IFSC VERIFICA Data de Publicação: 26 jan 2021 10:06 Data de Atualização: 20 mai 2024 16:18
Estamos há um ano convivendo com a Covid-19. No mundo todo, pesquisadores das mais diversas áreas tentam descobrir formas de combater o vírus, inclusive com medicamentos já conhecidos. Mas até agora, nenhum se mostrou eficiente para prevenir o contágio ou tratar casos nos primeiros dias de infecção, o que ficou conhecido no Brasil como “tratamento precoce”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), que reúne os estudos sobre a doença, alerta para a ineficácia do uso de medicamentos como cloroquina e vermífugos. No último dia 17 de janeiro, ao aprovar o uso emergencial de duas vacinas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reiterou que não existe tratamento precoce eficiente contra a Covid-19 e que a prevenção se dá pelo distanciamento social, uso de máscara e higiene das mãos. A Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) também emitiram nota relevante no último dia 19 alertando a população sobre os perigos de fake news a respeito destes medicamentos. Entidades advertem ainda para o risco de as pessoas usarem algum destes remédios e se sentirem protegidas, relaxando os cuidados de prevenção.
Os alertas são repetidos no momento em que o Brasil contabiliza mais de 210 mil mortes pela doença e vê crescer a disseminação de postagens sobre tratamento precoce, em que alguns remédios são sugeridos por governantes e até prescritos por médicos. É o caso da ivermectina, utilizada para combater vermes, piolhos e sarna. O presidente Jair Bolsonaro e o Ministério da Saúde fizeram diversas postagens em redes sociais sugerindo o antiparasitário. Em várias cidades, como em Itajaí (SC), ele consta da relação de medicamentos distribuídos pela prefeitura à população como forma de prevenção.
Para entender como este remédio se popularizou nesta pandemia e quais os riscos de usá-lo na prevenção ao novo coronavírus, o IFSC Verifica conversou com a farmacêutica Roberta Garcia Barbosa, professora do Câmpus São Miguel do Oeste, com a médica veterinária e doutora em saúde animal Carolina de Castro Santos, do Câmpus Canoinhas, e com o presidente da Associação Catarinense de Medicina (ACM), Ademar José de Oliveira Paes Junior. Neste post, vamos esclarecer:
- O que é a ivermectina, para que ela é indicada e como age no corpo humano?
- Como este medicamento passou a ser cogitado para prevenir e até tratar pacientes com Covid-19?
- O que as pesquisas científicas já concluíram sobre a ivermectina e a Covid-19?
- Ele pode ser receitado por médicos para pacientes com Covid-19?
- Quais os riscos de usar ivermectina?
O que é a ivermectina?
A ivermectina é um medicamento com ação antiparasitária. A médica veterinária Carolina de Castro Santos explica que, inicialmente, era comercializado para uso veterinário no controle de vermes e sarna em bovinos, cavalos, porcos e cães. “A formulação injetável para gado, chamada Ivomec, tornou-se o medicamento veterinário mais rentável e conhecido do mundo. Posteriormente, começou a ser utilizado como antiparasitário humano, principalmente em países africanos.”
O medicamento apresenta ação contra vermes internos e também contra ácaros e piolhos, tratando uma série de doenças como ascaridíase, escabiose, estrongiloidíase, filariose, larva migrans etc.
A farmacêutica Roberta Barbosa explica que sua ação se dá por meio da paralisação da musculatura dos vermes e parasitas, ocasionando a morte e eliminando-os do corpo. “O medicamento é rapidamente absorvido por via oral, atingindo uma concentração máxima no sangue em 4 horas, sendo eliminado em um período estimado de 12 dias.”
Por que a ivermectina foi cogitada como um tratamento para Covid-19?
Roberta explica que a fama deste medicamento para utilização contra a Covid-19 teve início em um estudo publicado em junho de 2020 por pesquisadores australianos. “Os cientistas obtiveram êxito ao avaliar o efeito da utilização da droga no combate ao vírus Sars-CoV-2 em ensaios in vitro. Porém, além de eliminar o vírus, o medicamento também matou as células. Neste estudo a ivermectina não foi testada em animais ou seres humanos, não foi avaliada in vivo.”
As células utilizadas para os testes in vitro são derivadas de rins de macacos e foram avaliadas em condições de laboratório, ou seja, o estudo foi conduzido de maneira que as células foram infectadas com o vírus em um sistema simples, sem a complexidade de um organismo vivo. “Identificar o efeito in vitro de um fármaco sobre algum vírus é algo extremamente comum e muitas vezes o efeito benéfico não é reproduzido nos testes clínicos em animais ou humanos.”
Segundo ela, outro grande problema relacionado ao estudo e alertado pela Declaração do Comitê de Especialistas em Ivermectina é de que os resultados laboratoriais que mostram a eficácia da ivermectina para reduzir as cargas virais em culturas de laboratório foram em doses bem acima (10 vezes) às aprovadas pelo FDA (Food and Drug Administration) - agência federal de saúde dos Estados Unidos - para o tratamento de parasitoses em humanos.
Paralelamente, outros dois trabalhos, conduzidos com avaliação in vivo, foram publicados, mas nenhum deles teve revisão por outros cientistas, ou seja, os trabalhos não foram publicados formalmente e, portanto, não possuem validade científica.
Diante desses resultados, a OMS excluiu a ivermectina de seu ensaio “Solidarity Trial” para tratamentos da Covid-19, uma iniciativa co-patrocinada para encontrar um tratamento efetivo para a doença. A OMS alega que “estudos sobre ivermectina tinham um alto risco de viés, muito pouca certeza de evidências, e as evidências existentes eram insuficientes para se chegar a uma conclusão sobre benefícios e danos.”
O mesmo alerta serve para outros antiparasitários difundidos durante a pandemia, como a nitazoxanida, conhecida como Anitta. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) também reitera, neste documento, que não há comprovação científica sobre os benefícios desses vermífugos no combate à Covid-19. Além disso, segundo a SBI, os medicamentos podem causar efeitos colaterais. Confira a nota da AMB e SBI sobre tratamento precoce e vacina:
A SBI esclarece ainda que a orientação está alinhada com as recomendações das seguintes sociedades médicas científicas e outros organismos sanitários nacionais e internacionais, como: Sociedade de Infectologia dos EUA (IDSA) e da Europa (ESCMID), Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH), Centros Norte-Americanos de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde do Brasil (Anvisa).
Médicos têm liberdade de prescrição
Apesar de os organismos internacionais e a própria Anvisa não recomendarem o uso de vermífugos no combate à Covid-19, os médicos brasileiros têm garantida a liberdade de prescrição pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), informa o presidente da Associação Catarinense de Medicina (ACM), Ademar José de Oliveira Paes Junior.
Segundo ele, “o médico tem a liberdade para fazer o melhor julgamento diante de cada caso individualizado, mas conversando com o paciente, explicando sobre os cuidados para evitar a transmissão e esclarecendo que não existem estudos conclusivos para a prescrição.”
Segundo ele, é necessário continuar estudando e aguardar. “São medicações muito baratas. Se um dia conseguir evoluir para um uso com comprovação pode ser interessante no aspecto da saúde pública.” Mas adverte que existem apenas estudos de correlação em estágio inicial. No áudio a seguir, ele fala sobre dois conceitos importantes e que explicam melhor como as pesquisas são conduzidas: correlação e causa-efeito.
Os riscos de adotar o remédio como estratégia de saúde pública
Apesar da liberdade de prescrição garantida aos médicos, o presidente da ACM alerta que isso é bem diferente de adotar um medicamento sem comprovação científica como estratégia de saúde pública, com investimentos e campanhas de comunicação. “Ainda que nosso órgão máximo, que é o Ministério da Saúde, no seu guia oficial, coloque o remédio como tratamento”, adverte.
O governo federal tem adotado como estratégia de combate à Covid-19 a recomendação pelo tratamento precoce, que inclui a ivermectina e a cloroquina.
O presidente Jair Bolsonaro é defensor do uso destes medicamentos e já teve postagens em redes sociais marcadas como “enganosas” por disseminarem informações falsas. Isso aconteceu também com a conta do Ministério da Saúde, que no dia 16 de janeiro teve uma postagem sobre tratamento precoce marcada como “enganosa” pelo Twitter. Dois dias depois, o ministro Eduardo Pazuello afirmou que não orientou o uso de medicamentos sem comprovação científica contra a Covid-19 e que a recomendação é por “atendimento precoce” e não “tratamento precoce”.
Vendas do vermífugo dispararam
Diante da disseminação de informações falsas sobre a eficácia da ivermectina, as vendas do medicamento cresceram 466% de janeiro a novembro de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019, conforme dados obtidos pela coluna Painel do jornal Folha de S. Paulo.
Por conta deste aumento de demanda, em julho de 2020, a Anvisa determinou a necessidade de utilização de receituário médico em duas vias para a aquisição de ivermectina, mas em setembro a exigência de retenção de receita não era mais necessária pois o medicamento não estava mais sob a ameaça de desabastecimento de mercado.
Para a farmacêutica Roberta, em um momento de pandemia como o que nos encontramos, em que estamos em busca de respostas e soluções, a população angustiada se deixou levar pelas promessas de uma prevenção ou cura fácil e barata. “O que se viu foram prefeituras gastando milhões na compra do medicamento e muitas pessoas correndo para comprar estoques do fármaco para uso semanal, e ainda pior, nas versões veterinárias. Ao contrário de estarem protegidas e imunes, as pessoas podem estar sendo negligentes e induzidas ao autoengano.”
Ela rebate alguns depoimentos e frases comumente vistas em redes sociais relacionadas ao antiparasitário, como “eu tomei a medicação e não peguei a Covid-19”, ou, “eu peguei a Covid e tomei ivermectina e não tive complicações nem morri com a doença” ou ainda “eu estou tomando, afinal não irá me fazer mal”.
“Podemos rebater estas afirmações com os números oficiais de infectados no Brasil. A primeira frase explica-se pelo fato de que somos 209,5 milhões de pessoas e 8,5 milhões de casos de Covid confirmados (embora exista a expectativa de este número é cerca de 6 vezes maior), ou seja, não foi o fato de tomar um medicamento que fez com que você não adquirisse a doença e sim o fato que o vírus ainda não chegou até você. Já na segunda frase podemos lembrar que, do total de pessoas que pegou a doença, apenas 20% terão a forma grave, e destes, em torno de 1 a 3% chegarão ao óbito, ou seja, mesmo sem tomar a medicação você estaria entre a maior parte da população que não possui complicações mais severas. Fazendo uma analogia, caso você tome ivermectina ou chá de camomila, suas chances de desenvolver a forma mais severa continua sendo 20%, ou seja, não se altera com o uso do fármaco ou de qualquer placebo. E sobre a última frase devemos sempre lembrar a população dos riscos de ingestão de qualquer medicamento.”
Os especialistas ouvidos neste post fazem mais um alerta: a automedicação é um perigo! Carolina esclarece que existem advertências para o uso da ivermectina até mesmo para o uso a que se destina: “A dosagem é variável dependendo do tipo de parasita presente no organismo e também do peso do paciente. O medicamento deve ser usado com cautela em pacientes que fazem uso de medicamentos que deprimem o Sistema Nervoso Central, como medicamentos para o tratamento de insônia, ansiedade, alguns analgésicos ou mesmo bebidas alcoólicas, sendo contraindicado o seu uso em gestantes, lactentes, crianças menores que 5 anos ou em caso de hipersensibilidade aos componentes da fórmula.”
O uso indiscriminado desse medicamento pode causar lesões cutâneas, urticária, inchaço, dor de cabeça, tontura, falta de disposição, náusea, vômitos, dor abdominal, diarreia, convulsões, alteração do equilíbrio, falta de ar e alterações na sensibilidade.
Os riscos podem ser maiores se houver interação com outros remédios. O médico Ademar Paes Junior adverte ainda: “Tem muito paciente diabético ou hipertenso que suspende a medicação de uso contínuo para tomar a nova medicação. Alguns pacientes têm histórico de alergia e esquecem na hora de comprar.” Ele esclarece que mesmo um remédio para dor de cabeça deve ser prescrito inicialmente por um médico.
Roberta informa que se tem registro até de utilização das versões veterinárias, de forma injetável. Ela alerta ainda que a utilização deste fármaco traz risco à saúde por provocar interação com outros medicamentos. “Importante salientar que, em casos de intoxicação acidental, deve-se procurar assistência médica imediatamente.”
Os especialistas advertem ainda para o risco de uma “proteção fantasiosa” contra o vírus.“De forma alguma os cuidados de prevenção podem ser relaxados”, completa o presidente da ACM.
No áudio a seguir, ele faz uma avaliação do que faltou e ainda falta para enfrentar a doença no Brasil:
Para saber o que já aprendemos sobre a Covid-19, clique aqui.
Cuidado com a desinformação
Circula pelas redes sociais muita desinformação relacionada ao uso da ivermectina. Constantemente, as agências de checagem esclarecem posts destacando o seu teor. Um dos mais recentes é sobre um estudo britânico que não prova que ivermectina reduz mortes por Covid-19 em 75%.
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