IFSC VERIFICA Data de Publicação: 25 ago 2020 15:55 Data de Atualização: 20 mai 2024 15:22
Todos nós tivemos planos afetados por causa da pandemia de Covid-19. Mas, para algumas mulheres, o impacto bateu em cheio com o projeto da maternidade. Quem já estava grávida antes de tudo isso começar, ou engravidou durante esse período, se viu em situação delicada quando o Ministério da Saúde anunciou em abril que grávidas e puérperas (até duas semanas após o parto) fazem parte do grupo de risco, ou seja, têm maior risco de sofrer complicações da Covid-19.
Neste post, vamos abordar as seguintes questões:
- Quais os riscos de engravidar na pandemia?
- Por que o Brasil teve mais mortes de gestantes com Covid-19?
- É preciso ter algum cuidado especial por estar grávida?
- Há algum tipo de parto mais indicado para quem está com a doença?
- As mulheres com coronavírus podem amamentar?
- Como lidar com o puerpério em plena pandemia?
A gravidez durante a pandemia traz riscos específicos?
Sim. A consideração é da enfermeira obstétrica e professora do Câmpus Florianópolis do IFSC Juliana Monguilhott, atual presidente da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiras Obstetras em Santa Catarina (Abenfo-SC). O risco não é pelo fato de a mulher grávida ter mais chance de se contaminar pelo coronavírus, mas sim porque a gestação acarreta alterações fisiológicas que podem dificultar a resposta do corpo da gestante ao vírus. “A própria gestação já traz algumas consequências fisiológicas para o corpo da mulher e a gente sabe que muitas delas estão relacionadas ao sistema cardiovascular e respiratório, que são justamente dois dos sistemas mais atingidos pelo coronavírus”, explica Juliana.
Existe alguma orientação para evitar gravidez neste momento?
Não, não há nenhuma normativa contraindicando a gestação neste momento. No entanto, em abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu uma nota técnica recomendando a suspensão temporária de procedimentos de reprodução humana assistida.
"É uma situação bem complexa, porque o planejamento familiar para cada mulher e para cada família engloba diversos fatores”, afirma Juliana. Segundo a professora, é preciso considerar, por exemplo, a situação de uma mulher com mais de 35 anos, que já tem uma reserva ovariana menor e que tem pressa em engravidar; e a de outra mais jovem que pode se planejar e decidir não engravidar no meio dessa pandemia. “Para essa mulher que pode se planejar, eu diria que sim, é arriscado engravidar. Então se ela pode esperar, é melhor”, diz.
-> OMS esclarece dúvidas sobre planejamento familiar e métodos contraceptivos na pandemia
Estou grávida. E agora?
É importante que as mulheres grávidas tenham rigor nos cuidados para evitar o contágio com o vírus - que são os mesmos para todos, como o uso de máscara, a higienização frequente das mãos e o distanciamento social. Além disso, devem fazer o acompanhamento pré-natal com bastante atenção.
Tão logo apresente qualquer sintoma, a gestante deve procurar atendimento médico para evitar agravamento do quadro, orienta a professora do IFSC. Também não se deve tomar nenhuma medicação por conta própria: caberá ao médico indicar o tratamento de acordo com cada situação. “A gente vê sendo divulgado o uso de ivermectina, de cloroquina, de várias medicações que não têm evidência científica e que, no caso da gestante, pode ter efeito colateral para ela e para o bebê”, alerta.
-> Cloroquina e hidroxicloroquina: esses medicamentos têm eficácia contra a Covid-19?
“O que tem que se pensar é no isolamento social, na ingestão de líquido, numa alimentação saudável com frutas e minerais para aumentar a imunidade e reduzir as chances da gestante ser infectada com o vírus”, orienta a professora.
-> Leia o post: É possível prevenir o coronavírus por meio da alimentação?
Existe um momento mais crítico durante a gestação?
A professora do IFSC informa que, no final da gestação, contrair o vírus pode levar a um parto prematuro. “Muitas vezes, essa mulher que contraiu o vírus apresenta uma dificuldade respiratória e acaba sendo indicada a indução do trabalho de parto ou a própria cesariana”, diz.
Segundo Juliana, ainda não há evidências científicas das consequências quando o coronavírus é identificado no primeiro e no segundo trimestre da gestação. “O que a gente tem é que, no fim da gestação e, principalmente, no puerpério, algumas mulheres que estão tendo esse diagnóstico estão ficando mais graves e muitas delas estão indo a óbito por falta de assistência adequada no tempo oportuno”, afirma.
É mais perigoso ser gestante no Brasil neste momento?
Em julho, um estudo publicado no periódico médico International Journal of Gynecology and Obstetrics chamou a atenção para o risco de ser gestante no Brasil neste momento. A pesquisa apontou que 124 mulheres gestantes ou que estavam no período do puerpério haviam morrido de Covid-19 no Brasil até a conclusão do estudo. Esse número representou 77% das mortes registradas no mundo no período, ou seja, morreram mais mulheres grávidas ou no pós-parto no Brasil do que em todos os outros países somados. O estudo foi feito por um grupo de enfermeiras e obstetras brasileiras ligadas à Unesp, UFSCAR, Fiocruz, IMIP e UFSC.
Um estudo do Grupo Brasileiro para Estudos de Covid-19 e Gestação, publicado no periódico BJOG, uma publicação internacional de Obstetrícia e Ginecologia, em 16 de agosto, apontou que, até agora, os principais fatores de risco para morte materna por Covid-19 foram: ser puérpera no momento da notificação da Covid, obesidade, diabetes e doença cardiovascular. Ser branca mostrou-se fator de proteção.
Segundo Juliana, não existem dados confiáveis do número de gestantes contaminadas por Covid-19 no Brasil e nem de óbitos desse grupo. Nos boletins que o Ministério da Saúde divulga, essa informação não está disponível.
Para a professora, qualquer número que se apresente hoje em relação a gestantes e Covid-19 deve estar subestimado. Um estudo publicado pela Escola Nacional de Saúde Pública em junho deste ano apontou que o número de gestantes assintomáticas pode variar de 66% até 100%.
-> Entenda a diferença entre doentes assintomáticos, pré-sintomáticos e sintomáticos
“Além do número de assintomáticas, deve ter um número bem maior de gestantes contaminadas porque nem todas são testadas e, no número que os municípios enviam para o Ministério da Saúde, não tem como informar a fase da gestação e nem se a mulher é puérpera ou está amamentando”, conta. “E a gente sabe que em muitas mortes maternas pelo coronavírus, as mulheres foram diagnosticadas no puerpério”, completa.
No início de agosto, em reunião com deputados da comissão externa que acompanha ações de combate ao coronavírus da Câmara de Deputados, o Ministério da Saúde informou que gestantes serão submetidas a protocolos específicos de atendimento e que todas serão testadas para Covid-19 no final da gestação. O secretário de atenção primária do Ministério da Saúde, Raphael Parente, reconheceu que a mortalidade materna no Brasil ainda é alta e informou que até o dia 1º de agosto tinham sido registrados 199 óbitos de mulheres grávidas no Brasil, 135 por Covid-19. Segundo dados apresentados pela pasta no evento, as gestantes têm risco 1,5 maior de internação em UTI com necessidade de ventilação mecânica em relação ao restante da população.
Diante desse contexto de pandemia, a professora do IFSC destaca a necessidade de se pensar em um modelo de atendimento que exponha menos as gestantes, como é a proposta dos centros de parto normal (CPN). Em Santa Catarina, ainda não há estrutura desse tipo que possa acolher as gestantes de risco obstétrico habitual, evitando colocá-las em risco em uma maternidade de grande porte com vários casos de Covid-19, por exemplo. “A gente precisa sim de uma atenção que priorize a fisiologia do parto e nascimento, como são os centros de parto normal, permitindo que as maternidades e hospitais de grande porte fiquem para as mulheres que realmente precisam, para quem tem gestação de alto risco ou tem alguma interferência”, defende Juliana, que está envolvida no projeto que busca implantar um CPN em Florianópolis - do qual o IFSC é parceiro.
Algum tipo de parto é mais indicado para quem tem Covid-19?
O fato de uma gestante ter Covid-19 não representa uma indicação para determinado tipo de parto. “A gente já sabe dos inúmeros benefícios do parto normal para a mãe e para o bebê, então se ela tem um quadro bom, a ausculta cardíaca fetal se mantém boa durante o trabalho de parto, a gestante pode seguir para um parto normal”, explica a professora. Caberá ao obstetra avaliar cada caso, como já ocorre normalmente.
Já o parto na água está contraindicado para parturientes com Covid-19 - sejam casos suspeitos ou já confirmados - pelo risco de contaminação pela água, conforme nota técnica do Ministério da Saúde.
-> Leia o post sobre a transmissão do coronavírus pela água
O diagnóstico de Covid-19 também confere à gestação um grau de alto risco, o que inviabiliza, por exemplo, a realização de um parto domiciliar - que hoje é uma opção só feita por equipes particulares em gestações que não sejam de risco. Esse tipo de parto não faz parte da rede de atenção à saúde e não é feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Portanto, a gestante com Covid-19 deve ser encaminhada a um hospital ou maternidade para ter o bebê.
Por causa da pandemia, as maternidades mudaram seus protocolos de atendimento limitando o número de acompanhantes com a gestante e proibindo as visitas. O indicado é que cada gestante entre em contato com a instituição onde pretende fazer seu parto para conferir as novas regras de cada lugar.
A mãe com Covid-19 passa o vírus para o bebê?
Segundo a Organização Mundial da Saúde, ainda não se sabe se mulheres grávidas com Covid-19 podem passar o vírus para o bebê durante a gravidez ou no trabalho de parto. Mas a professora do IFSC cita um estudo publicado no periódico Women’s Health em julho em que foram relatados, em uma mesma instituição do Brasil, cinco óbitos fetais de mulheres com coronavírus e em que o vírus foi identificado no líquido amniótico de um bebê e na placenta de dois bebês. “Isso traz muita sugestão de que a transmissão vertical é uma possibilidade, de que o vírus pode ser transmitido através da placenta pro bebê”, afirma Juliana.
Até então, quando um bebê era diagnosticado com Covid-19, a transmissão era associada ao parto ou até ao pós-parto, num momento de amamentação, por exemplo, por uma mãe com a doença. “Mas essa série de casos mostrou pra gente que não, que nos óbitos fetais intra útero já tinha presença do vírus”, explica a professora.
Juliana esclarece que o compilado dos estudos está demonstrando que existe essa possibilidade, mas parece ser rara. “Pelo acúmulo de conhecimento até o momento sobre Covid nas gestantes, parece ser um evento raro, mas seria possível sim”, explica.
Segundo ela, muitos profissionais têm observado um aumento de óbitos fetais no Brasil após o início da pandemia. “Entretanto, sem um estudo adequado incluindo testagem de todas as gestantes, é difícil avaliar se essa observação é real ou se existe uma relação de causa e efeito entre Covid-19 e óbito fetal”, pondera.
Como tudo ainda é muito novo, ainda não existem estudos que tratem de sequelas para bebês que sejam diagnosticados com coronavírus.
Como fica a amamentação?
A professora do IFSC destaca que não há evidência científica que mostre contaminação por meio do leite materno. “Por enquanto, considerando os benefícios da amamentação, o indicado é que as mulheres - mesmo aquelas positivas para Covid - possam amamentar os bebês”, reforça.
-> Leia a Nota técnica do Ministério da Saúde sobre amamentação
Inclusive, o contato pele a pele é incentivado também para mães testadas positivas para Covid-19, mas não de forma imediata. “Então o bebê nasce, o clampeamento ainda é oportuno do cordão e, enquanto se aguarda para clampear o cordão umbilical, é trocada a camisola da mãe, a mulher é seca, troca-se sua a máscara e aí o bebê vai para o contato pele a pele com ela para amamentação”, explica Juliana. A OMS recomenda o clampeamento tardio do cordão umbilical quando possível, que é quando se interrompe o fluxo sanguíneo entre a mãe e o bebê.
De acordo com a professora, no caso de bebês que desenvolveram a doença depois do parto, o que se acredita é que a transmissão tenha ocorrido durante a amamentação por gotícula ou aerossol, mas não pelo leite materno. “No caso de a mulher estar com Covid, o ideal é que ela use máscara durante a amamentação”, recomenda.
Puerpério em plena pandemia
Se não bastasse toda a preocupação com a gestação durante a pandemia, após ter o bebê, a mulher pode se ver solitária no chamado puerpério, que é o período que se estende de 45 a 60 dias após o nascimento da criança. A enfermeira obstétrica Juliana alerta para a importância de haver uma rede de apoio para a puérpera, ainda que adaptada ao atual contexto de distanciamento social:
Veja também:
-> Orientações do Ministério da Saúde sobre gestantes e lactantes
-> Organização Mundial de Saúde responde dúvidas sobre amamentação e Covid-19 (em inglês)
-> Fluxo de manejo clínico de gestantes na Atenção Especializada conforme o Ministério da Saúde
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