O tempo está passando mais rápido?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 28 nov 2022 15:04 Data de Atualização: 30 nov 2022 10:31

Mais um ano chegando ao fim. Para você, 2022 voou? Será que o tempo está passando mais rápido ou é apenas uma sensação diante da correria em que vivemos? O assunto ganhou uma pitada polêmica este ano, quando foi anunciado o dia mais curto já registrado desde a metade do século passado. Mas como, o tempo de um dia não é exato? A Terra não leva sempre 24 horas para dar uma volta de rotação? Não é bem assim.

Com o passar dos séculos, a forma de medir o tempo mudou - passou da mera observação da posição do Sol até a tecnologia de alta precisão dos relógios atômicos - são eles os responsáveis pela hora que você está vendo aí no seu relógio. 

Além das questões físicas, existem várias abordagens sobre como nós, seres humanos, percebemos a passagem do tempo. E claro, as vivências de cada um influenciam. Podemos perceber isso com um exemplo bem simples: uma hora numa fila demora a passar, mas basta encontrar alguns amigos e jogar conversa fora para essa percepção mudar rapidinho.

Para abordar este tema, convidamos professores do IFSC para responder, tanto do ponto de vista físico, quanto filosófico e sociológico, algumas perguntas:

- O tempo de rotação da Terra está mudando?
- O que interfere nesse tempo de rotação e consequentemente na duração dos dias?
- Como é definida a hora mundial?
- Como varia a percepção de tempo do ser humano ao longo da história?

Marcelo Schappo, professor de Física do Câmpus São José, vai explicar porque o  fato de 2022 ter tido o dia mais curto não significa que o tempo está passando mais rápido. Pelo contrário! Ao longo dos séculos, a velocidade de rotação da Terra vem diminuindo. Ele e o professor de Geografia Paulo Henrique Amorim, também de São José, detalham os fatores que interferem neste movimento. 

Já o professor de Filosofia do câmpus, Volmir Von Dentz, esclarece que, ainda que exista algo de objetivo no tempo, não se pode negar que há algo de sociológico, cultural, histórico e até psicológico nas funções do tempo. "Nesse sentido, a depender da cultura, do contexto histórico ou das condições dos indivíduos mudam as compreensões sobre o tempo."

Tempo de rotação da Terra

Vamos começar com as explicações físicas. O professor Marcelo Schappo detalha no vídeo abaixo porque não podemos dizer que o tempo de rotação da Terra é tão exato:

 

No vídeo, o professor compara o movimento da Terra ao de uma bailarina. E você pode fazer esse teste em casa. Ao sentar em uma cadeira giratória, perceba como o movimento fica mais rápido ou mais devagar na medida em que você abre ou fecha os braços enquanto gira. Com o nosso planeta, vários fatores influenciam nesse movimento.

O que interfere na velocidade de rotação da Terra?

Paulo Henrique Amorim, professor de Geografia do Câmpus São José, afirma que abalos sísmicos, formação ou derretimento de geleiras, erupções vulcânicas e movimentação de fluidos no interior e até na superfície terrestre e na atmosfera, como correntes marítimas e atmosféricas, interferem na rotação. "Em comum, todos esses fenômenos têm o fato de que, em níveis diferentes, eles acabam provocando certa redistribuição da massa na Terra, ou seja, dos elementos que compõem o nosso planeta."

Para entender como isso ocorre, vamos considerar o caso das geleiras, ou seja, grandes corpos d'água em estado sólido. A maioria delas está localizada em regiões de altas latitudes, pois ali há menor incidência de energia solar e, logo, menores temperaturas. "Porém, com o recente aumento da temperatura média global causado pelas mudanças climáticas provocadas pela humanidade, as geleiras têm sofrido intenso derretimento. Assim, a água que estava em estado sólido na geleira passa ao estado líquido e, assim, pode ser deslocada para outras regiões a partir de correntes marítimas, por exemplo", explica Paulo.


Foto: Carmina Jinga | Dreamstime.com

Outro exemplo recente que ajuda a entender essa influência é o terremoto de Tohoku, que ocorreu em 2011 no Japão e provocou o tsunami que afetou a usina de Fukushima. Segundo Paulo Henrique, além de enormes prejuízos materiais, o sismo provocou grande redistribuição da matéria na Terra: na superfície, o tremor causou o desprendimento de glaciares no Ártico e estudos apontam que houve também deslocamento de massa no interior da Terra em direção ao núcleo.

"Para simplificar, podemos dizer que fenômenos que deixem a massa da Terra mais afastada do seu eixo de rotação, como o aumento da quantidade de água em oceanos na região equatorial, tendem a dificultar a rotação. Por outro lado, fenômenos que concentrem massa de forma próxima ao eixo de rotação terrestre, como a formação de geleiras em regiões polares ou abalos sísmicos de grande magnitude, acabam diminuindo o momento de inércia da Terra, o que leva o movimento de rotação a atingir maior velocidade."

A medição do tempo ao longo dos séculos

Imagine muitos horários diferentes em um único país - e não estamos falando de fuso ou horário de verão. Até a metade do século XIX, cada localidade definia o horário à sua própria maneira, sem uma referência comum, segundo o professor Marcelo Schappo.

Ele explica que à medida que a sociedade avançou, foi necessário estabelecer um modo compartilhado para marcação das horas, para que o sistema financeiro pudesse determinar o momento exato de transações, e os trens, as indústrias e as telecomunicações, por exemplo, pudessem operar com base em horários sincronizados em diferentes cidades.

"Um avanço importante nesse sentido ocorreu em 1884, quando diferentes países acordaram utilizar o GMT (Tempo Médio de Greenwich ou Greenwich Mean Time em inglês, também conhecido por Hora de Greenwich) como referência, um horário definido por meio de observações astronômicas realizadas em Londres. A partir dele, diferentes países e regiões podiam simplesmente adicionar ou remover horas ou frações de horas para determinar a hora local."

Mas foi em 1963 que o horário acordado mundialmente mudou, deixando de ser determinado astronomicamente, para ser medido por relógios de alta precisão, os relógios atômicos. Passamos a utilizar o UTC - Tempo Universal Coordenado.

Como medimos o tempo hoje?

"O segredo está no mundo dos átomos", afirma Schappo. Ele explica que o “segundo” é a unidade padrão para as medidas de tempo, e, atualmente, ele é definido como o intervalo de tempo necessário para que ocorram 9 bilhões, 192 milhões 631 mil 770 oscilações completas de uma onda eletromagnética específica emitida por um átomo de césio. 

Esta medição do tempo a partir das oscilações de uma onda eletromagnética é a base de funcionamento dos relógios atômicos, que entraram em operação na década de 1960. 

Neste vídeo, a agência governamental de tecnologia do Departamento de Comércio dos Estados Unidos - National Institute of Standards and Technology (NIST) - explica como funciona um deste relógios atômicos.

Atualmente são centenas deles espalhados pelo planeta. No mapa, estão algumas destas cidades, entre elas o Rio de Janeiro.

"O Bureau Internacional de Pesos e Medidas é responsável por colher as medidas de tempo de todos os relógios credenciados para fazer um cálculo que leva em consideração tanto a precisão de cada um como alguns efeitos relativísticos para determinar o que se chama de Tempo Atômico Internacional".

Mas como foi explicado no vídeo pelo professor Marcelo, o dia solar tem uma duração que sofre pequenas variações dia após dia, diferentemente do dia civil, que, por ser governado pelo horário UTC, tem sempre 24 horas exatas. 

"Isso acaba gerando uma discrepância que vai se acumulando ao longo do tempo e que, portanto, precisa ser corrigida. É um problema bem parecido com o que ocorre com o nosso calendário e que resulta nos anos bissextos. No caso das horas, a IERS (Serviço Nacional de Sistemas de Referência e Rotação da Terra) é responsável por manter o acompanhamento constante da duração dos dias solares e sempre comparar como anda a discrepância entre o ciclo do Sol e a hora UTC. Dessa forma, sempre que necessário, ela determina a aplicação dos chamados 'segundos intercalares' sobre o horário mundial. Quando isso ocorre, temos dias específicos que acabam durando ou 1 segundo a mais ou 1 segundo a menos que as 24 horas habituais." O último segundo intercalar aplicado foi no dia 31 de dezembro de 2016.

"No entanto, se a Terra permanecer muito tempo com a tendência recente, de dias solares mais curtos, talvez, pela primeira vez na história, seja necessário escolher um dia para que seja retirado 1 segundo das 24 horas oficiais. Vamos aguardar, pois só o tempo dirá", brinca Marcelo.

O tempo da Filosofia

Como vimos nas explicações físicas, precisamos de referência para percebermos o tempo, sejam as horas estabelecidas pelos relógios atômicos ou a observação do passar dos dias, meses e anos. Mas “o tempo em si” não é algo observável, como destaca o professor de Filosofia Volmir Von Dentz: 

Volmir afirma que podemos, portanto, falar em um tempo cosmológico, um tempo da natureza, que é o tempo das estações do ano, dos ciclos das plantas, das fases da lua, do ciclo das marés, etc. Mas também podemos falar de um tempo sociológico, que é o tempo do calendário, das festividades anuais, da organização da vida em sociedade, o tempo do relógio, cronometrando nossas atividades cotidianas. Ou então podemos falar das experiências subjetivas nas quais o tempo tem uma dimensão mais psicológica.

E sob o ponto de vista filosófico? Volmir explica que a filosofia busca uma visão de conjunto, pois almeja abarcar os fatos em sua totalidade e os fenômenos em sua complexidade. "E é possível colecionar inúmeras abordagens, se levarmos em conta as diferentes culturas, ou mesmo a história dos diferentes grupos humanos, das etnias e civilizações", afirma.

Ele exemplifica alguns períodos da história da humanidade:

- Na Grécia Antiga, o tempo na mitologia era representado pelo deus Chronos, que devorava seus filhos, simbolizando a força implacável do tempo que tudo consome, é o tempo corrido, cronológico. Havia também o deus Kairós, para simbolizar o tempo das oportunidades, que suaviza a crueldade da pressão e premência do tempo cronológico. 

- Na Filosofia Pré-Socrática, Parmênides argumentou que no fundo nada muda, na essência tudo permanece o mesmo, prevalece o ser, aquilo que é, e o ser é eterno. Por outro lado, Heráclito argumentou que tudo está no "vir-a-ser", todas as coisas são consumidas pelo tempo, tudo muda o tempo todo. Platão, por sua vez, pensou que haveriam “dois mundos” -  um das idealidades, das coisas eternas, que não mudam nunca, pois já são perfeitas ou perfeitamente boas, e outro das coisas imperfeitas, subordinadas ao tempo, à mudança, ao devir. 

- Na Idade Média, conforme a visão cristã, é Deus que controla o tempo. E Deus é eterno, atemporal. É ele o criador do universo e, portanto, do tempo, do dia e da noite, e de tudo o que existe. O pensador medieval, Santo Agostinho (354-430 d.C.) explicou que nós enquanto seres humanos não temos a possibilidade de compreender algo eterno, pois estamos imersos na temporalidade. 

- No período mais recente dessa longa história do pensamento filosófico, a Filosofia vem experimentando uma guinada culturalista de grandes proporções que nos faz pensar a partir de outras referências. Por exemplo, em sociedades tradicionais a necessidade de se orientar no tempo está mais ligada às atividades laborais voltadas para a subsistência que são coordenadas tendo por base os ciclos da natureza, tempo de plantar, tempo de colher, etc. Ao passo que nas sociedades industriais vigora o tempo do relógio, uma invenção humana, um tempo artificial, que regula de maneira rígida a cronologia diária, o ritmo de trabalho, entre outras inúmeras atividades. Enfim, o tempo pode ser comprado e vendido, há um controle do tempo, o tempo pode ser acelerado. 

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