IFSC VERIFICA Data de Publicação: 30 nov 2021 08:55 Data de Atualização: 20 mai 2024 17:27
Quando o coronavírus se espalhou e mudou a vida das pessoas em todo o mundo, o que mais nos perguntávamos era: Existe uma previsão para o fim da pandemia? Em 2020, especialistas apontavam que isso dependeria da descoberta de uma vacina para proteger da Covid-19, mas que a doença dificilmente seria eliminada. Vinte meses se passaram desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que se tratava de uma pandemia causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). Há dez meses, a vacinação contra a Covid-19 iniciou no Brasil e o país está próximo de atingir a marca de 77% da população que já pode receber a vacina com ciclo vacinal completo, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Em Santa Catarina, 80% da população vacinável já está com a imunização completa, tendo recebido as duas doses ou dose única. Diante deste cenário, será que já é possível dizer que estamos perto do fim da pandemia?
Para abordar esta questão, entrevistamos a epidemiologista e professora do curso de Enfermagem do Câmpus Florianópolis do IFSC, Vanessa Jardim, e o secretário de estado da Saúde do Governo de Santa Catarina André Motta Ribeiro. Neste post, vamos tratar dos seguintes pontos:
- Já é possível flexibilizar as medidas de cuidado em relação à Covid-19?
- O fim da pandemia está próximo?
- A pandemia está controlada em SC?
- Como não perder o controle da situação e evitar novos surtos da doença?
É possível pensar no fim da pandemia?
Segundo a professora do IFSC Vanessa Jardim, falar em fim da pandemia é pensar no próximo estágio de uma doença infecto-contagiosa que é a endemia, quando a população convive com essa doença dentro de regiões geográficas circunscritas. “Certamente conviveremos com a Covid em nosso meio, mas esse conceito de uma doença fora do controle aprenderemos a dominar com a vacinação, que é a principal arma para o controle das doenças infecto-contagiosas, e outras medidas de controle”, explica.
Com o avanço dos estudos científicos, hoje já se sabe muito mais sobre a transmissibilidade do coronavírus e os fatores de risco que envolvem o agravamento da doença. De acordo com a epidemiologista, a adoção de medidas específicas conforme os saberes disponíveis atualmente permite um controle da pandemia. “Conhecendo muito mais a dinâmica da doença, o agente infeccioso e o comportamento populacional, a gente pode agregar às campanhas de vacinação e dizer sim, que a pandemia está controlada”, afirma.
No entanto, Vanessa destaca que é preciso ter cautela com essa noção de controle, uma vez que ainda há muitas variáveis que podem alterar o cenário. Assista abaixo a sua fala sobre a necessidade de se manter a vigilância constante. No vídeo, o secretário de saúde de SC também comenta sobre o fim da pandemia no Estado.
Quais fatores devem ser considerados para analisar o fim da pandemia?
Para analisarmos como está o cenário da pandemia, é preciso olhar para fatores como taxa de transmissão, número de pessoas contaminadas com coronavírus, número de óbitos pela doença, ocupação de leitos nos hospitais e número de pessoas vacinadas. Mas quais índices precisamos alcançar para poder começar a respirar mais aliviados?
Em relação à vacinação, a professora do IFSC destaca que é preciso chegar a um índice de 70% a 80% da população com cobertura vacinal completa, mas pondera que isso precisa ser pensado em relação a toda população - o que ainda não é uma realidade já que, no Brasil, a vacinação está sendo feita, por enquanto, apenas para quem tem mais de 12 anos. “A vacinação de crianças e adolescentes é importante também porque, embora tenha se percebido que o risco de agravamento nesse público é mais baixo, o risco de contaminação é o mesmo e eles podem continuar fazendo o vírus circular”, ressalta.
Quando se fala de taxa de transmissão, é preciso olhar para o Rt, que seria como um ritmo de transmissão ou número reprodutivo efetivo. Vanessa explica que, quando se tem um caso que transmite para uma pessoa, o ritmo de transmissão é considerado estável. O ideal é que o Rt seja abaixo de 1, indicando que a circulação do vírus está diminuindo.
-> Entenda melhor o Rt com a explicação de uma professora de matemática do IFSC
Em países que tiveram poucos casos de Covid-19, o Rt ficou entre 0,3 e 0,4, o que, segundo Vanessa, é o ideal para considerar que a pandemia está sob controle. “Mas se tivermos no Brasil uma taxa abaixo de 1, estamos registrando queda da pandemia e temos que acompanhar fortemente essa transmissibilidade, esse ritmo de transmissão, porque qualquer súbito aumento precisa da ação do sistema de saúde”, afirma.
Em um levantamento do Imperial College de Londres da semana passada, atualizado em 22 de novembro, o Rt do Brasil estava em 1,06 - maior do que na semana anterior em que o índice estava em 0,99. Este Rt atual significa que cada 100 pessoas contaminadas transmitem a doença para outras 106 pessoas.
De acordo com o Observatório Covid BR, o Rt de SC em 14 de novembro era de 0,95. Dados mais recentes da Defesa Civil do estado mostram que, em 23 de novembro, o Rt foi de 0,96. Veja abaixo como ficou o ritmo de transmissão no estado desde o início da pandemia segundo o Observatório Covid BR:
-> Acompanhe o Rt de SC em plataforma do Governo
Segundo o Boletim nª 81 do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (Necat) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Rt do estado no período entre 31.05 e 23.11.2021 ficou em 0.96, sendo que nas diversas regiões esse indicador variava entre 0.94 a 0.99, significando que o Sars-CoV-2 ainda continua circulando de forma acelerada no território catarinense.
Ao colocar o número de pessoas contaminadas por Covid-19 em Santa Catarina em um gráfico, é possível observar o comportamento da doença no estado e o que especialistas chamam de curva da doença. Até o início da vacinação, o que se via era uma curva em crescimento. A professora Vanessa explica que para considerar uma pandemia dentro do controle, é preciso que os dados não se traduzam em ondas neste gráfico, ou seja, quando não se tem mais novos picos de crescimento da doença mostrando que ela segue se espalhando.
A epidemiologista chama a atenção para a queda da transmissibilidade da doença com o início da campanha de vacinação. “É impressionante como essa correlação entre cobertura vacinal completa e a transmissibilidade diminui e aí, consequentemente, óbitos e casos graves também diminuem”, ressalta.
Veja abaixo os gráficos elaboradas pelo IFSC Verifica com os dados fornecidos pelo Governo de Santa Catarina, Primeiro, fica nítido como o índice de ocupação de leitos de UTI por Covid-19 foi caindo conforme mais pessoas foram se vacinando e completando seu ciclo vacinal:,
A vacinação também teve impacto direto na diminuição de pessoas contaminadas pelo coronavírus, como é possível observar neste gráfico:
Olhar para o número de óbitos é importante, segundo Vanessa, porque é quando se observa especificamente a doença. “Trabalhar com a letalidade, o quanto a Covid ainda tem levado a óbito as pessoas que se contaminam, ajuda a gente a avaliar a efetividade das vacinas”, explica. A epidemiologista alerta que, embora a taxa de letalidade da Covid-19 seja baixa quando comparada a outras doenças, o impacto dos óbitos na população foi grande, já que se trata de uma patologia que se espalha muito. No Brasil, por exemplo, até o momento, mais de 613 mil pessoas já morreram de Covid-19 - um número maior do que a população de Florianópolis e Biguaçu somadas..
Em relação à capacidade do Sistema de Saúde, a professora diz que o ideal é o índice de internação/ocupação por Covid nos hospitais ser menor que 50%. “Mas assim como o índice de transmissão, é importante sempre buscar a tendência a diminuir quanto menor for até que a gente possa eliminar leitos específicos de UTI e trabalhar com o princípio do isolamento respiratório”, diz.
Veja abaixo como a vacinação também impactou no número de óbitos por Covid-19 em Santa Catarina:
-> Acompanhe mais dados de SC neste Painel desenvolvido pela UFSC
Matriz de risco de Santa Catarina
Para acompanhar a evolução da doença, diversos países, estados e municípios criaram suas metodologias. A professora do IFSC explica que a base de todas é sempre a mesma: mostrar que quanto mais alto é o número de casos da doença na população, mais perigosa é a situação. “Todas seguem esse princípio de contaminação e gravidade que leva a óbito”, afirma.
Em julho de 2020, o Governo de Santa Catarina criou a matriz de risco para avaliar o risco potencial das 16 regiões de saúde do estado, a fim de orientar a regionalização e descentralização das ações relacionadas à contenção da pandemia em Santa Catarina. A matriz é divulgada semanalmente com cores que indicam a gravidade da doença em cada região.
“A matriz foi sendo modificada até porque o entendimento desse enfrentamento da pandemia também foi melhor compreendido e evoluiu. Nós sempre fizemos nossa gestão pautada na ciência desde o início e com certeza houve avanço”, destaca o secretário de saúde de Santa Catarina. Diante das mudanças de cenário, a matriz passou por ajustes de indicadores e redesenho das regiões - sendo o último em julho deste ano -, mas seguiu organizada em quatro dimensões de prioridade, que são:
Para facilitar o entendimento da população, na matriz, as regiões do estado são apresentadas por cores de acordo com o risco potencial em que se encontram, sendo vermelho (risco potencial gravíssimo), laranja (risco potencial grave), amarelo (risco potencial alto) e azul (risco potencial moderado). Pela oitava semana consecutiva, desde 9 de outubro, nenhuma região do estado foi classificada nos níveis de risco grave ou gravíssimo.
Inclusive, a Política de Segurança Sanitária do IFSC, documento que sistematiza as medidas a serem adotadas para o retorno gradual das atividades presenciais na instituição, considera a matriz de risco divulgada semanalmente pelo Governo do Estado.
Fator surpresa: mutação do vírus
Embora os estudos científicos estejam avançando a um ritmo acelerado, além de lidar com os fatores já conhecidos - como taxa de vacinação, taxa de transmissão, quantidade de internação e número de óbitos -, um fator que precisa ser considerado para se pensar no controle da pandemia é a mutação do vírus. Nos últimos dias, o surgimento de uma nova variante chamada ômicron tem gerado preocupação. Em um relatório técnico, a OMS alertou para o alto grau de transmissão dessa variante.
A professora do IFSC explica que os vírus são seres adaptáveis, ou seja, conforme vamos estimulando medidas de controle, eles vão encontrando meios de sobreviver. Isso são as mutações. “Por isso as variantes afetam diretamente esse processo de controle da transmissibilidade”, afirma.
-> Variantes podem dificultar o controle da pandemia de Covid-19?
Segundo Vanessa, felizmente as atuais vacinas contra Covid-19 estão se mostrando eficazes contra as variantes que já foram identificadas. No entanto, pode ocorrer de, no futuro, novas variantes surgirem - como acontece com o vírus da gripe. “E aí é necessária uma resposta rápida que o sistema de saúde vai se adaptando, vai adequando a resposta ao surgimento dessas dessas novas cepas. Vou ter que vacinar todo ano? Vamos analisar. Vou ter que fazer uma dose de reforço em toda a população? Precisamos estudar. Então temos um conjunto de variáveis a se observar no controle da pandemia”, destaca.
Em 16 de novembro, o Ministério da Saúde ampliou a dose de reforço para toda população adulta, ou seja, maiores de 18 anos que já completaram cinco meses de intervalo da segunda dose ou dose única deverão procurar uma unidade de saúde para tomar mais uma dose de reforço da vacina conta a Covid-19.
-> Qual a importância da dose de reforço da vacina?
Já é possível flexibilizar as medidas de cuidado?
Com uma nítida diminuição nos números de pessoas contaminadas por Covid-19 e óbitos pela doença, existe uma expectativa da população e uma indicação do Governo de que já se pode flexibilizar as medidas restritivas de cuidado. Na semana passada, inclusive, o Governo de Santa Catarina assinou um decreto desobrigando o uso das máscaras faciais de proteção em ambientes abertos em que há possibilidade de manter distanciamento entre as pessoas. No vídeo abaixo, a professora do IFSC e o secretário de saúde de Santa Catarina falam sobre isso:
Embora o cenário pareça mais favorável, o Núcleo de Estudos de Economia Catarinense da UFSC publicou, em 13 de novembro, a 79ª edição do boletim semanal Covid-19 em SC, em que afirma que as médias semanais de casos e óbitos ainda não permitem a flexibilização das medidas preventivas no estado. Conforme aponta o boletim, o comportamento do conjunto de indicadores analisados, mesmo que bastante favorável, ainda não permite nenhum relaxamento em relação às medidas de prevenção e de controle da doença, especialmente no quesito flexibilização do uso de máscaras. No boletim de nº 81, publicado em 27 de novembro, o Necat informa que Santa Catarina voltou a apresentar o 2º maior coeficiente de incidência da Covid-19 do país.
Durante a gestão da pandemia, em alguns momentos, a população foi condicionada a orientações diferentes dos governos federal, estaduais e municipais em relação às medidas de cuidado em relação à Covid-19. O secretário de saúde de Santa Catarina destaca que a regra é clara. “Nós temos uma gestão tripartite da crise desde que se instalou. Hierarquicamente, o gestor que está logo abaixo pode e deve aumentar a restrição se entender que, naquele seu ambiente - no município ou região -, o impacto é maior. Mas ele jamais pode flexibilizar além da regra do gestor imediatamente superior”, explica. Portanto, o Estado não pode flexibilizar se houver um decreto federal mais restritivo. E os governos municipais também não podem tomar atitudes se o Governo Federal e os governos estaduais não apontarem o caminho. “Claro que os municípios têm as suas autonomias, mas para criar regras novas restritivas ou outras para processos e fluxos. Nunca diminuindo o que está sendo posto nem pelo ente federal e nem pelo ente estadual”, finaliza André Motta Ribeiro.
-> Confira as portarias vigentes em Santa Catarina em relação à pandemia
Embora haja esse entendimento, o governo de Santa Catarina publicou o decreto nº 1578 em 24 de novembro de 2021 desobrigando o uso de máscaras em locais abertos desde que seja possível manter um distanciamento - apesar da Lei Federal nº 14.019/2020 obrigar o uso do acessório em locais públicos e privados.
-> Tire suas dúvidas sobre o decreto do Governo que flexibilizou o uso das máscaras
Como não perder o controle da situação?
A professora do IFSC ressalta que, apesar de estarmos indo bem, comparando o atual momento ao trágico cenário que já tivemos, não é o momento de esquecer que a pandemia existe. No Brasil, com a chegada das festas de final de ano e a temporada de verão, é preciso que gestores públicos e a população mantenham a vigilância para que não se perca o controle da situação e a contaminação por coronavírus volte a subir.
A vigilância e os cuidados precisam ser mantidos ainda mais considerando a avaliação da diretora-geral adjunta de acesso a medicamentos e produtos farmacêuticos da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mariângela Simão, de que o mundo está entrando em uma quarta onda da pandemia do novo coronavírus. A declaração foi dada na abertura do Congresso Brasileiro de Epidemiologia realizada em 22 de novembro. A avaliação da diretora foi feita a partir dos novos picos de Covid-19 na Europa, o que, segundo ela, se devem à abertura e flexibilização das medidas de distanciamento no verão, além do uso inconsistente de medidas de prevenção em países e regiões.
Na recente conferência de imprensa da OMS de 24 de novembro, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, fez um alerta para a falsa sensação de segurança causada pelas vacinas. Conforme afirmou, as vacinas salvam vidas, mas não evitam totalmente a transmissão da covid-19”,
Ele chamou a atenção para os cuidados que precisam ser mantidos mesmo por quem já tenha tomado a vacina. “Se você for vacinado, tem um risco muito menor de desenvolver um quadro grave ou morrer pela doença, mas ainda corre o risco de ser infectado e infectar outra pessoa que pode vir a morrer”, disse em seu discurso. O diretor alertou para a necessidade de se continuar com medidas de cuidados como usar máscara, manter o distanciamento, evitar aglomerações e encontrar outras pessoas em ambientes abertos, se possível, ou em locais bem ventilados.
Embora a Europa seja novamente o epicentro da pandemia, o diretor destacou que nenhum país ou região está fora de perigo. “É importante que todos os países aumentem suas capacidades agora para garantir que as medidas corretas estejam em vigor para evitar as piores consequências de quaisquer ondas futuras”, enfatizou.
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