio, habilidades prejudicadas, problemas na execução de várias tarefas, mudanças comportamentais e emocionais, além de confusão”. Estudos internacionais, como o realizado na China, apontam para o mesmo caminho.

Em Santa Catarina, estudantes de Fisioterapia e Medicina da UFSC e Psicologia da Unisul desenvolvem, em Araranguá, projeto de pesquisa que estuda os efeitos do exercício físico em pacientes com sequelas de Covid-19, com foco nas duas principais sequelas, o cansaço e a falta de ar (dispneia). Os alunos também estudam os efeitos da doença nas funções cognitivas, como memória, e funções executivas, como raciocínio lógico. Também são investigados sintomas emocionais, como ansiedade e depressão.

O professor e pesquisador da UFSC que coordena o Laboratório de Biologia do Exercício Físico (LaBioEx), Aderbal Silva Aguiar Júnior, explica que, há pouco tempo, descobriu-se que o vírus Sars-Cov-2 infectava neurônios. Em análises post mortem e in vitro, foi constatado que o vírus induz o aumento, nos neurônios, de uma proteína chamada TAU, associada à demência do tipo Alzheimer. De acordo com o professor, o estudo realizado em Araranguá não analisa especificamente essa proteína, mas os sintomas neurológicos em pacientes com teste positivo para o Sars-Cov-2.  “O prejuízo cognitivo que vemos fica muito longe de uma demência, não incapacita as pessoas, mas são sintomas que atrapalham as atividades diárias”, explica.

O distanciamento social tem algum impacto sobre nossa memória e atenção?

Para o psicólogo Diogo Boccardi, há uma crença que as emoções atrapalham o nosso raciocínio lógico. Quando estamos muito emocionados ou tristes perderíamos a capacidade de produzir, trabalhar. Para o profissional, “isso não é 100% verdade”. O problema é “negarmos” as emoções e não entendermos como elas nos afetam. “Não vamos demonizar as emoções, vamos conviver com elas”, resume.

-> Blog do IFSC: As emoções da pandemia e como lidar com elas

Contudo, o maior impacto sobre nossa saúde mental na pandemia está relacionado ao empobrecimento das relações. “A maior parte das pessoas sentiu sua vida encolher nesse momento. Por isso, pode sentir mais cansaço e dificuldade de atenção. Muitas vezes, as dificuldades de memória não são específicas, mas é porque a pessoa não tem atenção, aí a memória não tem o que reter”, explica Boccardi. Porém, é possível ter uma rotina estimulante mesmo estando em casa: jogos eletrônicos, aprender coisas novas como idiomas, cozinhar, brincar com as crianças, interagir mesmo que on-line com os amigos. 

Ficar mais tempo em casa também tem reduzido o tempo de atividade física para muitas pessoas. Segundo o professor Aderbal Aguiar, da UFSC, isso tem um impacto negativo também na saúde mental. “Nós, seres humanos, somos feitos para nos movimentarmos. Somos os animais que melhor correm distância no mundo. A gente já tinha um problema de sedentarismo, que foi turbinado com o confinamento”, alerta. 

Segundo o professor, o exercício físico é antiestresse, antidepressivo e nootrópico (aumenta a concentração). Por isso, ter momentos para realizar atividades físicas, com distanciamento social e segurança, é imprescindível durante a pandemia.

Nós, seres humanos, somos feitos para nos movimentarmos. Somos os animais que melhor correm distância no mundo. A gente já tinha um problema de sedentarismo, que foi turbinado com o confinamento - Aderbal Aguiar, professor e pesquisador da UFSC

-> Veja como utilizar a máscara facial durante a atividade física

Qual a importância do exercício físico na recuperação das pessoas que tiveram Covid-19? 

O estudo desenvolvido pela equipe do professor Aderbal Aguiar em Araranguá tem constatado que o exercício também contribui na recuperação de diversos sintomas, como ansiedade, problemas cognitivos e de memória, dores, diminuição de força muscular, sintomas depressivos, entre outros. “Alguns dados preliminares indicam que conseguimos diminuir em até 90% essas sequelas”, destaca o professor.

Para as pessoas que estiverem com sequelas da Covid-19, ele indica procurar um fisioterapeuta. O tratamento não é tão complicado, envolve exercícios de força, esteira e alongamento. O que é importante é a intensidade do exercício e a avaliação do profissional. “Muitos pacientes desenvolvem sequelas cardíacas, então, o exercício deve ser feito com segurança. Esse talvez seja o principal resultado do nosso projeto, mostrar que o exercício é seguro e eficaz em aproximadamente 90%. Mas essa segurança vem do controle que temos durante o exercício”.

O professor Aderbal Aguiar preocupa-se especificamente com o atendimento de pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ele e sua equipe estão desenvolvendo um projeto em parceria com a prefeitura em Araranguá, financiado pelo Ministério da Saúde, para desenvolver uma metodologia, barata e eficaz, que possa ser implantada no SUS ou por qualquer profissional que queira utilizá-la, no Brasil ou no exterior. Uma experiência positiva já vem sendo desenvolvida em parceria com a prefeitura de Balneário Arroio do Silva. “Mesmo em uma cidade pequena foi possível implementar esse serviço”, destaca o professor.

Veja a explicação no vídeo:

Qual faixa etária está apresentando mais sintomas de ansiedade e depressão durante a pandemia?

No início da pandemia, os idosos foram muito afetados, de acordo com Boccardi. No decorrer da pandemia, ele observa, na própria prática clínica e no relato de colegas, uma maior incidência de problemas com os adolescentes, especialmente aqueles que estão concluindo o Ensino Médio, com preocupações relativas ao vestibular e complexidade dos conteúdos escolares frente ao “ensino remoto improvisado”. 

Ele ressalta, ainda, a preocupação com crianças até 10 anos de idade, pois a avaliação da saúde mental nessa faixa etária é bastante peculiar: “A gente não avalia a saúde mental dessas crianças olhando o presente. Em princípio, as crianças se adaptaram mais rápido que adolescentes e adultos, mas as reais dificuldades não vão aparecer imediatamente. Daqui a dois, três, cinco, ou até 10 anos, a gente vai descobrir que, talvez, as crianças sofreram até muito mais que outras faixas etárias”, alerta. 

Podemos dizer que o número de suicídios aumentou?

O psicólogo Diogo Boccardi diz que não é possível dizer que houve um aumento no número de suicídios durante a pandemia. As estatísticas existentes são escassas e não confiáveis e os estudos existentes são sobre situações específicas e pouco abrangentes. O que se sabe é que nos primeiros meses da pandemia pode ter havido uma redução no número de casos. “O que se imagina é que, por as pessoas estarem muito próximas, isso acabou inibindo muitas tentativas de suicídio, ou pelo menos o socorro está mais próximo”, explica o profissional. Por outro lado, em algumas famílias em que há violência doméstica, questões homofóbicas e outros tipos de conflito, alguns estudos mostraram tendência de aumento de casos de suicídio. 

De qualquer forma, não há um sistema confiável e abrangente de estatística, pois a notificação do óbito muitas vezes não indica o suicídio como causa. Além disso, a sobrecarga do sistema de saúde com a Covid-19 também pode ter contribuído para a subnotificação. “O que eu suspeito é que tenha havido um acréscimo nas tentativas, mas também não temos uma estatística sobre isso”, explica.

Segundo o psicólogo, é complicado perceber os “sinais” se uma pessoa está ou não em risco de suicídio. O importante é perceber se alguém próximo está sofrendo, perguntando e oferecendo ajuda. “Eu não subestimaria os contatos on-line. O on-line não é pior que o presencial, é preciso mostrar que se está disponível e atento, parar para conversar”, destaca.

Como lidar com o luto?

O luto vivenciado pela perda de pessoas com Covid-19 é bastante presente, e tem uma característica que o torna mais difícil: a impossibilidade de realizar despedidas e rituais funerários. “Quando a gente perde alguém muito importante, não é só aquele corpo que vai embora. Todas as possibilidades de futuro que a gente vislumbrava com aquela pessoa também desaparecem. É o presente que se fragmenta, mas também o futuro”, ressalta Boccardi. 

O que resta então para quem fica? O psicólogo orienta buscar as lembranças do passado, rever fotografias, vídeos, lembrar dos momentos bons vividos com a pessoa que se foi. Reunir os amigos e familiares mais próximos, mesmo que por videochamada, pode não substituir, mas oferecer uma oportunidade de despedida, de elaborar o luto, que foi privado pela pandemia. “Quando uma pessoa morre, a gente precisa repetir a mesma história, contar para as pessoas qual foi a última frase, o último encontro. A gente busca no passado, então, fazer isso em conjunto com a família, pode ajudar a atravessar essa perda”. Pode ser difícil em algumas situações, então, essa conversa pode ser “puxada” por quem se sentir mais disponível na família e, se necessário, um terapeuta.

-> Cuidado ao luto: projeto gratuito oferece acolhimento a quem perdeu alguém por Covid-19

O que fazer com a percepção de que nem todos enxergam a pandemia da mesma maneira e a raiva decorrente disso?

Para o psicólogo Diogo Boccardi, as relações interpessoais durante a pandemia estão extremamente violentas, na medida em que há um número de pessoas ignorando os riscos, expondo-se ao vírus e, consequentemente, expondo outras pessoas. Diante desses comportamentos, sentimentos como raiva e frustração são perfeitamente coerentes. 

Ao invés de tornar a raiva algo patológico, colocando a culpa em quem “sente” a raiva, é importante saber o que fazer com esse sentimento. “Engolir” a raiva não é a melhor solução, pois pode gerar ansiedade. Atitudes violentas ou ofensas nas redes sociais também não resolvem, não convencem ninguém. 

De acordo com Boccardi, ações coletivas são mais efetivas nesse momento. “A ideia é que quem tem raiva se reúna com quem tem raiva e pense em saídas coletivas. Nesse momento da pandemia, teríamos menos ansiedade se pudéssemos estar perto de quem sente isso, não só para fazer um grupo de suporte mútuo, mas pensar em alternativas, seja em pressão popular, ações de solidariedade com quem está com fome, doação de alimentos ou roupas. Se eu efetivamente participo de um grupo que organiza ações sociais, essa ‘pertença’ ao grupo vai servir para canalizar a revolta e diminuir a ansiedade”, ressalta. 

Para o profissional, “nem todas as pessoas precisam de terapia ou medicação”, mas se reunir para gerar mudanças na sociedade tem efeitos benéficos nos sintomas de ansiedade, insônia ou depressão. “Nesse momento, as saídas que temos de enfrentamento da pandemia não são exatamente mais atendimento especializado. Isso é uma das possibilidades, mas o que faria mais diferença seria as pessoas se mobilizarem de alguma forma”, finaliza.

Nesse momento, as saídas que temos de enfrentamento da pandemia não são exatamente mais atendimento especializado. Isso é uma das possibilidades, mas o que faria mais diferença seria as pessoas se mobilizarem de alguma forma - Diogo Boccardi, psicólogo

-> IFSC Verifica: Professoras destacam que é preciso pensar no outro

Como voltar à normalidade sem medo?

Vamos ter dois estágios diferentes: nesse primeiro estágio de retorno às atividades, em que ainda há um grande número de contaminados e mortes, ainda será difícil as pessoas se habituarem, ficarem à vontade no transporte público ou no supermercado lotado, por exemplo. “Esse primeiro momento vai ser um período muito tenso”, prevê Boccardi. Ele observa que a volta ao trabalho presencial está sendo bastante angustiante para alguns pacientes. A saída, novamente, seria buscar soluções coletivas, com apoio mútuo, a solidariedade entre colegas, e a exigência do cumprimento dos protocolos de segurança pelas empresas.

Em um segundo momento, quando tivermos menos vírus circulando e mais pessoas imunizadas, será mais fácil voltar ao normal. “Não sou pessimista de dizer que nunca mais vai voltar ao que era. Acho que algum momento vai voltar, mas não agora”, destaca.

Quais as lições da pandemia?

O psicólogo Diogo Boccardi elenca algumas lições que aprendemos com a pandemia:

- As coisas que a gente tem como certas na nossa rotina e na nossa organização social não são tão certas assim, precisamos lidar com o imprevisível;

- Precisamos estar atentos à nossa saúde e valorizar quem cuida dela. Aprendemos sobre a importância do SUS e a importância de investimentos no coletivo;

- Nos hábitos, passamos a valorizar mais o espaço doméstico. “Muita gente achava que não precisava cuidar e investir nas relações familiares. Se tinha um problema, podia sair, espairecer. Agora a gente percebeu o quanto a gente precisa cuidar disso, que as relações familiares são difíceis e precisamos investir nelas”;

- Pessoas que nunca passaram por quadros de ansiedade e tristeza perceberam que podem passar por isso, e podem ficar mais atentas ao sofrimento das pessoas próximas;

- Aumento da procura por tratamento psicológico. As pessoas ficaram mais atentas à saúde mental.

Veja o vídeo produzido pelo IFSC sobre as emoções durante a pandemia:

>Setembro Amarelo

No mês de setembro, o Comitê de Direitos Humanos e os psicólogos do IFSC promovem a campanha “Precisamos falar sobre saúde mental”. Serão publicados a cada semana uma série de posts no Instagram do IFSC (@ifsc) em que serão abordadas questões referentes a estratégias para cuidar da saúde mental e em caso de sofrimento psíquico o que fazer e quem procurar. Além dessas publicações, estão previstas duas lives sobre o tema.

Saiba mais

A pandemia obriga a todos a estar em constante aprendizado. Saiba mais sobre a importância da informação no Blog do IFSC e no IFSC Verifica.

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