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Devemos nos preocupar com a monkeypox?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 30 ago 2022 09:20 Data de Atualização: 20 mai 2024 17:51

Em 23 de julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o atual surto de varíola dos macacos (monkeypox) constitui uma emergência de saúde pública de importância internacional. Desde maio, foram notificados mais de 44 mil casos em pelo menos 97 países. No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em junho e, atualmente, o País já é o terceiro em número de casos com mais de 4 mil ocorrências confirmadas e 5 mil suspeitas. Dois anos após o mundo enfrentar a pandemia de Covid-19 - que ainda não acabou -, será que teremos outra?

No post deste mês do IFSC Verifica, conversamos com a professora do curso técnico em Enfermagem do Câmpus Florianópolis do IFSC Ângela Kirchner e com a epidemiologista e professora do Departamento de Saúde Pública da UFSC Alexandra Boing para abordar as seguintes questões:

  • - O que é a monkeypox?
  • - Quais os principais sintomas da doença?
  • - Quais os cuidados para evitar a contaminação?
  • - O que fazer em caso de suspeita?
  • - Qual o cenário da doença em Santa Catarina e no Brasil?
  • - Há chance de a monkeypox virar uma pandemia?
  • - Como deve ser a vacinação para a doença?

Varíola dos macacos ou monkeypox?

A monkeypox é uma doença causada pelo orthopoxvírus, da mesma família do vírus que causava a varíola comum, extinta na década de 80. É uma doença que pode infectar tanto seres humanos quanto animais e foi por isso que acabou sendo conhecida como varíola dos macacos - uma vez que a descoberta inicial do vírus foi em macacos em um laboratório dinamarquês em 1958. 

Embora “monkey” signifique macaco em inglês, a professora do IFSC Ângela Kirchner recomenda usar a terminologia científica “monkeypox” ao invés de varíola dos macacos. “É uma tentativa de que a gente minimize os riscos dos pobres animais que acabam sendo vítimas dos seres humanos, que não têm o entendimento de que eles também são meros hospedeiros transitórios, como nós, e que não são os originários”, explica. Inclusive, segundo a OMS, atualmente a maioria dos animais suscetíveis a este tipo de varíola são roedores, como ratos e cães-da-pradaria, e não macacos.

Como a monkeypox é transmitida?

A doença pode ser transmitida por contato direto com uma pessoa contaminada ( por gotículas respiratórias, lesões e fluidos corporais) e indireto, por meio de objetos como roupas, toalhas, roupas de cama, pratos, copos e talheres. Uma pessoa pode transmitir a doença desde o momento em que os sintomas começam até as feridas na pele cicatrizarem completamente. “Diferente da varicela (catapora), que quando já está em crosta a pessoa não precisa mais fazer isolamento, a monkeypox tem que manter o isolamento até acabarem todas as crostas”, alerta a professora do IFSC. Segundo Ângela, em média, esse isolamento dura 21 dias, mas o período dependerá da cicatrização das erupções cutâneas, já que, enquanto elas não sanarem, ainda há risco de transmissão do vírus.

Os principais sintomas da doença são febre, dores no corpo, dor de cabeça, inchaço dos linfonodos (ínguas) e erupções cutâneas (feridas). Ângela alerta que o quadro inicial pode parecer uma gripe e, por isso, é importante que, se houver sintomas, a pessoa já utilize máscara facial - para evitar a transmissão para outras pessoas - e procure um atendimento médico para confirmar ou descartar o diagnóstico da doença. 

-> Tire suas dúvidas sobre a doença neste material desenvolvido pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina

No vídeo abaixo, a professora do IFSC explica as formas de transmissão da doença e os cuidados que devemos ter para evitar a contaminação:

A confirmação da doença é feita por meio de um teste de PCR - que não é o mesmo feito para Covid-19 - após uma avaliação clínica. “Podem ser pedidos os exames de sangue para diagnóstico diferencial, mas o diagnóstico de confirmação é através do PCR”, reforça Ângela. 

A maioria dos casos é leve e o tratamento é feito com o isolamento em casa e analgésicos para a dor gerada pelas lesões. “A maior parte das pessoas que necessitam de atendimento hospitalar internam para tratar a dor, que é muito intensa, ou ainda pode haver casos em que a pessoa evolua para uma complicação respiratória grave”, explica Ângela. Em 26 de agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a dispensa de registro para que o Ministério da Saúde importe e utilize no Brasil o medicamento Tecovirimat, para tratamento da doença monkeypox.

Segundo a professora do IFSC, por ser uma doença nova ainda, não há estudos suficientes sobre sequelas da monkeypox.  “Até o presente,  o que se tem relatado como sequelas são as cicatrizes das lesões, que podem levar à cegueira em caso de lesões nos olhos e a encefalite”, informa.

Ângela explica que, mesmo sendo um vírus que infecta humanos desde 1970, devido a sua característica endêmica, não foram desenvolvidas pesquisas significativas sobre seu comportamento. “Quando dizemos que é uma doença nova, é no sentido de ainda não haver estudos suficientes para apontar respostas consistentes sobre o comportamento e evolução da doença em uma perspectiva de global”, complementa.

Existem grupos de risco quando se trata de monkeypox?

A professora de Enfermagem do IFSC destaca que não existe um grupo que tenha mais chances de contrair a doença, mas que, em algumas pessoas, há mais chance de haver complicações:

A professora do Departamento de Saúde Pública da UFSC Alexandra Boing reforça que agora os casos estão se espalhando para toda a população. “A gente já tem casos em mulheres, grávidas, crianças, adolescentes”, destaca. A epidemiologista esclarece que, quando se fala em grupo de risco, trata-se também das pessoas que podem ter maiores complicações se forem contaminadas. “Quem tem maiores complicações são principalmente as pessoas com imunossupressão e as crianças, então é importante a gente estar atento para esses grupos”, alerta.

Teremos uma nova pandemia?

Embora a OMS já considere o atual surto de monkeypox como uma emergência de saúde pública, a epidemiologista e professora da UFSC destaca que não é motivo para pânico, mas é preciso ficarmos em alerta - uma vez que os números de casos já são expressivos e estão crescendo de forma exponencial. “Mesmo que a monkeypox não assuma maiores proporções, porque ela é diferente da Covid-19 tanto em relação à gravidade como à mortalidade, a gente vai precisar continuar acompanhando, avaliando o impacto e pode sim se tornar um evento pandêmico, mas de proporções diferentes do que a gente vivenciou e está vivenciando com a pandemia da Covid-19”, explica Alexandra.

A professora do IFSC também não descarta a possibilidade da monkeypox virar uma pandemia. No vídeo abaixo, Ângela destaca os cuidados essenciais para evitar que isso aconteça:

O que o Brasil precisa fazer para enfrentar a Monkeypox?

Para a professora do Departamento de Saúde Pública da UFSC, o Brasil não pode cometer os mesmos erros que fez no enfrentamento da Covid-19. Alexandra é uma das autoras de um artigo publicado neste mês por um grupo de pesquisadores de instituições de pesquisas brasileiras e da Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) que sugere ações para o enfrentamento à monkeypox. No artigo intitulado “Monkeypox: o que estamos esperando para agir?”, os pesquisadores criticam a  negligência  e lentidão do Brasil para a resposta ao enfrentamento da doença.

Os cientistas chamam a atenção para a falta de estrutura laboratorial para diagnóstico rápido da monkeypox, a desestruturação dos serviços de vigilância, as limitações de se  estabelecer  um sistema de informação em saúde transparente, ágil e apto para registrar e disseminar dados em tempo real, além das limitadas ações de capacitação aos trabalhadores de saúde e insuficientes iniciativas de comunicação adequadas para a população e de combate ao estigma. 

No vídeo abaixo, Alexandra comenta o que o País deveria fazer para enfrentar a doença:

O artigo foi publicado em 1º de agosto. Na semana passada, em 22 de agosto, o Ministério da Saúde lançou uma Campanha Nacional de Prevenção à Varíola dos Macacos. No entanto, para a professora da UFSC, o Brasil ainda precisa avançar mais nas estratégias e ações para lidar com a doença. Na sua avaliação, a campanha de comunicação do Governo precisa ser mais robusta e efetiva e o plano de contingência recentemente publicado possui muitas deficiências. Apesar de ter havido investimentos e ampliação da capacidade dos laboratórios diagnósticos no País, a epidemiologista considera ainda insuficientes. “A gente precisa avançar de forma importante, com base em experiências internacionais. Sabemos o que precisa ser feito, temos informação e evidência científica disponível, então é necessário implementar”, destaca.

Cenário da monkeypox em Santa Catarina

De acordo com o relatório divulgado pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina (Dive) em 30 de agosto, o Estado já contabiliza 94 casos confirmados de monkeypox, sendo que os municípios com maior ocorrência até o momento são Florianópolis (34), Joinville (11), Balneário Camboriú (9) e Blumenau (9). Além disso, 291 casos suspeitos estão em investigação. Os dados estão sendo atualizados semanalmente neste site da Dive.

A professora da UFSC observa que este é um número significativo. “É importante sim estarmos em alerta, assim como o país inteiro”, afirma a epidemiologista. Pelo boletim divulgado pelo Ministério da Saúde em 30 de agosto (nº 43 SE 35), Santa Catarina é o sétimo estado brasileiro com maior número de incidência de monkeypox. A atualização dos casos pode ser acompanhada aqui.

Segundo a Dive, todos os serviços de saúde do Estado estão cientes para que haja reforço na identificação precoce dos casos e na orientação da importância do isolamento da pessoa infectada para evitar a transmissão para outras pessoas, em especial aquelas dos grupos mais vulneráveis como crianças, gestantes e imunodeprimidos. Os casos identificados e confirmados são acompanhados pela Vigilância Epidemiológica Estadual. 

-> Veja as notas técnicas publicadas pela Dive alertando as unidades de saúde sobre a monkeypox e com orientações sobre o encaminhamento de casos suspeitos

Vacinação contra a monkeypox

Uma das estratégias para conter o aumento de casos de monkeypox é a vacinação, que já começou a ser feita em outros países. Em 25 de agosto, a Anvisa aprovou a dispensa de registro para que o Ministério da Saúde importe e utilize no Brasil a vacina Jynneos/Imvanex para imunização contra a monkeypox. O imunizante é destinado a adultos com idade igual ou superior a 18 anos.

A expectativa é que a vacinação na população brasileira seja iniciada nos próximos meses, mas a epidemiologista Alexandra pondera que o número de imunizantes que deve chegar ainda é insuficiente pelo número de casos já registrados e para o tamanho da população que irá precisar dessa vacina. “É importante que a gente tenha uma proatividade do governo em nível nacional para conseguir negociar e conseguir uma quantidade muito maior de vacinas”, avalia.

A princípio, a vacina contra a monkeypox não deve ser uma vacinação em massa - como aconteceu com a Covid-19. “Ela vai ser focada provavelmente em grupos de risco e grupos prioritários e alguma ação específica focada na pós-exposição, ou seja, pessoas que tiveram contatos com casos para que a gente tente quebrar essa cadeia de transmissão”, explica a professora da UFSC.

No Brasil, quem nasceu antes da década de 80 já foi vacinado para varíola comum. No entanto, isso não garante proteção contra a monkeypox. “Pensando que já faz 40 anos, então a gente não tem mais uma imunidade residual que desse conta e não vai fazer uma diferença você ter recebido a vacina”, afirma a professora do IFSC Ângela Kirchner. 

Para a epidemiologista Alexandra, esta é uma questão ainda em aberto. “Apesar de alguns estudos apontarem para uma imunidade de longa duração, a gente sabe também que existe uma perda”, pondera. A professora do UFSC chama a atenção para o cuidado com este tipo de informação, que pode dar a entender que algumas pessoas não precisam se preocupar por já terem imunidade. “Está em aberto, a gente não sabe qual é essa proteção conferida, então a gente precisa realmente lançar mão de estratégias que a gente tem certeza da sua evidência e do seu impacto”, enfatiza.

Cuidados necessários

Ambas as especialistas destacam a importância do uso de máscara e da higienização das mãos para evitar a contaminação pelo vírus que causa a monkeypox. “Os cuidados continuam sendo importantes para evitar a Covid-19 e também para a monkeypox”, ressalta Alexandra. 

A professora do IFSC também lembra que ainda estamos passando por uma pandemia. “A Covid-19 continua fazendo vítimas diariamente, então protejam-se e cuidem dos demais”, recomenda Ângela.

Infográfico com cuidados com a monkeypox

Mais informações

-> Acesse a lista completa de recomendações da OMS relacionadas à monkeypox
-> Acompanhe os casos confirmados de monkeypox pelo mundo num mapa da OMS
-> Acesse a página do Ministério da Saúde com informações sobre a monkeypox
-> Acompanhe as informações da monkeypox em Santa Catarina

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Democracia: realidade, mentira ou utopia?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 29 out 2024 20:05 Data de Atualização: 29 out 2024 21:42

Você acha que vivemos numa sociedade democrática? No Brasil, as eleições regulares, realizadas a cada dois anos, garantem que sejamos uma democracia plena? E, de acordo com o seu zap, o episódio de 8 de janeiro de 2023 foi ou não uma tentativa de golpe contra a democracia?

Independentemente de golpe, cadeirada em debate eleitoral ou voto impresso e auditável, o fato é que no dia 25 de outubro comemoramos no país o Dia da Democracia. A origem da data, porém, não é tão festiva.

Criação da data

O Dia da Democracia foi criado para lembrar a morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em 25 de outubro de 1975, em São Paulo, no período da ditadura militar. Vladimir era diretor de jornalismo da TV Cultura e, na véspera de seu assassinato, foi chamado ao Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) para dar esclarecimentos sobre suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Na sede do DOI-CODI, o jornalista foi torturado e assassinado, embora o governo militar tenha informado, na época, que Vladimir havia se enforcado na cela. A foto apresentada como comprovação da causa da morte ficou famosa pois desmentia a versão oficial dos militares, mostrando que o jornalista precisaria ter se enforcado numa posição que suas pernas alcançariam facilmente o chão.

A plantinha frágil

É atribuída ao primeiro presidente brasileiro eleito após o Estado Novo, em 1946, Eurico Gaspar Dutra, a seguinte frase: “A democracia é uma plantinha tão frágil que precisa ser regada todos os dias”. Mesmo dita num contexto em que as eleições não abarcavam todos os brasileiros, ela permanece como uma referência a respeito da vulnerabilidade do regime democrático.

Mas o que seria essa tal democracia que precisa ser regada, ou seja, protegida? A professora de Sociologia do IFSC em Jaraguá Mariana de Fátima Guerino apresenta a “democracia” como uma invenção social. “É um pacto criado por pessoas em um determinado período histórico, onde se entendeu que era bom que as pessoas se reunissem e decidissem coletivamente sobre os rumos. É uma construção social artificial, porque ela não é natural. O bebê não nasce democrático, né?”, resume.

Do ponto de vista histórico, essa invenção social ocorreu na Grécia Antiga, mais precisamente em Atenas. A experiência ateniense, porém, foi soterrada quando o país passou a ser dominado pelo Império Romano, fazendo com que o modo de governo baseado no poder do povo ficasse “esquecido” até a ascensão do movimento iluminista, já na Idade Moderna. As ideias do Iluminismo reacenderam os princípios da democracia e fizeram com que a população demandasse o fim do poder absoluto dos reis, gerando revoluções tanto na Europa quanto na América.

Segundo o professor de História Jean Raphael Zimmermann Houllou, também de Jaraguá do Sul, a maneira como a humanidade se constituiu mostra como a vivência da democracia é, na verdade, uma exceção na cronologia do mundo. “A democracia é uma experiência não tão comum na história humana. Na verdade, ela é uma exceção se a gente observar os tempos da civilização. E, além disso, quando ela é implantada é com muita dificuldade, com revolução. Por quê? Porque se mexe com interesses de poderosos que dominam de forma muito mais autoritária aquela sociedade”, destaca.

Confira, nas palavras do professor Jean, o resumo da experiência democrática desde a Grécia até o surgimento do Iluminismo:

As contradições na Terra das Palmeiras

Enquanto o mundo reaprendia o que era democracia, o Brasil vivia sob a gestão de um imperador. Desta maneira, nosso país também precisou passar por diversas etapas até alcançar o modelo de democracia que conhecemos hoje.

A independência brasileira, em 1822, foi um passo tímido em direção ao rompimento dessas amarras com o autoritarismo, pois Dom Pedro I manteve uma postura absolutista e dissolveu, com apoio dos militares, a primeira tentativa de uma Constituição mais democrática.

A monarquia permaneceu sob Dom Pedro II, que governou por 50 anos, utilizando-se da divisão política entre partidos existentes no Brasil, mas mantendo o poder moderador. A Proclamação da República, em 1889, trouxe a Constituição de 1891, mas o sistema político era ainda dominado pelos coronéis, com eleições controladas pela elite rural e um voto aberto que favorecia a aristocracia – o chamado “voto de cabresto”.

A Era Vargas, iniciada em 1930, buscou romper com essa estrutura oligárquica, mas Getúlio Vargas governou de maneira autoritária durante 15 anos, concentrando poder, apesar de promover avanços sociais e trabalhistas. Após sua renúncia, o Brasil experimentou um curto período democrático, a chamada República Populista, onde presidentes como Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros foram eleitos e as classes populares ganharam mais espaço político.

No entanto, a democracia foi interrompida pelo golpe militar de 1964, que instaurou uma ditadura até a década de 1980. A redemocratização veio com a Constituição de 1988, consolidando a democracia atual. “A primeira eleição após a ditadura, porém, não foi direta, mas indireta. E, de lá pra cá, tivemos presidentes eleitos, mas dois deles [Fernando Collor e Dilmar Rousseff] sofreram processo de impeachment, que num presidencialismo não costuma ser tão comum”, evidencia o professor Jean.

No vídeo a seguir, o professor de História do IFSC detalha como ocorreu o processo de democratização em território nacional ao longo do tempo:

Que show da democracia é esse?

Com o fim da ditadura militar e a implantação da Constituição de 1988, o Brasil passou a ser considerado um Estado Democrático de Direito. Hoje é permitida a livre associação a partidos políticos e a livre manifestação do pensamento, desde que não gere calúnia, difamação ou injúria a outra pessoa, ou ainda não exponha informações que sejam consideradas protegidas ou sigilosas.

Como democracia, passamos a eleger nossos representantes em diversos níveis: nas cidades, escolhemos os vereadores e prefeitos; nos estados, elegemos deputados estaduais e governadores; nacionalmente, votamos em deputados federais, senadores e presidente. E, como são nossos representantes que criam, conduzem e fiscalizam as políticas públicas, chamamos este sistema de democracia representativa.

No entanto, a representatividade a que se propõe o atual sistema é limitada. Grupos numericamente majoritários como mulheres (que são 52% do eleitorado) e negros (56% da população brasileira) ou aqueles que são marginalizados – como a comunidade LGBTQIAP+ e os indígenas – são sub-representados nos espaços de poder, fazendo com que as decisões políticas acabem sendo dominadas por um grupo restrito que não reflete a diversidade da população.

Assista, no vídeo a seguir, a crítica feita pelo professor Lino Gabriel dos Santos Nascimento, do Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, sobre o tema, num trecho da entrevista concedida pelo docente de Moda e Antropologia ao projeto de extensão Conversa Cidadã.

Essa visão aponta falhas que, no atual sistema representativo, perpetuam a exclusão de grande parte da população.

Democracia de verdade

Mas qual seria, então, o objetivo final de um regime democrático, seja ele representativo, direto ou qualquer outro? O professor de Filosofia Cleyton Murilo Ribas utiliza a obra do italiano Norberto Bobbio para ilustrar o que seria, em última análise, vivermos numa democracia plena.

De acordo com Cleyton, existem dois patamares na democracia: o formal e o substancial. “A democracia formal seria aquela com os elementos básicos, como o voto universal e secreto, o pluripartidarismo, a autonomia entre os poderes [executivo, legislativo e judiciário], a garantia da liberdade de expressão e de pensamento. Nós podemos dizer que o estado brasileiro é uma democracia formal. Mas a questão principal que Bobbio problematiza é a democracia substancial, que está ligada ao conceito de igualdade e que se efetiva por meio de aspectos como garantia de moradia, garantia de saúde, qualidade no emprego, emprego para todos, superação do analfabetismo e que todos que quisessem teriam a mesma chance de, inclusive, alcançar o poder”, relata.

Para alcançar o patamar da democracia substancial, faltaria, no entanto, ainda aos brasileiros uma compreensão compartilhada do que são, efetivamente, conceitos como democracia, política e bem comum. Veja, no vídeo, como o professor de Filosofia apresenta este desafio:

A atual ditadura brasileira

Um sintoma da diferença de entendimentos que existem sobre as questões apontados pelo professor Cleyton é percebido em diálogos comuns no dia a dia. Ao abordar um colega, amigo ou até mesmo familiar sobre situações da vida cotidiana, não é raro que a conversa deságue em críticas ao governo e aos políticos.

E, quando a conversa evolui, às vezes nos surpreendemos com falas que destoam da maneira como a sociedade funciona. Afinal, quem nunca viu ou ficou sabendo de alguém que acha que o Brasil passa, atualmente, por um período ditatorial?

Mas como funcionaria esta ditadura que opera dentro de um sistema com eleições e todos os demais requisitos da tal democracia formal? Onde está a censura a produções culturais como livros e filmes? Quais ideias estão sendo permitidas e quais estão sendo condenadas?

A constatação, entretanto, de que é possível falar publicamente que vivemos numa ditadura – e não numa democracia – evidencia uma contradição. “O simples fato de alguém poder dizer que o Brasil é uma ditadura e não ser cerceado em sua liberdade de expressão já mostra a contradição da frase. Pois se o Brasil fosse uma ditadura, essa pessoa não teria condições de se pronunciar, ou se pronunciaria apenas uma vez”, alerta o professor de Filosofia do IFSC.

A descrença no funcionamento da democracia parece ser um fenômeno que afeta, principalmente, pessoas mais jovens. O estudo“Open Society Barometer: Can Democracy Deliver?” (numa tradução livre: “A Democracia Cumprirá suas Promessas?”) aponta que 57% dos jovens de 18 a 35 anos consideram a democracia preferível em relação a outros tipos de governo; o percentual sobe para 71% em pessoas com mais idade.

No mesmo estudo, 35% dos jovens acham que um líder forte que não se preocupa com eleições seja um caminho positivo para o governo; entre as pessoas acima de 56 anos, o percentual cai para 26% dos respondentes.

Não ter vivenciado na pele a realidade de uma ditadura seria, segundo o professor de História Jean, um dos principais elementos que levariam jovens a cogitarem a mudança para um regime mais autoritário. “Quando a gente tem esse passado recente de uma ditadura militar e você vê pessoas novamente indo à rua pedindo intervenção militar, isso acende uma luz de alerta. Se formos por este caminho, a democracia pode morrer e podemos voltar a um período muito longo justamente de falta de democracia”, avisa.

A insatisfação manifestada pelas pessoas e atribuída ao mal funcionamento da democracia, por sua vez, pode estar ligada a um outro fator. Algo não relacionado à escolha de nossos representantes, mas igualmente fundamental para entendermos a nossa sociedade.

A professora Mariana, responsável pelas aulas de Sociologia no Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, argumenta que a democracia está historicamente ancorada no capitalismo, um sistema que, por natureza, não parte da premissa de igualdade. Segundo ela, o capitalismo não admite que todos tenham direitos iguais, o que torna contraditória a ideia de que é possível viver numa democracia plena. “Embora as pessoas votem e escolham seus representantes, esses governantes eleitos acabam vinculados a interesses capitalistas, o que faz com que a democracia seja influenciada pelas dinâmicas desse sistema econômico. Assim, a democracia constantemente precisa fazer concessões para se alinhar ao capitalismo”, explica.

A relação entre democracia e capitalismo é marcada por um equilíbrio instável, onde a democracia parece sempre estar ajustando suas práticas para se adequar ao funcionamento capitalista. Isso limita a verdadeira representação do povo, já que os interesses econômicos muitas vezes prevalecem sobre as promessas políticas feitas durante campanhas eleitorais.

Por fim, Mariana aponta que a democracia, em muitos casos, funciona como uma ferramenta que "maquia" a realidade, ajudando as elites dominantes a parecerem mais preocupadas com o bem-estar social do que realmente são. “Muitos governantes fazem promessas de inclusão e igualdade, mas não necessariamente cumprem o que prometem. A democracia, assim, pode ser usada para camuflar a exploração capitalista, criando uma aparência de preocupação com o coletivo, mas sem um compromisso genuíno com a igualdade social”, lembra.

Assista, no vídeo, como a professora Mariana detalha a relação entre democracia e capitalismo, inclusive apontando o papel das lideranças políticas neste sistema.

A frustração ou outros sentimentos que fazem algumas pessoas pensarem que vivem numa ditadura não seriam, então, causadas especificamente pela efetiva falta de democracia. Haveria uma contradição inerente entre viver sob o capitalismo e viver numa democracia plena. "Enquanto caminhamos em direção à melhoria das condições de vida para todas as pessoas, o capitalismo possui regras ditatoriais que impedem este avanço”, destaca.

Quando direitos de minorias começam a ser ampliados, uma parcela privilegiada da sociedade é acometida de um grande desconforto. “A lei das cotas, por exemplo. Mesmo após anos em vigor, as cotas ainda causam incômodo em muitas pessoas”, ilustra.

A situação de incômodo percebida por muitas pessoas em meio ao regime de democracia é o foco da professora Mariana no vídeo a seguir. Confira:

Fazendo democracia na escola

Se, por um lado, é necessário questionar a forma como está organizada a sociedade – e este questionamento efetivo só é possível dentro de um regime que permita a livre expressão, como na democracia –, por outro lado é preciso reconhecer que a escola está inserida nesta mesma forma de organização social, reproduzindo suas falhas. “O sistema educacional está profundamente ligado aos conceitos de sucesso e fracasso, os quais favorecem estudantes de maior poder socioeconômico, que acabam ocupando os postos de trabalho mais reconhecidos e bem remunerados. Isso faz com que a educação perpetue diferenças sociais que são antidemocráticas”, retoma o professor de Filosofia Cleyton Ribas.

Para que uma democracia plena seja possível, é necessário repensar o processo educacional, revisando desde formas de avaliação até outras questões que, no processo de ensino e aprendizagem, podem contribuir para a manutenção da desigualdade entre estudantes. Veja como Cleyton relaciona a importância de repensarmos o funcionamento do sistema de educação:

Os desafios da escola também estão presentes em aspectos pontuais do cotidiano. Para a formação de uma consciência democrática, um dos percalços reside na elaboração dos currículos, que devem ir além do conteúdo e prever a promoção de uma educação crítica. Segundo a pedagoga Janete Godói, que é técnica em assuntos educacionais no Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, a escola precisa dar condições para que estudantes percebam seu papel social, revisitem o passado e participem ativamente da construção do futuro. “O currículo deve incentivar a reflexão, permitindo que os estudantes contribuam com suas próprias visões e experiências. A educação, portanto, deve ser formadora e emancipadora, preparando os alunos para serem sujeitos ativos na sociedade, capazes de participar do espaço social com uma perspectiva mais ampla e coletiva”, defende.

No entanto, Janete destaca que as instituições enfrentam muitas limitações para implementar esse tipo de educação crítica. Após as últimas reformas do ensino médio, o currículo foi esvaziado, tornando-se mais reprodutivista do que reflexivo. “As reformas priorizaram uma educação voltada para melhorar índices e estatísticas, em detrimento de uma formação integral que prepare o estudante para ser um agente de sua própria história”, lamenta.

Além disso, a formação dos professores é um obstáculo significativo. Embora alguns educadores selecionem bons conteúdos e se dediquem a preparar currículos de qualidade, muitos entram na profissão sem o compromisso de realmente transformar a sociedade. “Isso resulta em uma formação esvaziada, que enfraquece ainda mais a capacidade das escolas de fomentar uma verdadeira consciência democrática nos alunos”, alerta a pedagoga.

A escola deve ser, ainda, um ambiente de treino para a convivência em grupo, desconstruindo individualismos e fazendo com que estudantes e educadores experimentem o convívio com a diferença e funcionamento de ambientes democráticos.

“A escola deve instrumentalizar os estudantes, promovendo dentro do próprio espaço escolar essa formação democrática. O estudante precisa vivenciar isso durante sua formação, essa gestão democrática. Isso ocorre, por exemplo, numa eleição para um colegiado, no grêmio estudantil ou quando ele tem a oportunidade de se tornar representante da turma, ficando responsável por pensar no que é melhor para o grupo e não no que é melhor para ele. Ou seja, quando o estudante se torna participante e ao mesmo tempo sujeito desse processo”, conclui Janete.

Assista, a seguir, como Janete relaciona a aplicação dessas ideias ao contexto escolar, referindo-se também à obra do educador brasileiro Paulo Freire.

A pedagoga destaca, ainda, que a educação deve empoderar as pessoas para que elas acreditem em sua capacidade de promover mudanças. Janete lembra que a educação é um processo de longo prazo e que é fundamental ensinar aos estudantes que, com consciência e criticidade, cada um pode contribuir para transformar a sociedade. Veja no vídeo a seguir:

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Quatro evidências científicas de que a Terra é redonda

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 01 out 2024 16:58 Data de Atualização: 02 out 2024 14:11

Não é preciso repetir a experiência do cosmonauta russo Iuri Gagarin, que em abril de 1961 foi o primeiro ser humano a viajar pelo espaço e a testemunhar, visualmente, que a Terra é uma esfera azul. É possível confirmar que habitamos um planeta esférico aqui mesmo, com os pés bem plantados no chão. Em alguns casos, inclusive, basta olhar para cima para encontrar essas evidências científicas.

Porém, o fenômeno da desinformação e as iniciativas de grupos organizados que pregam o descrédito na ciência fortaleceram, na última década, a influência de um movimento conhecido como terraplanismo – que busca convencer as pessoas de que a Terra teria um formato achatado, semelhante a uma pizza. Mais do que duvidarem das evidências científicas de que o planeta é redondo, esses grupos alimentam ideias paranoicas em torno de instituições como a Agência Espacial Norte-americana, a Nasa, que seria, para eles, responsável por mentir para a humanidade inteira sobre o formato do planeta, com finalidades políticas.

A influência dos terraplanistas e a adesão a suas ideias é bastante favorecida com a facilidade que esses grupos têm de produzir e disseminar conteúdo – algo proporcionado pelo acesso global às tecnologias digitais e a canais de comunicação como o YouTube e as mídias sociais. O antropólogo Jorge Garcia de Holanda, que estudou o fenômeno do terraplanismo em seu doutorado em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), associa a multiplicação e a influência de canais no YouTube e de páginas no Facebook ao aumento no número de pessoas que acreditam na teoria conspiratória da terra plana. Em seu estudo, iniciado em 2019, ele identificou 57 canais terraplanistas brasileiros no YouTube, além de sete grupos no Facebook – o mais movimentado deles, com cerca de 40 mil membros.

O consenso científico de que a Terra é redonda já tem mais de 2 mil anos, como observa o professor Marcelo Schappo, doutor em Física, docente no Câmpus São José e organizador do livro “Armadilhas camufladas de ciência”. Para ele, isso faz com que o principal argumento dos terraplanistas modernos – de que a esfericidade da Terra é apenas uma ideia conspiratória propagada pela Nasa para esconder a “verdade” – não faça sentido. “A Nasa jamais pode ser responsabilizada por ‘formular’ ou ‘descobrir’ a forma da Terra, uma vez que só foi criada em 1958. Inclusive, é o contrário: todas as missões espaciais planejadas pela Nasa e por agências de outros países usou por base o conhecimento já pré-estabelecido sobre a forma da Terra”, argumenta. Logo, as imagens espaciais da Terra produzidas pela agência e pelas inúmeras missões já enviadas ao espaço não revelaram nada de novo: “Já se sabia, e se permanece sabendo, que a Terra é redonda”, reforça o professor.

Algumas dessas evidências são bem simples de entender e, aqui, listamos quatro delas. O ponto de partida é sempre a compreensão de que a Terra é um planeta esférico, levemente inclinado, que gira em torno do Sol e tem a Lua como satélite natural.

Primeira evidência: as constelações

As constelações são agrupamentos de estrelas que formam desenhos imaginários no céu, criados por astrônomos para entender padrões do movimento celeste. Se você estiver em Florianópolis , ou em Johanesburgo, poderá ver o Cruzeiro do Sul, por exemplo, na mesma noite. “Isso só é possível porque as duas pessoas estarão, na verdade, olhando para a mesma direção espacial, que é a direção do eixo norte-sul da Terra”, explica o professor Marcelo Schappo. E isso ocorre porque a Terra é redonda.

Na Terra plana, isso jamais poderia acontecer. “Como, para os terraplanistas, o ‘polo Sul’ não é um ponto, mas sim a “borda da pizza”, então, em Florianópolis e em Johanesburgo, ao se apontar a visão para o Sul, as pessoas estariam olhando para regiões espacialmente distintas e divergentes entre si ao redor da Terra e, assim, não deveriam ver as mesmas constelações.”

Segunda evidência: a face aparente da Lua

Você já ouviu falar no lado escuro da Lua? Ele é assim chamado porque é a face do nosso satélite natural que nunca é visto aqui da Terra. Ou seja: a Lua sempre mostra a mesma parte para a Terra, que é a chamada “face aparente da Lua”. Como explica o professor Marcelo Schappo, o fato de a Terra ser esférica possibilita que pessoas que se encontrem em diferentes locais do globo vejam a mesma face da Lua – mas não com a mesma orientação.

“Tome, por exemplo, uma pessoa em Florianópolis, no Brasil, e outra na Califórnia, nos Estados Unidos. Como são regiões a diferentes latitudes terrestres – Florianópolis a Sul do Equador e a Califórnia a Norte –, então as duas pessoas de pé sobre a ‘bola’ da Terra estarão espacialmente em orientações distintas, e isso faz com que vejam a mesma face da Lua com uma leve rotação de um lugar para o outro”, exemplifica.

No modelo da Terra plana, isso é impossível de explicar. “Para o modelo defendido pelos que acreditam na ‘pizza terrestre’, a Lua fica ‘pairando’ sobre o disco da Terra, se movendo em círculos ao longo do tempo. Ora, se isso é verdade, então alguém posicionado nos Estados Unidos (Hemisfério Norte) e alguém no Sul do Brasil (Hemisfério Sul) deveriam ver faces distintas da Lua quando ela se encontrasse sobre o Equador terrestre. Mas isso simplesmente nunca acontece”, ressalta.

Terceira evidência: os eclipses lunares

Aconteceu há bem pouco tempo, em 17 de setembro de 2024: quando a Lua entra na região de sombra da Terra, formada pela iluminação do Sol sendo bloqueada pelo nosso planeta, ocorre um eclipse lunar. “Ao longo de vários e vários anos, os eclipses lunares acontecem aos montes – em média, dois por ano. Em todos esses casos, a forma da sombra da Terra vista na superfície da Lua é sempre a mesma: circular”, explica Schappo.

No modelo da Terra plana, Sol e Lua “pairam” sobre a “pizza”, realizando movimentos circulares ao longo do tempo. “Assim, esse modelo falha completamente em tentar explicar um dos fenômenos astronômicos que mais chama a atenção do público, e reúne milhares de espectadores cada vez que ocorre. Se a Terra fosse plana, os eclipses da forma como nós observamos simplesmente não poderiam acontecer.”

 

Quarta evidência: as estações do ano

Esta também teve um marco recente, com a mudança do inverno para a primavera, no hemisfério Sul, e do verão para o outono, no hemisfério Norte. No verão tem-se dias mais claros e longos, enquanto no inverno é o contrário. “As estações do ano geram padrões de luz sobre a Terra (dias/noites) que só fazem sentido na Terra redonda”, explica o professor Marcelo Schappo.

Nos equinócios, que marcam o início da primavera e do outono, por exemplo, a duração do dia e da noite é aproximadamente igual em qualquer lugar da Terra, exceto nos polos. Com o Sol sobre a linha do equador, ele terá condições de iluminar exatamente a metade do planeta (toda a face voltada para ele), como sabemos que realmente acontece. “Para isso funcionar no modelo da Terra plana, o padrão de luz do Sol sobre a ‘pizza’ teria que ser tal que iluminasse sempre ‘meia pizza’. Mas como, nesse modelo, o Sol paira acima do disco terrestre, não tem qualquer explicação plausível para justificar esse comportamento”.

Por mais que esse assunto pareça já batido e superado, convém sempre se manter atento à forma como as teorias conspiratórias operam e na influência que elas podem ter em pessoas próximas de nós. O professor Marcelo Schappo salienta que não há nada de inofensivo ou de entretenimento nas ideias terraplanistas. “Mesmo ideias absurdas têm potencial para angariar seguidores que, com o tempo, ao se acostumarem a acreditar em afirmações sem base científica, vão se tornando cada vez mais inimigos da ciência, gerando desdobramentos em atitudes e posicionamentos negacionistas relacionados a outros temas que nada mais terão a ver com a forma da Terra. Assim, a crença aparentemente inócua do terraplanismo pode ser a porta de entrada para a negação das vacinas e do aquecimento global antropogênico, por exemplo, gerando desdobramentos sociais e coletivos bem mais preocupantes”, comenta.

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IFSC VERIFICA

Energia nuclear: perigo ou alternativa sustentável?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 ago 2024 13:52 Data de Atualização: 27 ago 2024 14:47

A produção de energia é um dos grandes desafios da humanidade: com o aumento da população e o desenvolvimento tecnológico, a demanda por energia é cada vez maior, tanto para o transporte quanto para a produção da energia elétrica para os mais diversos fins, da indústria às residências. 

Ao mesmo tempo que a demanda por energia cresce, as mudanças climáticas exigem que o mundo pense na transição energética, abandonando fontes poluentes e baseadas em combustíveis fósseis e investindo em fontes sustentáveis e com baixa emissão de gás carbônico. Diversas tecnologias surgem a todo momento, como eólica, solar, hidrogênio verde, marítima, entre outras. O Brasil é o país conhecido por ter uma matriz energética mais limpa, porém, a produção em larga escala de energia elétrica é uma preocupação crescente. 

Nesta edição do IFSC Verifica, apresentamos as vantagens e desvantagens da energia nuclear, uma fonte estigmatizada por alguns e defendida por outros como a “energia do futuro”. Por um lado, pode ser considerada uma energia limpa, pois não emite gás carbônico na atmosfera e exige áreas menores para ser produzida. Por outro, apresenta o perigo de contaminação radioativa em caso de acidentes, o lixo nuclear, o perigo do uso da energia nuclear para construção de armas, e a dependência da mineração para obtenção de minerais radioativos, como o urânio.

Conversamos com a professora Daiane Cristini Barbosa de Souza, doutora em Tecnologia Nuclear e professora do curso superior em Radiologia e do mestrado em Proteção Radiológica do Câmpus Florianópolis, que nos contou como a energia nuclear funciona e suas vantagens e desvantagens em relação a outras fontes de energia.

Também conversamos com os professores doutores em Física do Câmpus São José, Marcelo Girardi Schappo e Vinicius Jacques, para falar sobre o futuro da energia atômica e suas implicações econômicas e políticas.

Vamos responder às seguintes perguntas:

  • O que é a energia nuclear e como ela é utilizada na produção de energia elétrica?
  • A energia nuclear pode ser considerada uma fonte de energia sustentável?
  • Quais países mais utilizam energia nuclear?
  • Quais as vantagens da energia nuclear?
  • Como é realizado o manejo do rejeito radioativo?
  • Muitas vezes, a energia nuclear é associada a acidentes nucleares, como Chernobyl, na Ucrânia (1986), e em Fukushima, no Japão (2011), devido ao tsunami. Esses dados são preocupantes?
  • Quais as questões políticas envolvidas na produção de energia a partir de fontes nucleares?
  • Há países revendo o uso de energia nuclear. A Alemanha está reduzindo o número de reatores. Qual a tendência?
  • Há o perigo dessa energia ser utilizada para produção de bombas nucleares?
  • Qual o futuro da energia nuclear?

O que é a energia nuclear e como ela é utilizada na produção de energia elétrica?

A professora Daiane explica que a energia nuclear é uma forma de energia que vem do núcleo de átomos. Obtém-se a energia nuclear a partir de uma série de elementos químicos, também chamados de radioisótopos, que são encontrados no solo, como tório e plutônio, sendo o urânio o mais usado. O Brasil é um dos países do mundo que mais têm urânio e é um dos quatro que dominam a tecnologia de extração e processamento desse minério, além de Rússia, China e Estados Unidos. A mineração de urânio no Brasil está concentrada principalmente em Caitité, na Bahia, e é feita pela estatal Indústrias Nucleares Brasileiras (INB)

Para que o urânio encontrado na natureza possa ser usado pelas usinas nucleares, ele precisa passar por um processo chamado de enriquecimento, que consiste em separar os vários tipos de urânio presentes no solo e usar o mais radioativo para ser enriquecido, ou seja, a partir de processos químicos e físicos, aumentar a concentração desse material. No Brasil, o enriquecimento de urânio é realizado na fábrica de Resende, no Rio de Janeiro.

Depois de separado e enriquecido, o urânio é transformado em combustível para as usinas nucleares. O combustível nuclear consiste em pastilhas de 2 a 3 centímetros de altura, colocadas em um conjunto de cerca de 20 varetas, que vão formar o elemento combustível do núcleo do reator da usina nuclear. O núcleo da usina consiste em um vaso de pressão, cercado por água, que vai auxiliar no processo de reação nuclear. A água que fica em contato com o combustível nuclear participa da reação e é aquecida a altíssimas temperaturas, em torno de 700 graus celsius, aquecendo outro circuito de água que passa por fora do reator, sem contato com a radioatividade, e que por sua vez vai fazer funcionar um gerador de energia elétrica. 

Esse processo de produção de energia chama-se fissão nuclear, em que se coloca uma fonte de nêutrons que vão colidir com outros átomos do elemento radioativo, quebrar seus núcleos e liberar mais nêutrons, causando uma reação em cadeia e liberando a energia por meio de calor. “É o princípio das locomotivas a vapor, onde o vapor faz o motor funcionar, só que a fonte de calor é outra”, explica a professora Daiane.
A única central nuclear brasileira fica em Angra dos Reis e consiste nas usinas de Angra 1 e Angra 2, em funcionamento, e Angra 3, em construção. A central é administrada pela estatal Eletronuclear.

Veja o vídeo da Eletronuclear e entenda como uma usina nuclear funciona:


A energia nuclear pode ser considerada uma fonte de energia sustentável?

A produção de energia elétrica por meio da fissão nuclear não gera carbono na atmosfera, como, por exemplo, a queima de carvão. Porém, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a classifica como uma fonte de energia não renovável, pois depende da mineração, ou seja, um recurso finito. A França já a classifica como fonte de energia renovável, pois o urânio usado nas usinas é reprocessado e reaproveitado, o que ainda não acontece no Brasil. 

Segundo a professora Daiane, a energia nuclear é considerada de baixa emissão de carbono. Ela não emite gás carbônico na produção de energia, mas em sua cadeia produtiva, como na mineração e transporte desse minério. “Porém, comparada a outras fontes de energia, ela é mais sustentável. Por exemplo, a energia obtida a partir da fissão de um quilo de urânio equivale à energia produzida por 2,5 mil toneladas de carvão mineral”, exemplifica. 

Já o professor Marcelo Schappo destaca que “não existe nenhuma forma de produção de energia elétrica que seja 100% limpa. Por exemplo, a energia solar fotovoltaica, que absorve luz solar e gera correntes elétricas sem emitir gases de efeito estufa, não é 100% limpa, pois a produção das placas solares gera gases que emitem gases de efeito estufa”. Também é necessário avaliar a origem do silício usado nas placas e como elas serão descartadas. O professor Vinicius Jacques lembra a construção de usinas hidrelétricas, que obrigam o deslocamento de populações inteiras, alagamento de grandes áreas e consequentes problemas ambientais. 

O professor Schappo completa que “não há soluções mágicas. No entanto, quando se trata da emergência climática mundial, onde se visa a diminuir drasticamente as emissões de carbono para atmosfera, a matriz nuclear é uma candidata bastante forte, pois o processo de geração de eletricidade não envolve emissões de gases de efeito estufa, e a ‘fumaça’ que eventualmente pode ser vista saindo dessas usinas é apenas vapor de água que foi utilizada em processos de resfriamento dos componentes do sistema”.

Gráfico sobre funcionamento da fissão nuclear

 

Quais países mais utilizam energia nuclear?

Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), atualmente, há 440 reatores nucleares em funcionamento no mundo, além de 61 em construção. A energia nuclear tem participação de 9% na geração global de eletricidade. 
Os países com maior participação, tanto em número de reatores quanto em capacidade de geração, são, em ordem: Estados Unidos, França, China, Japão, Rússia, Coréia do Sul, Canadá, Ucrânia, Índia e Espanha.

Na América Latina, apenas Brasil, Argentina e México possuem reatores nucleares. As usinas brasileiras de Angra 1 e 2, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, produzem cerca de 1% da energia consumida no país. Com a finalização da construção de Angra 3, esse percentual pode chegar a 3%. 

Daiane afirma que o Brasil tem a vantagem de ter a matriz energética para produção de energia elétrica bastante diversificada, começando pelas usinas hidrelétricas (53,86%), em seguida a eólica (15,11%), fóssil (14,81%), biomassa (8,56%) solar (6,68%) e nuclear (0,98%), o que é uma vantagem competitiva em relação a outros países. 

Gráfico sobre a matriz energética brasileira


Quais as vantagens da energia nuclear?

Áreas pequenas: Além de ser uma produção de baixa emissão de gás carbônico, outra vantagem da energia nuclear, segundo a professora Daiane, é a produção de energia em áreas muito pequenas se comparada a outras fontes, como as hidrelétricas. Em relação às usinas solares, para produzir uma unidade de energia, a energia solar precisa de mais de 17 vezes mais material e 46 vezes mais terra que a energia nuclear, segundo dados da (IAEA).

O professor Schappo explica que a IAEA vem estudando e desenvolvendo reatores nucleares de fissão para geração de energia elétrica em menor escala. Eles estão sendo desenvolvidos para ter um tamanho menor que os convencionais e com possibilidade de serem construídos de forma modular, de tal maneira que facilite a fabricação dos componentes essenciais longe do local de instalação. “Assim, poderemos ter novos reatores com menor capacidade de geração elétrica, mas que podem atender localidades rurais e áreas industriais”. Ainda segundo o professor, há pesquisas para aplicações de energia nuclear em escalas ainda menores, como baterias de celulares que não necessitariam de recarga.

Independente do clima: a energia nuclear pode ser gerada todos os dias do ano, ininterruptamente, ao contrário da energia solar, hidrelétrica e eólica, que dependem do clima e regime de chuvas. “Com as mudanças climáticas, muitas vezes o país tinha uma maior frequência de chuvas e agora tem uma frequência reduzida, então, essa interdependência do clima pode ser um problema na questão energética”, destaca a professora Daiane.

Abundância de urânio: o urânio é um material abundante na crosta terrestre, muito mais que ouro, platina e outros metais de alto valor comercial. Seria necessário um período de aproximadamente 100 a 150 anos para esgotar os recursos de urânio atualmente considerados economicamente recuperáveis.

O Brasil tem o minério de urânio e a tecnologia para enriquecer o material foi desenvolvida pelo Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) e pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). As centrífugas de urânio desenvolvidas pelo Brasil são segredo de Estado.

O professor Schappo lembra ainda que existem outros materiais combustíveis em estudo além do urânio, como o tório, que podem participar das reações nucleares e contribuir para geração de energia do processo de tal forma que demande menor quantidade inicial de urânio e melhorando a condição dos rejeitos radioativos gerados no final do processo.

Segurança: a professora Daiane explica que, comparada a outras fontes de energia, a nuclear é uma das mais seguras. Apesar de acidentes nucleares serem graves, eles são raros, e os processos de mineração e enriquecimento de urânio são mais seguros que de outras fontes. O número de acidentes relatados é bem inferior do que, por exemplo, no uso do carvão. Em termos de comparação, a indústria do carvão tem taxa de mortalidade de 32,72 mortes por terawatt-hora (equivalente ao consumo anual de 150 mil cidadãos da União Europeia), enquanto na produção de energia nuclear esse índice é de 0,03%. Ou seja, a produção de energia a partir do carvão está associada ao maior número de mortes no mundo.

Veja na tabela abaixo o equivalente em mortes de diversos tipos de fontes de energia. Apenas a energia solar é considerada mais segura que a nuclear:

Gráfico de mortes por fonte de energia

Como é realizado o manejo do rejeito radioativo?

O rejeito radioativo, ou lixo radioativo, é o material que ainda emite radiação, mas não é mais útil. No Brasil, há a norma 8.01 da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para o manejo do rejeito radioativo, tanto para usinas nucleares quanto para outros usos, como na área hospitalar. Além disso, a CNEN mantém unidades regionais que recebem os rejeitos radioativos. 

A professora Daiane explica que o urânio 235, o mais utilizado em usinas nucleares, tem meia vida de milhões de anos. O decaimento do rejeito de urânio é calculado em centenas de anos. Por isso, o manejo de rejeito de usinas nucleares necessita de um planejamento específico, com a previsão de uma área para depósito de rejeitos, preparação do local, entre outros. 

No caso das usinas de Angra, o combustível nuclear já usado é armazenado no próprio reator, em uma piscina que recebe esses rejeitos. A Eletronuclear, que administra Angra, está desenvolvendo projeto para depósito de rejeitos a seco. Veja mais sobre o projeto de Gerenciamento de Resíduos

O professor Marcelo Schappo ressalta que a quantidade de resíduos de usinas nucleares não é tão grande quanto se imagina: “Apenas para dar um exemplo prático: ao longo de uma operação de 20 anos de uma usina nuclear de fissão de porte similar às de Angra, a quantidade de rejeitos gerados poderia ser acondicionada em um espaço do tamanho de um campo de futebol”. Já o professor Vinicius lembra que o rejeito nuclear pode ficar ativo por milhares de anos e tratá-lo de forma correta “é um compromisso nosso com as gerações futuras”. 

Mesmo assim, os professores entrevistados são unânimes em dizer que há uma necessidade de encontrar formas seguras de armazenar os rejeitos radioativos, além de encontrar outras alternativas, como desenvolver reatores que diminuam a quantidade de rejeitos e/ou reaproveitem esse material, seja na própria produção de energia ou em outras formas, como na medicina ou na agricultura. 

O armazenamento em minas desativadas no interior de montanhas, usar processos químicos para retirar materiais radioativos específicos, diminuindo o tempo de armazenamento de rejeitos, e a utilização de reatores mais modernos, que podem produzir mais energia com menos combustível, ou mesmo substituição de urânio por outros materiais, como o tório, são algumas das soluções a serem desenvolvidas e implementadas.

Muitas vezes, a energia nuclear é associada a acidentes nucleares, como Chernobyl, na Ucrânia (1986), e em Fukushima, no Japão (2011), devido ao tsunami. Esses dados são preocupantes?

Segundo a professora Daiane, os acidentes em usinas nucleares não são frequentes. Sobre o caso específico de Chernobyl, não há possibilidade de haver acidente semelhante, pois a tecnologia utilizada naquela construção já é ultrapassada: o reator de Chernobyl era do tipo BWR, de água fervente. Atualmente, a maioria dos reatores utilizados são PWR, de água pressurizada, mais modernos e seguros, como os de Angra.
Outras diferenças também faziam aquele tipo de tecnologia ser mais perigosa. Por exemplo, as varetas que introduziam elementos químicos para parar a reação nuclear do reator em caso de acidente eram retiradas e introduzidas manualmente, e hoje isso acontece de forma automática. “Hoje, se um reator tiver um acidente, com um terremoto ou alguma coisa desse nível, os reatores PWR, eles têm varetas carregadas com boro, uma substância química que absorve facilmente nêutrons. Então, derrubam-se varetas de boro no reator, o que chamamos envenenamento por boro, o que desliga o equipamento”, explica. Pensando no exemplo brasileiro, os vasos de pressão que comportam os reatores nucleares das usinas Angra 1 e 2 foram construídos para resistir a grandes impactos, como a queda de um avião. “Hoje em dia, não há possibilidade de ocorrer um acidente como o de Chernobyl porque temos outros tipos de reator nuclear. Sobre Fukushima (Japão, 2011), foi um acidente muito diferente e de magnitude menor. Como Chernobyl, jamais”.

Além disso, o que contribuiu para a magnitude do desastre de Chernobyl foram erros humanos durante a realização de testes de qualidade nos dias que antecederam o desastre, em 28 de abril de 1986, e a demora em se emitir o alerta de que algo errado estava ocorrendo.
O professor Vinicius Jacques lembra que antes de Chernobyl já haviam acontecido desastres nos Estados Unidos e Canadá, mas não com tanta repercussão. Porém, foi a partir de Chernobyl que se acendeu o alerta ambiental sobre os perigos da energia nuclear.

Quais as questões políticas envolvidas na produção de energia a partir de fontes nucleares?

O professor Vinicius Jacques estuda os aspectos políticos e históricos da energia nuclear. Ele acredita que o uso da energia nuclear é “caminho sem volta”, ao mesmo tempo em que se diz crítico da forma como as políticas públicas que tratam do assunto são conduzidas. 

Ele conta que a comunidade científica já vinha trabalhando com a fissão de urânio e tório como fonte de energia por volta dos anos 30. Paradoxalmente, foi a partir das bombas nucleares lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, que se intensificaram as pesquisas e o uso da energia nuclear para a produção de eletricidade. “Naquela época, para a grande maioria da população do planeta, a energia atômica (que hoje chamamos de nuclear) e a bomba atômica eram a mesma coisa”, conta. 

Foi nesse cenário que surgiu a ideia, principalmente dos Estados Unidos, de “pacificar o átomo”, ou seja, fomentar a utilização da energia nuclear para fins pacíficos e evitar a proliferação de armas nucleares. Já em 1946, os EUA criam a Lei de Energia Atômica e o projeto Manhattan, que construiu as bombas nucleares, passa da gerência militar para a civil, sob o nome de Comissão de Energia Atômica. 

Assim, os EUA começam a buscar o controle sobre o uso desse tipo de energia em várias partes do mundo, inclusive o Brasil, com acordos para fornecimento de urânio. Esses acordos e influências norte-americanas se intensificam com a Guerra Fria, tentando impedir a União Soviética de dominar essa tecnologia e usá-la para fins bélicos. Na mesma época surge a Comissão de Energia Atômica na própria recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de controlar as jazidas de urânio e produção de material radioativo em todo o mundo.
O Brasil foi convidado a participar das reuniões da ONU por ser um dos maiores detentores de minérios radioativos. O antigo acordo com os EUA, firmado por Getúlio Vargas, foi suspenso. Um novo acordo surgiu, com o governo militar de Eurico Gaspar Dutra, em que o Brasil se comprometia em fornecer minérios radioativos aos Estados Unidos em troca de tecnologia, o que acabou não acontecendo. 

Ao mesmo tempo, a União Soviética começa a dominar a tecnologia nuclear e detona a primeira bomba, em 1949. Isso obriga os Estados Unidos a mudarem sua estratégia, e em 1953 o então presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower, profere um discurso na Assembleia da ONU intitulado “Átomos para a Paz”. A partir de então intensifica-se o incentivo do uso da energia nuclear para os fins pacíficos, como a geração de energia. “É uma cartada política e econômica também, para usar justamente pós-segunda guerra a energia nuclear como motor econômico dos Estados Unidos”, explica o professor Vinicius. Assim, a antiga União Soviética e os Estados Unidos disputam mercado pela tecnologia e “se limpa a bomba atômica, não se fala mais disso”, destaca o professor. 

Vinicius lembra ainda que em 1956 o Congresso Brasileiro instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a legalidade dos acordos. Segundo ele, o Brasil poderia ser uma grande potência mundial na produção de energia nuclear se não fossem os “acordos e desacordos” firmados pelo país e o não desenvolvimento de uma indústria nacional robusta. Ele cita nomes de cientistas que tiveram um papel importante no Brasil, como César Lattes, José Leite Lopes e Elisa Frota Pessoa, e iniciativas como a criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Porém, muito ainda poderia ser feito, como criar políticas públicas para que os cientistas de ponta fiquem no Brasil. O professor acredita que o país precisa de um planejamento a longo prazo sobre energia nuclear e manejo de resíduos, que seja “uma política de Estado, e não de governo”. 

Há países revendo o uso de energia nuclear. A Alemanha está reduzindo o número de reatores. Qual a tendência?

Segundo a professora Daiane, apesar de as usinas nucleares serem mais seguras que outras formas de produção de energia, há movimentos que pedem pela desativação das usinas nucleares devido ao perigo de acidentes e problemas com os rejeitos. 

Ela acredita haver um “estigma” quanto ao uso desse tipo de energia e muitas vezes a população não é devidamente informada sobre os benefícios da energia nuclear. “Muitos países como a Alemanha deram um passo atrás na energia nuclear por questões ideológicas. Mas, no cenário que temos hoje na Alemanha, devido à guerra na Ucrânia, eles estão tendo um revés muito grande. No inverno eles têm um custo energético muito alto e, agora, eles estão tendo dificuldades em manter a fonte de gás natural que era da Ucrânia. Então, deixou de ter usinas nucleares e passou a ter problemas com o fornecimento de gás”, explica a professora. 

Segundo Daiane, “os países devem refletir até que ponto vale a pena desativar centrais nucleares e depois ficar à deriva de fontes de energia que não são sustentáveis”.

Há o perigo dessa energia ser utilizada para produção de bombas nucleares?

O professor Vinicius Jacques aponta que enquanto a aplicação pacífica da energia nuclear se expandiu na década de 50, também aumentou seu uso para fins bélicos. Mesmo com iniciativas como o “Átomos para a Paz”, em meados da década de 50 havia cerca de 2,6 mil bombas atômicas no mundo. Ele explica que as bombas nucleares são feitas com plutônio, um subproduto do urânio utilizado nas usinas nucleares. Por isso, existem órgãos internacionais que fazem essa fiscalização em usinas, verificando se a quantidade de urânio que “entra” é a mesma que “sai”, para que não sejam usados em outros fins.

Segundo o professor, a situação atual de guerras pelo mundo faz acender o alerta de um perigo nuclear. “Os conflitos no mundo estão tão latentes, os horrores da Segunda Guerra batem à nossa porta o tempo todo. Temos agora o exemplo da Rússia e da Ucrânia, são conflitos que estão acontecendo de fato”, ressalta. Ele lembra que escolher a matriz energética como estratégia de longo prazo tem implicações políticas, de os países serem governados no futuro por regimes que queiram usar esse potencial para fins não pacíficos e fazer um uso perverso da tecnologia.

Por isso, a utilização da energia nuclear deve ser regulamentada para que seja utilizada para fins pacíficos, além da produção da energia, a disseminação e barateamento do uso em outras áreas, como a medicina e a agricultura. 

Qual o futuro da energia nuclear?

A energia nuclear é um caminho sem volta, segundo os professores entrevistados, e assim como o carvão e o petróleo foram as energias dos séculos passados, a nuclear pode ser a do futuro. 

Segundo o professor Vinicius, “a população do planeta evolui para demandar cada vez mais energia. Então, não adianta fazer um discurso muito bonito, porque se a gente demanda cada vez mais, a questão é: de onde vai ser gerado isso?”. O professor acredita que algumas matrizes, como a solar, a eólica e a marítima, podem minimizar a falta de energia elétrica, porém, são necessárias fontes de produção em grande quantidade, como a hídrica e a nuclear, sendo que a hídrica só é possível de ser implantada onde há rios e grandes áreas passíveis de serem alagadas. 

Pesquisas estão sendo realizadas no mundo todo para tornar o uso da energia nuclear mais eficiente, seguro e barato. Uma dessas vertentes é a pesquisa da fusão nuclear. O professor Schappo explica que se trata de um processo que ocorre naturalmente dentro das estrelas. “Neles, átomos pequenos, como hidrogênio, são submetidos a condições específicas de temperatura e densidade para conseguirem se juntar e formar átomos mais pesados, como o hélio, um processo que também libera energia que pode ser aproveitada na geração de eletricidade”, explica.

Dessa forma, diz o professor Schappo, nas últimas décadas há um esforço intenso de pesquisas internacionais para investigar a viabilidade tecnológica da utilização desse tipo de reator, cuja vantagem é não gerar resíduos radioativos. No final de 2022, uma instituição científica e tecnológica dos Estados Unidos (LLNL) anunciou ter conseguido, pela primeira vez, estabelecer um processo de fusão nuclear autossustentável, no qual a energia gerada na fusão pode servir para manter novas fusões acontecendo, mas, ainda, apenas por um breve intervalo de tempo. “Em outras palavras, a fusão nuclear tem potencial, mas ainda estamos longe do momento em que poderemos usá-la para complementar a matriz energética mundial”, acrescenta. 

Quanto ao Brasil, o professor Schappo informa que existem pesquisas no setor nuclear, como as desenvolvidas no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), que detém um reator de fissão nuclear para pesquisas, e a Universidade de São Paulo (USP), que abriga um laboratório de Física de Plasmas onde está instalado um reator capaz de estudar o processo de fusão nuclear.

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Quais os desafios da Construção Civil diante das mudanças climáticas?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 30 jul 2024 09:54 Data de Atualização: 30 jul 2024 10:27

Em um manifesto lançado em maio sobre a tragédia climática no Rio Grande do Sul, o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) afirmou que “não é possível que continuem sendo construídos edifícios e infraestruturas urbanas sem considerar que o clima está mudando” e que é preciso “adequar normas técnicas de projeto e desenvolver soluções inovadoras viáveis” para garantir um futuro mais seguro. Mas, afinal, considerando os eventos climáticos extremos que serão cada vez mais frequentes, que tipo de construções são mais indicadas? Quais materiais podem ser opções sustentáveis? Quais são os principais desafios que as mudanças climáticas representam para a construção civil? Para abordar essas e mais questões, conversamos com três professores que atuam em cursos da área de Construção Civil do IFSC:

Os desafios das construções diante das mudanças climáticas

Normalmente, o projeto de uma construção é feito para  ser adequado ao clima do local, assegurando o conforto de quem está no ambiente com o menor consumo de sistemas ativos - como o uso de ar-condicionado e iluminação artificial, por exemplo. A professora Ana Lígia destaca que quando uma edificação é projetada para um determinado clima e ele muda, as alterações no ambiente externo podem tornar o ambiente interno desagradável e, com isso, fazer com que seus ocupantes busquem sistemas ativos para garantir o conforto.

O comportamento térmico e o consumo energético de uma edificação podem ser estimados por simulação computacional, usando arquivos climáticos da região. “Um dos desafios atuais é não só avaliar computacionalmente se um projeto de uma edificação está adequado ao clima atual, mas também avaliar como adequar esta edificação usando um arquivo climático futuro, visto que uma edificação construída agora terá um tempo de uso de mais de 50 anos”, aponta a professora. “Existe então a necessidade de fazer análises de simulações termoenergéticas de edificações usando arquivos climáticos atuais e também resultantes da investigação e hipóteses das mudanças climáticas e, assim, tentar trabalhar com possibilidades construtivas que se adequem a esta variação climática”, complementa.

Desde 2013, o Brasil conta com a NBR 15.575, conhecida como a norma de Desempenho de Edificações Residenciais. “O aspecto interessante desta norma é que ela possibilita a utilização de materiais e sistemas construtivos diversos, desde que garantam os aspectos de habitabilidade, segurança e sustentabilidade da edificação quando em uso pelos seus ocupantes”, observa Ana Lígia.

No Brasil, evitar temperaturas elevadas no ambiente interno para prevenir desconforto por calor e sobreaquecimento é um grande desafio para as habitações, especialmente com o aumento previsto das ondas de calor e do efeito ilha de calor. Eventos climáticos extremos também apresentam riscos adicionais não só do ponto de vista térmico, uma vez que tempestades e enchentes afetam as estruturas e as manutenções das edificações. “Além de garantir o conforto térmico, que é a satisfação com o ambiente interno, há o desafio de evitar o estresse térmico, condições com risco à saúde causadas por exposições extremas ao frio ou calor”, explica o professor Rogério Versage.

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Quais as construções mais indicadas considerando os eventos climáticos extremos?

Quando se fala de estratégias para o futuro do conforto no ambiente construído, o termo “resiliência térmica” vem sendo muito adotado. Rogério explica que a resiliência térmica é a capacidade de um edifício de manter condições internas seguras e confortáveis considerando as mudanças climáticas e durante eventos climáticos extremos, mesmo em caso de falhas de energia. “Para enfrentar as previsões de clima futuro, o ideal é a escolha dos materiais de construção e estratégias de projeto que garantam a resiliência térmica das edificações”, ressalta o professor.

Um exemplo de estratégia bioclimática que pode ser usada nos projetos arquitetônicos para melhorar o conforto térmico e a eficiência energética das edificações é o posicionamento adequado das construções e seus ambientes em relação ao sol, uma vez que isso ajuda a controlar os ganhos de calor no verão. De acordo com Rogério, beirais, toldos e elementos de sombreamento devem ser previstos para o controle da radiação solar nos ambientes. O posicionamento e dimensionamento de janelas também deve potencializar a ventilação natural para o conforto térmico e garantir a proteção contra ventos fortes.

Além disso, os projetos devem ser flexíveis para permitir adaptações ao longo do tempo, como expansões ou reorganização dos espaços, atendendo às necessidades diversas de famílias e empresas. “Essa flexibilidade é essencial para a adaptação das edificações durante toda sua vida útil”, afirma o professor.

Quais são os tipos de materiais indicados?

Para garantir o efeito de resiliência térmica, Rogério explica que são indicados materiais de alta inércia térmica (capazes de armazenar e liberar calor de forma controlada), de isolamento térmico (para minimizar as trocas de calor com o ambiente externo) e de baixa absorção térmica, como revestimentos claros e reflexivos. Um exemplo prático de material são os tijolos cerâmicos usados nas paredes e telhados com telhas em cores claras e isolamento térmico como mantas aluminizadas, lã de vidro ou isolantes de fibras naturais. “Devemos ainda considerar a sustentabilidade ambiental com o uso de materiais reciclados e madeira certificada para estruturas e acabamentos”, complementa.

Pensando em materiais mais sustentáveis, o ideal é escolher materiais locais. A professora Ana Lígia afirma ainda que a utilização da madeira auxilia na diminuição da emissão de carbono e as argamassas de cimento apresentam maior energia incorporada do que outros tipos de argamassas. “O primeiro passo ao se projetar uma edificação que seja mais sustentável é conhecer os aspectos referentes ao conforto do ser humano”, destaca. 
“Quando falamos de eficiência energética nas edificações não estamos falando de economia de energia, mas sim em garantir o conforto dos ocupantes, mas com o menor consumo de energia”, aponta. Segundo ela, para se fazer uma edificação mais sustentável, além da eficiência energética e do conforto ambiental, é preciso considerar também outros aspectos como a garantia de segurança, a salubridade, o pagamento correto para a mão-de-obra envolvida no processo de construção, economia de água, minimização da produção de resíduos, uso de materiais menos impactantes ao meio ambiente, entre outros. 

Taipa de pilão: um material econômico e sustentável

Uma opção de material que pode ser considerada neste cenário é a taipa de pilão. O sistema construtivo milenar, que consiste na construção de paredes por meio do apiloamento/compactação de camadas de terra crua em formas de madeira, vem sendo estudado e aprimorado por pesquisadores do Câmpus São Carlos do IFSC

“A terra extraída in loco tem se tornado um excelente material construtivo, quando se pretende aliar conforto termoacústico com inovação para construções mais sustentáveis, saudáveis e acessíveis para seus moradores”, destaca o professor Anderson Renato Vobornik Wolenski, que atua na área de Estruturas e Tecnologias da Construção Civil e participou do grupo de trabalho que elaborou a Norma Técnica 17014/2022 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A norma define os requisitos, procedimentos e controle para edificações que usem a taipa de pilão e a perspectiva é que, com a normatização, a técnica passe a ser mais adotada na construção civil. 

Taipa produzida coletivamente no Sepei 2023 está em exposição no Câmpus São Carlos
 

O sistema construtivo em taipa de pilão se difere de outras formas de construção com terra, pois utiliza a terra em seu estado compactado para compor paredes estruturais, que eliminam a necessidade de pilares de concreto, aço ou madeira. Dessa forma, o material pode ser utilizado para a construção de edificações residenciais e comerciais de múltiplos pisos. “Na Europa, por exemplo, já existem edifícios de quatro pavimentos com suas paredes executadas em taipa de pilão, em regiões com clima de grande amplitude térmica; nos países nórdicos, têm sido cada vez mais frequente a execução de paredes estruturais, acima de 30 cm de espessura, capazes de suportar períodos de frio e neve intensos, assim como tem se tornado realidade o seu uso para suportar os dias de calor intenso em regiões desérticas e de clima árido”, cita o professor para exemplificar a excelente adaptabilidade no uso do sistema em taipa de pilão.

Se em países desenvolvidos, a taipa de pilão já se tornou realidade e tem sido cada vez mais frequente seu uso em edificações contemporâneas de alto valor agregado, no Brasil, esse movimento tem sido lento. “Ainda persiste uma cultura advinda das antigas construções em terra, especialmente, em pau a pique, que fragilizaram a ideia de que o uso da terra como elemento construtivo alcançou novos patamares de inovação tecnológica a ponto de se tornar um dos materiais do futuro para edificações sustentáveis”, comenta Anderson. 

Em conjunto com a taipa de pilão, a terra tem um enorme potencial para transformar a construção civil brasileira em uma indústria capaz de enfrentar as mudanças climáticas. No entanto, o professor do Câmpus São Carlos observa que todos os materiais que compõem esta indústria têm sua função e espaço, porém seu uso deve estar atrelado a um consumo sustentável. “O grande desafio da construção civil do futuro não está na descoberta de um material que revolucione a forma de se edificar, afinal, todos os materiais são mais ou menos poluentes. O que nos leva a pensar que o verdadeiro desafio esteja em como os projetistas e construtores estão pensando seus projetos de forma consciente e sustentável, pautada em uma escolha otimizada por materiais de menor impacto ao meio, que durem no longo prazo e que forneçam às melhores condições para uma edificação auto suficiente”, destaca.

“O grande desafio da construção civil do futuro não está na descoberta de um material que revolucione a forma de se edificar, afinal, todos os materiais são mais ou menos poluentes. O que nos leva a pensar que o verdadeiro desafio esteja em como os projetistas e construtores estão pensando seus projetos de forma consciente e sustentável, pautada em uma escolha otimizada por materiais de menor impacto ao meio, que durem no longo prazo e que forneçam às melhores condições para uma edificação auto suficiente”.  Anderson Renato Vobornik Wolenski | professor do Câmpus São Carlos
 

A eficiência energética como caminho

Melhorar a eficiência energética nas casas do futuro é uma medida que traz benefícios duplos: garante conforto térmico para os moradores e reduz as emissões de carbono das edificações. “Para alcançar isso, é essencial utilizar tecnologias de energia renovável, como painéis solares fotovoltaicos e sistemas de aquecimento solar, que aproveitam a energia do sol para gerar eletricidade e aquecer a água, diminuindo a dependência de fontes de energia convencionais”, explica o professor Rogério.

Segundo a professora Ana Lígia, o que se busca atualmente na área da eficiência energética em edificações é projetar edificações e até bairros “zero energia”, em que a geração de energia limpa é maior do que o consumo energético. “Outro conceito que se busca nos projetos é um edifício de emissão zero carbono, onde a produção de energia renovável é igual ou superior ao consumo de energia de fontes não renováveis”, ressalta.

A automação residencial também desempenha um papel importante neste cenário sustentável, permitindo otimizar o uso de energia com sistemas de gestão inteligente que monitoram e controlam o consumo, ajustando a iluminação, o aquecimento e o resfriamento conforme necessário. “O isolamento térmico também é fundamental para reduzir a troca de calor com o ambiente externo, diminuindo assim a necessidade de aquecimento e resfriamento mecânico”, complementa Rogério.

A escolha de equipamentos eficientes, como eletrodomésticos e sistemas de climatização com alta eficiência energética, também é essencial para reduzir o consumo de energia e oferecer melhor desempenho. “Essas estratégias não só tornam as casas mais confortáveis e sustentáveis, mas também ajudam a combater as mudanças climáticas ao reduzir o consumo de energia e as emissões de carbono”, ressalta o professor.

Benefícios de construções sustentáveis

Investir em casas mais confortáveis e sustentáveis traz uma série de benefícios tanto econômicos quanto ambientais. Rogério diz que uma das principais vantagens é a redução dos custos de operação. “Com uma eficiência energética aprimorada, se consome menos eletricidade para manter um ambiente confortável, resultando em contas de energia mais baixas”, afirma. Além disso, segundo o professor, essas casas tendem a se valorizar no mercado imobiliário, pois são cada vez mais procuradas por compradores que valorizam sustentabilidade e conforto.

No aspecto ambiental, esse tipo de construção ajuda a reduzir a emissão de gás carbônico, contribuindo de forma direta para atenuar os efeitos das mudanças climáticas. “As casas sustentáveis tornam-se essenciais pela utilização de energias renováveis em conjunto com a economia de recursos, garantindo uma certa autonomia para enfrentar possíveis extremos climáticos que possam desabastecer as cidades de energia e água. Essa independência de recursos não só promove a sustentabilidade, mas também oferece segurança e resiliência em tempos de crise”, destaca Rogério.

Como adaptar as casas atuais?

Embora o nosso olhar esteja nas construções do futuro, não podemos nos esquecer do que já existe. “Falar de edificações novas é mais fácil, agora adequar e adaptar as edificações existentes é mais complexo”, afirma a professora Ana Lígia. Segundo ela, na Europa, a norma de desempenho para novas construções já está consolidada e agora já tem até norma de desempenho para edificações antigas. Já no Brasil, há um grande parque edificado. “O fato de se reabilitar uma edificação existente evita o consumo desnecessário de recursos (naturais e energéticos), o que é uma opção em prol de um desenvolvimento mais sustentável”, comenta.
De acordo com a professora, para as edificações existentes, é necessário primeiro avaliar a situação atual e estudar de que forma o sistema construtivo poderia ser complementado para que esta edificação atinja o desempenho pretendido para o micro clima daquele local, ou para um clima mais desfavorável no futuro. “É possível a instalação de isolamento térmico em telhados, a instalação de sombreamentos em janelas com orientação solar desfavorável, aplicar acabamentos e materiais em cores claras ou reflexivas para diminuir a absorção de calor solar, assim como adotar equipamentos mais eficientes e sistemas de geração fotovoltaica e aquecimento solar de água”, acrescenta Rogério.

Além das melhorias físicas, o comportamento das pessoas desempenha um papel crucial na resiliência térmica. “As pessoas devem adotar comportamentos ativos para lidar com temperaturas extremas, como utilizar roupas adequadas para o clima, ajustar seus níveis de atividade física e alimentação para diminuir seu metabolismo e utilizar corretamente as janelas, cortinas, ventiladores e sistemas de condicionamento de ar”, destaca o professor.

É preciso muito investimento para ter construções sustentáveis? 

Este tipo de construção não precisa necessariamente depender de alta tecnologia e alto investimento. Segundo o professor do Câmpus Florianópolis, o mais importante é que haja o domínio das estratégias de eficiência energética e conforto térmico e consciência para a sustentabilidade. “Soluções adaptativas simples podem ser implementadas em programas de habitação social”, informa.

Um dos principais desafios que a área de construção civil enfrenta diante das mudanças climáticas é a necessidade de capacitação dos profissionais para que estejam atualizados com práticas sustentáveis e tecnologias modernas. O IFSC oferece formação em Engenharia Civil com unidades curriculares de Eficiência Energética em Edificações que formam os estudantes no domínio das estratégias bioclimáticas e competências para elaboração de projetos eficientes e sustentáveis. A instituição também já ofertou o curso de Especialização Técnica em Eficiência Energética em Edificações. Há ainda os cursos de mestrado em Clima e Ambiente e em Sistemas de Energia, que também apresentam linhas de pesquisa relacionadas ao tema.

Estude no IFSC

Se você se interessa pela área de construção, veja os cursos que o IFSC oferece:

Graduação:

- Engenharia Civil - Câmpus Criciúma
- Engenharia Civil - Câmpus Florianópolis
- Engenharia Civil - Câmpus São Carlos
- Sistemas de Energia - Câmpus Florianópolis

Técnico:

- Edificações (Integrado) - Câmpus Canoinhas
- Edificações (Integrado) - Câmpus Criciúma
- Edificações (Integrado) - Câmpus Florianópolis
- Edificações (Integrado) - Câmpus São Carlos
- Edificações (Concomitante) - Câmpus Canoinhas
- Edificações (Concomitante) - Câmpus São Carlos
- Edificações (Subsequente) - Câmpus Criciúma 
- Edificações (Subsequente) - Câmpus Florianópolis 

Especialização:

- Especialização Técnica em Eficiência Energética em Edificações - Câmpus Florianópolis

Mestrado:

- Clima e Ambiente - Câmpus Florianópolis
- Clima e Ambiente - Câmpus Garopaba
- Clima e Ambiente - Câmpus Itajaí
- Sistemas de Energia Elétrica - Câmpus Florianópolis

Confira todos os cursos oferecidos pelo IFSC aqui.

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Mudanças climáticas e enchentes no Sul do Brasil: que lições temos a aprender?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 05 jun 2024 09:28 Data de Atualização: 05 jun 2024 09:54

Em março de 2022, o IFSC Verifica abordou pela primeira vez o tema das mudanças climáticas. Na época, havia sido publicado o sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que apontava os danos à saúde e ao meio ambiente que já estavam sendo observados em função dos efeitos do aumento da temperatura média global.

O que motivou a equipe do IFSC Verifica a tratar pela primeira vez desse tema, além da divulgação do relatório, foi a ocorrência de eventos extremos muito marcantes no Brasil. Naquela ocasião, a problemática enfrentada era a estiagem prolongada no Sul, que deixou prejuízos bilionários em 2022, e as enxurradas na região Sudeste, que varreram cidades como Petrópolis (RJ) e deixaram mais de 300 mortos. Juntos, esses fenômenos impactaram a vida de cerca de 25 milhões de pessoas nos estados do Sul e do Sudeste, segundo dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil.

Dois anos depois, em nova ocorrência extrema que vem chamando a atenção do país e do mundo, o problema no Sul, agora, é o excesso de chuvas. Desde o final de abril, as enchentes no Rio Grande do Sul devastaram cidades inteiras, tiraram a vida de mais de 170 pessoas e resultaram em perdas incalculáveis. O estado mal se recuperava de duas enchentes ocorridas no segundo semestre de 2023, que deixaram mais de 50 mortos.

O excesso de chuva concentrada num mesmo local é resultado de uma série de fatores que a Meteorologia já vem estudando há bastante tempo e que, no caso da nossa região, começa com o chamado fenômeno El Niño, que consiste no aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico. Em anos de El Niño, costuma ocorrer tendência de chuvas em excesso no Sul do Brasil - as grandes enchentes de 1983 e 1984 em Santa Catarina, por exemplo, foram decorrência do fenômeno - e de estiagem no Sudeste e Nordeste do país. O fenômeno oposto, chamado de La Niña - o resfriamento anormal das águas do Pacífico - gera efeitos contrários, com seca no Sul e chuva em excesso no Sudeste, como foi o caso daquele ano de 2022.

O que aconteceu no Rio Grande do Sul está explicado na ilustração abaixo: uma massa de ar quente e seco, estacionada na região central (2) impediu a passagem da frente fria (1), que, por sua vez, se intensificou com a vinda de ar úmido da Amazônia (3) e o El Niño (4).


 

De acordo com o professor Mário Quadro, doutor em Meteorologia e docente da área no Câmpus Florianópolis, é consenso que os fenômenos extremos têm se tornado cada vez mais intensos e ocorrido com maior frequência. E isso é decorrência do aumento na temperatura média da Terra, provocado pelo chamado efeito estufa, explicado no nosso post de 2022. Ao passo em que também já é consenso que as mudanças no clima, mais do que fenômenos naturais, sofrem interferência da ação humana, os cientistas também vêm alertando regularmente para a importância de medidas que contenham o aquecimento do planeta - que passam, sim, por atitudes individuais, mas, principalmente, devem partir dos governos, da esfera pública e das grandes corporações.

Nesse cenário nada simples, podem surgir questões como: é possível que um fenômeno tão intenso como o ocorrido atualmente no Rio Grande do Sul se repita? Santa Catarina, que é um estado com tanta experiência em enchentes e outros fenômenos, está preparado para uma eventual precipitação anormal? 

Neste post, conversamos com os professores do IFSC, o meteorologista Mário Quadro e a engenheira sanitarista Maurília de Almeida Bastos, ambos do Câmpus Florianópolis, e o geógrafo João Henrique Quoos, do Câmpus Garopaba, para pensarmos sobre algumas lições que as mudanças climáticas vêm nos ensinando.

Lição 1: As mudanças climáticas não são mais uma previsão, e sim uma realidade cujos efeitos já estamos sentindo na pele

Os primeiros alertas globais acerca dos efeitos da ação humana sobre o meio ambiente podem ser situados em 1972, ano em que as Nações Unidas realizaram a primeira grande conferência sobre o meio ambiente, em Estocolmo (Suécia). De lá para cá houve uma série de outros encontros que promoveram discussões amplas a esse respeito, e os variados aspectos das mudanças climáticas entraram de vez na agenda da pesquisa científica.

Desde os anos 2000, os relatórios globais do IPCC trouxeram alertas para o perigo iminente da elevação da temperatura média do planeta em função da emissão de gases-estufa - razão pela qual também se ouve falar em “aquecimento global” como expressão equivalente a “mudança climática”. Mais do que previsões, esses alertas apontam tendências e mostram que os efeitos das mudanças climáticas já são uma realidade.

A saúde das pessoas é um dos aspectos impactados: dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, entre 2030 e 2050, efeitos das mudanças climáticas devem causar 250 mil mortes a mais por ano, por causas como desnutrição, diarréia, malária e estresse térmico. “A gente não costuma associar o clima quente a problemas de saúde, em comparação com o frio, mas, com as mudanças climáticas, as ondas de calor têm sido cada vez mais frequentes e extremas, e isso tem muito impacto na saúde das pessoas”, observa o professor Mário Quadro. O clima muito quente e seco pode agravar condições crônicas como diabetes, asma e hipertensão, além de aumentar o risco de transmissão de doenças infecciosas.

As mudanças nos padrões do clima tendem a tornar mais frequentes não apenas as ondas de calor, mas também as de frio, fenômenos como vendavais e granizo e ocorrências de chuvas em excesso, como foi o caso recente no Rio Grande do Sul. Tudo isso pode ter impactos maiores ou menores dependendo das características das regiões atingidas, como explica Mário Quadro. “É uma conta que tem que levar em consideração vários fatores. Às vezes a gente tem um evento que é concentrado mas que ocorre numa região muito habitada, e aí o dano é gigantesco, catastrófico, mesmo que afete só uma cidade. No caso atual, foi um evento de muita chuva que teve impactos em muitas cidades ao mesmo tempo, por causa da distribuição dos rios”, comenta o professor. “Não só o Sul, mas o Brasil vai ter que repensar sua capacidade de lidar com esse tipo de fenômeno.”

Assim, as mudanças climáticas e os efeitos de eventos extremos, como o que afeta o Rio Grande do Sul, não é problema apenas de populações mais vulneráveis, mas de todos. “Precisamos ter um olhar diferenciado, não imaginar mais que não vai acontecer conosco”, alerta a professora Maurília de Almeida Bastos.

Em Santa Catarina, por exemplo, o Estado determinou que os comitês de bacia devem fazer treinamentos com a população e ter planos de defesa para que as pessoas possam sair das suas casas o mais rápido possível. Maurília explica que há tecnologias que simulam invasão das águas e que vão ajudar a saber qual a cota de alagamento para orientar planos de evacuação. 

Outra medida importante, segundo a professora, seria mapear as áreas de risco e remover a população desses locais, algo que demanda ação principalmente do poder público, além da conscientização da população. Segundo a professora, cobrar do poder público e fazer a sua parte como cidadão deve ser uma realidade de todos.

Lição 2: A educação ambiental e a aproximação entre mídia e ciência podem criar uma nova consciência e combater a desinformação e o negacionismo

A educação ambiental é um caminho para a mudança de consciência sobre a importância da preservação do meio ambiente. Todos os professores que ouvimos para este post concordam que o conhecimento científico sobre como lidar com as questões climáticas e preservar o meio ambiente vai permear as mais diversas áreas do conhecimento, além das profissões já tradicionalmente ligadas à área ambiental. Para que isso aconteça, as instituições de ensino devem ser protagonistas.
Para o professor João Henrique, o papel das instituições de ensino é defender um modelo de desenvolvimento e ocupação do solo sustentável e com embasamento científico, preparando as pessoas para o trabalho e a utilização da tecnologia. “Nós somos uma resposta para a sociedade, de que não é preciso somente ocupar os espaços irregulares para fazer dinheiro. Podemos ter outras formas, desenvolvendo ciência para gerar desenvolvimento”, completa. Para o professor, a Educação Ambiental pode ser uma disciplina específica, já ofertada pelo IFSC em vários cursos técnicos integrados. Porém, disciplinas como Geografia, Ecologia, Biologia, Química e Física podem trazer conteúdos para ensinar o que está acontecendo na atmosfera e a relação com os eventos climáticos.

A professora Maurília explica que um passo importante em direção a uma educação ambiental que envolva também a preocupação com questões sociais é curricularização da extensão, à qual o IFSC já está se adaptando. Segundo esta normativa, que é uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), parte do currículo dos cursos de graduação deve ser voltada a ações para a comunidade. “Esse viés já estamos trilhando há bastante tempo, mesmo antes da lei. Nós formamos o profissional para o mercado, mas também podemos humanizá-lo, por meio dessa consciência nos projetos de extensão”, afirma.

A educação ambiental também passa pela questão da mídia em geral e das mídias sociais. Com as enchentes no Rio Grande do Sul, o professor João Henrique começou a publicar vídeos em seu canal no Instagram e no canal criado pelos servidores do Câmpus Garopaba como ação de mobilização pela greve. São informações cartográficas e atualizações sobre os níveis dos rios do estado gaúcho obtidas pelo Laboratório de Geomática (MaGe). O canal do professor já tem mais de 5 mil inscritos e o vídeo sobre o mapa produzido na década de 60 pelo Instituto Gaúcho de Reforma Agrária (Igra) já conta com mais de 400 mil visualizações. Também estão disponíveis aulas e imagens de satélite. Para ele, são uma forma de contribuir com a sociedade nesse momento e engajar os alunos.

-> Veja o canal do professor João Henrique Quoss no Instagram

As críticas recebidas no Instagram, segundo o professor João Henrique, “negando” a interferência humana na mudança do clima, podem ser interpretadas de formas diferentes. Uma delas, é a necessidade de se repensar práticas de ensino na ciência. “Temos que pensar onde estamos falhando para as pessoas não compreenderem essas coisas. A Geografia, como disciplina, existe há muitos anos, então, é possível que estejamos errando em algumas coisas”.

Outra observação do professor sobre a origem do negacionismo é a crença de algumas pessoas em que preservar o meio ambiente significa menos desenvolvimento econômico, menos empregos e empobrecimento, o que não é bem assim. Combater as mudanças climáticas não significa desacelerar a economia, mas realizá-la de forma sustentável. Por exemplo, não precisamos dizer que para preservar o meio ambiente é necessário deixar de andar de automóvel, mas desenvolver tecnologias para tornar os carros menos poluentes. 

“Esta questão das enchentes no Rio Grande do Sul não está sendo do jeito que a gente queria, mas esse é um momento de divulgação da ciência. Temos que aproveitar essa oportunidade, pois as pessoas esquecem. Quando passar um certo tempo, as pessoas podem estar desgastadas com essa informação e não voltarem seus olhares para o valor da ciência”, relata o professor.

Lição 3: Políticas públicas e legislação mais eficazes são essenciais para mitigar os efeitos de desastres climáticos e promover a preservação ambiental

Não é possível pensar em prevenção e mitigação dos efeitos de desastres climáticos ou preservação ambiental sem se pensar no poder público. A criação de leis, definição de prioridades e aplicação de recursos passam por decisões governamentais e legislativas nas esferas federal, estaduais e municipais.

Para a professora Maurília, o cidadão ambientalmente consciente é aquele que vota em candidatos que defendem propostas concretas. “É preciso saber como votar e não se deixar levar por discursos fantasiosos. É preciso avaliar o discurso e questionar se a prática já foi feita. É desenvolver mais isso, de relacionar o discurso com a prática”, defende.

Um exemplo de consequência direta da não atuação do poder público foi, segundo a professora Maurília, a falta de manutenção dos mecanismos que evitariam as enchentes em Porto Alegre: as barreiras e o bombeamento de água sem manutenção contribuíram para o alagamento no centro da cidade. Da mesma forma, o professor Mário Quadro observa que as enchentes ocorridas em 2023 no Rio Grande do Sul poderiam ter servido de alerta e motivado medidas preventivas. “Mas pouco foi feito em termos de estrutura”, observa. 

Neste momento, de acordo com a professora, o poder público precisa se preocupar com medidas mais imediatas, como as doenças transmitidas pela água, o lixo e o entulho proveniente dos alagamentos. Porém, as medidas a médio e longo prazos, como recuperação das cidades e medidas para prevenção devem ser implementadas. Segundo a professora Maurília, desastres ocorridos em 2022 e 2023 no Sudeste, como Petrópolis e Belford Roxo, foram alertas do que poderia acontecer no restante do país, mas “não sensibilizaram quem deveria investir recursos nessas áreas”.

O professor João Henrique e a professora Maurília defendem a criação de comitês municipais para discutir a questão ambiental, envolvendo as instituições de ensino e pesquisa, o poder público e a comunidade local, inclusive com poder de decisão sobre aplicação de recursos. “O fato de existirem comissões e comitês para discutir questões ambientais em grandes cidades, como Florianópolis tem e Garopaba está tendo agora, está mudando a visão sobre a questão climática. Vários municípios que são atingidos não têm essa comissão, aparece alguém vendendo uma solução que muitas vezes é apenas um produto. Quando você tem uma comissão, você consegue articular com todo mundo, inclusive a sociedade e o grupo de pessoas que vive ali”, explica o professor.

Além da legislação ambiental, a preocupação com o meio ambiente deve se refletir nos planos diretores dos municípios. Porém, para isso, é preciso enfrentar lobbies poderosos de alguns setores econômicos, alerta a professora Maurília.

Lição 4: Ciência e tecnologia podem contribuir com respostas para prevenção e mitigação de efeitos de eventos extremos

Assim como a ciência pode ajudar a encontrar respostas para o desenvolvimento sustentável (que leve em conta aspectos ambientais, sociais e econômicos), ela também pode contribuir para a prevenção e a mitigação dos efeitos de eventos climáticos extremos.

Como citamos na matéria publicada em 2022, a tecnologia que temos hoje no Brasil permite que eventos extremos sejam monitorados e previstos. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, é responsável por monitorar e alertar regiões de risco em casos de eventos extremos (chuvas fortes, ventos, estiagens, entre outros). 

O IFSC possui cursos que desenvolvem pesquisas e projetos de extensão na área ambiental, como por exemplo os cursos de Meteorologia, Saneamento (técnicos), Gestão Ambiental (superior de tecnologia), Engenharia Civil (bacharelado), Educação Ambiental (especialização),  Clima e Ambiente (mestrado), entre outros.

Alguns exemplos de atuação nas enchentes do Rio Grande do Sul vêm do Laboratório de Geomática, do Câmpus Garopaba, com a participação de professores e estudantes:

Cartografia para a Força Aérea: O professor João Henrique foi solicitado a criar uma cartografia noturna da região de Porto Alegre para auxiliar na navegação de aeronaves da Base de Santa Maria da Força Aérea Brasileira.

Resgate em áreas rurais: Fornecimento de imagens por satélite para bombeiros voluntários realizarem resgates em áreas rurais do município de Agudo. “Diferente das áreas urbanas, onde houve muita inundação, no interior houve muitos deslizamentos de terra. Então, os bombeiros precisavam reconhecer onde estavam as casas que já estavam soterradas”, explica o professor João Henrique. Assim, as imagens de satélite foram comparadas com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontando a localização das propriedades rurais. 

Parceria com ICMBio: O Laboratório de Geomática está preparando material cartográfico para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para atuação de campo em uma Unidade de Conservação no município de Rio Grande, onde desemboca a Lagoa dos Patos. O trabalho foi solicitado por ex-alunos do IFSC que hoje atuam no ICMBio e conta com a participação de alunos atuais.

Enchentes de 2023: Foram realizados levantamentos em 2023 na cidade de Venâncio Aires, no vale do Rio Taquari, atingida pelas enchentes, para delimitar a área atingida naquele momento.

Instrumentos representativos: A produção de material didático para escolas e instituições também faz parte do trabalho do Laboratório de Geomática. Estão sendo produzidas maquetes em 3D de bacias hidrográficas. Em parceria com o Geolab, da Udesc, foi produzida maquete da bacia hidrográfica do Rio Itajaí, com cópias entregues à Defesa Civil de Santa Catarina e ao município de Rio do Sul, e modelos de relevo do Rio Grande do Sul, que podem ser baixados para impressão. 

Realidade aumentada: Foi criada uma imagem em realidade aumentada sobre as enchentes para uso em sala de aula. “A informação e o trabalho tecnológico em Geoprocessamento já está mostrando isso em cartografia e em digital. Temos dificuldade de tornar pública e abstrair essa informação para a comunidade, tornar as informações práticas e compreensíveis, inclusive fazer essa parte técnica ser entendida pelos políticos”, destaca o professor João Henrique.

Monitoramento em tempo real: O Instagram dos servidores em greve no Câmpus Garopaba e do professor João Henrique estão exibindo imagens demonstrando o nível dos rios das regiões atingidas pela enchente no Rio Grande do Sul, a partir de dados locais.

Outra contribuição importante do IFSC será o Laboratório Multiusuário de Clima e Ambiente, projeto coordenado pelo professor Mário Quadro que foi contemplado com recursos de R$ 2,5 milhões do governo do Estado, via Fapesc. O laboratório vai coletar informações sobre padrão de chuva, vento, temperatura, ondas de calor e qualidade do ar, entre outras. O modelo de simulação climática vai conseguir definir com maior precisão as regiões suscetíveis a fenômenos extremos em Santa Catarina. Todos os dados coletados serão compartilhados com órgãos como a Epagri, o Instituto do Meio Ambiente e a Defesa Civil. A perspectiva é que o trabalho incremente a capacidade do estado de antever os eventos extremos e mapear regiões de risco.

Lição 5: As atividades econômicas precisam se adaptar à nova realidade, buscando o desenvolvimento sustentável, com a recuperação e preservação da cobertura florestal

O relatório mais recente do IPCC sobre os efeitos das mudanças climáticas é bastante objetivo: a preservação da cobertura florestal (ou a recuperação de áreas de vegetação degradadas) é a solução para reduzir praticamente todos os problemas: vão desde a fixação do solo e a delimitação de áreas alagáveis até a absorção de CO2 e a manutenção da qualidade do ar, passando por muitos outros benefícios (veja mais detalhes neste material da World Resources Institute Brasil).

Além de repensar a ocupação do solo na área rural, com manutenção da cobertura vegetal, seja em áreas de preservação permanente ou uso de práticas agrícolas que não deixem o solo exposto, é preciso repensar também as áreas urbanas. Por exemplo, muitas cidades catarinenses canalizaram seus rios e construíram núcleos urbanos em cima deles. Os rios que formavam curvas foram “retificados”, o que representa um risco em caso de fortes chuvas, pois a velocidade da água acaba sendo maior e sem área suficiente para o alagamento natural. “Eu estava fazendo trabalho de outra área e caminhando próximo a um rio, e vi a fundação de um prédio dentro do rio. Por não ter uma fiscalização, muitas pessoas acabam construindo dentro do rio e depois vão legalizar a construção”, explica a professora Maurília. Segundo ela, a legislação proíbe construir em cima de drenagens, regra nem sempre é cumprida. 

O mesmo acontece no Litoral, onde não se respeitam as áreas de praia, e muitas construções são atingidas nas ressacas do mar ou mesmo soterradas por dunas. Nos dois exemplos, são os interesses econômicos que se sobrepõem ao social e ao ambiental, acarretando prejuízos a médio e longo prazos. “As pessoas precisam mudar os modelos de manejo, porque senão teremos situações ainda piores, dentro dessa guerra silenciosa, dessa ocupação desordenada, políticas direcionadas a interesses econômicos de certos setores, planos diretores que precisam ser atualizados dentro do contexto não só imobiliário, mas sim dessa ocupação urbana de acordo com as condições da natureza”, alerta a professora.

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Transgênicos fazem mal à saúde?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 26 mar 2024 04:20 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:29

Já ouviu falar no “boimate”? Esse foi o nome dado a uma suposta planta que teria sido criada em laboratório por cientistas alemães em 1983. Eles teriam combinado genes de um boi e de um tomate, dando origem a um tomateiro com fruto de casca semelhante ao couro, com seu interior contendo discos de proteína animal e de tomate intercalados. Essa novidade, divulgada pela renomada revista Veja na edição de 27 de abril daquele ano, era tão fantástica que não parecia ser verdade. E, bem… não era verdade mesmo.

Veja acabou republicando como notícia uma brincadeira de 1º de abril (o chamado “Dia da Mentira”) feita pela revista britânica New Scientist. A publicação brasileira chegou a entrevistar um engenheiro geneticista que ficou impressionado com a novidade. O pouco conhecimento que se tinha na época sobre a engenharia genética ajuda a explicar esse engano, admitido pela revista cerca de dois meses depois.

Passadas quatro décadas desse episódio - até hoje lembrado em aulas de cursos de jornalismo e de comunicação -, as possibilidades que a engenharia genética traz ainda não são totalmente compreendidas pelo público leigo. Um exemplo disso são os alimentos transgênicos, alvos de debates sobre sua segurança e impacto para a saúde humana.

“A gente percebe que as pessoas não sabem o que são os alimentos transgênicos, embora já tenham ouvido falar deles”, conta a professora Gladis Teresinha Slonski, do Câmpus Florianópolis-Continente do IFSC, que trabalha o tema transgênicos com estudantes de cursos de diferentes níveis (técnico, graduação e especialização).

Para saber mais sobre os transgênicos, se seu consumo é seguro para a saúde humana e os impactos sociais, econômicos e ambientais deles, conversamos com Gladis e mais dois professores. O currículo de todos eles apresentamos a seguir.

Gladis Teresinha Slonski é professora do Câmpus Florianópolis-Continente do IFSC. Possui graduação em Ciências Biológicas, com mestrado em Biologia Vegetal e doutorado em Educação Científica e Tecnológica.

Helaine Carrer é professora  do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), na cidade de Piracicaba (SP).  Possui graduação em Engenharia Agronômica, com mestrado em Ciências e doutorado em Biologia Vegetal.

Luís Carlos Vieira é professor do Câmpus Canoinhas do IFSC. Possui graduação em Agronomia, com mestrado em Produção Vegetal e doutorado em Melhoramento e Biotecnologia Vegetal.

Como é produzido um transgênico?

A tecnologia que deu origem aos alimentos transgênicos é chamada “DNA recombinante” e foi desenvolvida na década de 1970. Ela consiste, segundo explica o professor Luís Carlos Vieira, do IFSC, na incorporação de genes de espécies que não se reproduzem em condições naturais, como, por exemplo, entre seres dos reinos animal e vegetal, ou entre espécies de plantas distintas.

“A tecnologia desenvolvida para o processo de criação de um transgênico abriu possibilidade de isolar, manipular e identificar genes de interesse em organismos vivos e introduzi-los em outros organismos”, destaca Luís. Ou seja: genes de uma espécie são selecionados em laboratório e incorporados ao DNA de outra, que vai desenvolver características novas e desejadas que ela não teria naturalmente ou que demorariam várias gerações para aparecer em caso de cruzamento com plantas da mesma espécie.

“É o DNA que carrega as informações para síntese de proteínas, e modificações nos genes podem afetar a proteína a ser sintetizada, o que poderá ocasionar o desenvolvimento de uma característica, que, até então, não era presente no organismo original”, detalha Luís. Um dos exemplos da transgenia é a inserção de genes da bactéria Bacillus thuringiensis em plantas para torná-las mais resistentes a pragas, pois aquela bactéria produz proteínas com propriedades tóxicas específicas para insetos.

Criar plantas mais resistentes a pragas foi o objetivo inicial da transgenia. Por meio dela, é possível também produzir variedades que cresçam mais rápido ou que se adaptem melhor a condições específicas de clima e ambiente. Além da produção de alimentos, essa tecnologia é usada na área da saúde para produção de vacinas, medicamentos e até mesmo de insulina para tratamento de pessoas diabéticas.

De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), são transgênicos mais de 90% do milho e da soja produzidos no Brasil - e esses são os dois principais produtos agrícolas do país, que servem de matéria-prima para vários alimentos industrializados e também para ração consumida por frango, bovinos e outros animais dos quais nos alimentamos.

O Brasil é o segundo maior produtor de transgênicos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Feijão e algodão são outros produtos que se destacam na produção transgênica brasileira.

É seguro comer alimentos transgênicos?

Os alimentos transgênicos são consumidos há mais de 20 anos em pelo menos 50 países (segundo a Embrapa) e, nesse período, diversas pesquisas foram feitas para avaliar seu impacto sobre a saúde humana. Uma preocupação que surgiu no início do consumo de alimentos transgênicos era de que eles poderiam causar alergias e até doenças como o câncer.

Em 2016, a Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos (Nasem, na sigla em inglês) publicou um relatório após consulta a mais de mil estudos científicos e avaliação de mais de 20 anos de dados sobre doenças e plantações naquele país, afirmando que o consumo dos transgênicos não traz risco à saúde humana. A Nasem é uma organização licenciada pelo Congresso dos Estados Unidos e serve como academia nacional coletiva de ciências do país norte-americano.

A Embrapa, empresa pública do governo federal, também defende que os alimentos transgênicos são seguros e afirma em seu site que a Lei de Biossegurança brasileira - Lei 11.105, de 24 de março de 2005 - é uma das mais rigorosas do mundo. Essa lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM, sigla por vezes usada para identificar os transgênicos) e seus derivados.

Para a professora Helaine Carrer, da USP, o medo com relação ao consumo de transgênicos tem mais ligação com a falta de conhecimento e com questões ideológicas do que com comprovação científica de supostos malefícios. “Deve-se respeitar cada pessoa. Mas é importante a gente passar o conhecimento de que são tecnologias que vêm trazendo avanço para a agricultura e para a qualidade de vida”, opina.

Helaine destaca que, antes de poder ser comercializado, todo produto transgênico que é desenvolvido passa por diversos testes em laboratórios para avaliar se pode trazer risco à saúde humana (análise de toxicidade). O processo de aprovação de um produto transgênico pode levar até 10 anos.

O uso do DNA de bactérias é um dos fatores que pode causar medo, pois esses organismos estão associados no senso comum a doenças e, para os leigos, uma bactéria é muito diferente de um pé de milho. Mas, segundo explica a professora Helaine, a composição química do DNA é a mesma para todos os seres vivos.

Seja uma mosca, uma goiabeira ou um ser humano, todos os seres vivos possuem a mesma estrutura de DNA, formado por partes menores chamadas nucleotídeos, que são de quatro tipos: adenina, citosina, guanina e timina. Todas as espécies possuem esses mesmos nucleotídeos, mas em quantidades distintas e ordenados de modo diferente em cada uma das espécies: é isso que faz os seres vivos serem tão diversos entre si.

“O código genético é universal. A proteína produzida por uma bactéria é a mesma produzida por um ser humano. Nós comemos DNA o tempo todo. Ele vai ser digerido da mesma forma, seja uma planta comum ou uma que tem um pedaço de DNA de outro ser”, diz Helaine.

A professora Gladis Slonski, do IFSC, defende que a segurança dos transgênicos ainda é controversa, pois há pesquisas que sugerem a relação entre o consumo deles e o surgimento de alergias. “Ainda não se tem certeza. Alguns estudos dizem que sim [que o consumo de transgênicos é seguro], outros dizem que não. Não há consenso”, afirma.

Atualmente no Brasil, se um alimento tem algum produto transgênico em sua composição, em qualquer quantidade, a informação deve estar indicada no rótulo por meio do símbolo da letra “T” gravada em preto, dentro de um triângulo amarelo. Tramita no Senado um projeto de lei para que essa indicação não seja mais obrigatória caso a quantidade de transgênicos seja inferior a 1% da composição total do produto.

Além da saúde humana, os transgênicos têm impactos - que podem ser positivos ou negativos - ambientais e socioeconômicos, de acordo com os especialistas entrevistados pelo IFSC Verifica.

Quais são os impactos dos transgênicos para o meio ambiente?

Segundo a professora Gladis Slonski, na área ambiental um dos principais impactos negativos dos transgênicos é o de que eles podem ameaçar cultivos tradicionais e orgânicos, pois variedades modificadas geneticamente de plantas como o milho podem se reproduzir com espécies nativas e, assim, gerar um híbrido também transgênico.

O professor Luís Carlos Vieira explica que a reprodução do milho ocorre por meio da dispersão do pólen pelo ar, podendo as partículas alcançarem outras plantas da espécie distantes até 500 metros. Se um cultivo transgênico estiver próximo de um não transgênico, há risco de cruzamento entre eles. É o que se chama de “polinização cruzada”. Vale lembrar que uma produção orgânica, por exemplo, não pode usar transgênicos e seria prejudicada em caso de polinização cruzada.

“A disseminação de pólen transgênico gerando contaminação genética é um fato preocupante e de fácil de ocorrência, principalmente quando há nas proximidades cultivos de cultivares transgênicos e de cultivares ou variedades convencionais, crioulas e ou mesmo espécies silvestres de plantas que realizam polinização cruzada”, explica Luís Carlos. Variedades crioulas são populações conservadas que foram obtidas através de seleção e cruzamento natural realizada pelos agricultores ao longo de muitas gerações, conforme define a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).

A professora Helaine Carrer, da USP, também considera esse um problema que os transgênicos podem trazer, ameaçando a biodiversidade. Ela considera que o desenvolvimento da engenharia genética tem permitido aos cientistas conhecer melhor a biologia das plantas e que, por isso, é importante que a diversidade delas seja preservada. “Deve haver uma distância segura para os cultivos não transgênicos, para que a gente não perca essa biodiversidade”, afirma.

Ainda na área ambiental, o cultivo de transgênicos traz mais duas preocupações principais. Uma delas diz respeito ao possível aumento no uso de agrotóxicos - ao contrário do que se imaginava inicialmente e do que prometia a engenharia genética -, pois nem todas os indivíduos de uma espécie considerada “praga” são afetados pelos genes de resistência implantados nas plantas geneticamente modificadas.

Com isso, mais agrotóxicos precisam ser usados para combater as pragas “super resistentes”, o que pode ocasionar poluição do solo e da água. A professora Gladis Slonski lembra que a análise da água consumida em algumas cidades catarinenses apontou alto índice de defensivos agrícolas, inclusive em uma pesquisa feita pelo Câmpus Itajaí do IFSC.

Um levantamento realizado por pesquisadores da USP mostrou que, entre 2003 e 2021, o uso de agrotóxicos no Brasil aumentou 392%, muito acima do acréscimo de área usada para agricultura no mesmo período (80%). A maior parte desses produtos (76%) foi usada em cultivos de soja e milho que, como vimos, são predominantemente transgênicos. O total de 720 mil toneladas de agrotóxicos utilizados no país em 2021 colocou o Brasil como líder mundial de consumo desses produtos.

É importante recordar que os seres vivos que consideramos “pragas” por prejudicarem a produção agrícola têm seu papel no equilíbrio do meio ambiente. Se uma espécie de inseto desaparecer, por exemplo, isso pode afetar toda a cadeia alimentar de um ecossistema.

Por outro lado, os transgênicos podem ser benéficos ao meio ambiente por permitirem um aumento da produtividade nos cultivos e, consequentemente, diminuírem a área necessária para produzir a mesma quantidade de alimentos. “Hoje, no Brasil, a área plantada já é suficiente para a produção de alimentos”, diz a professora Helaine Carrer.

Ela ressalta que a tecnologia permite, ainda, que terras que deixaram de ser usadas para agricultura possam voltar a ser úteis, pois as plantas podem ser modificadas para se adaptar a elas. Com a transgenia, é possível desenvolver variedades que adaptam-se melhor a climas e ambientes em que a espécie originalmente não se desenvolvia, a situações extremas, como a seca, e mesmo às mudanças climáticas em geral.

Quais são os impactos socioeconômicos dos transgênicos?

O uso da transgenia na produção agrícola tem como um de seus objetivos diminuir custos na produção.  Atualmente, porém, ela não é uma tecnologia acessível a todos.

Os custos da produção de sementes transgênicas e o seu patenteamento pelas empresas que as desenvolvem tornam seu acesso difícil a pequenos produtores. “No preço de uma semente transgênica, está embutido o custo de ‘royalties’. Ou seja: ele [o agricultor] pagará pelos direitos intelectuais da empresa. Esse custo é muito elevado para os padrões de uma pequena propriedade”, destaca o professor Luís Carlos.

As empresas também costumam vender as sementes junto com um “pacote tecnológico” que inclui insumos e agrotóxicos específicos para elas, causando um problema de monopólio da tecnologia. Segundo o professor Luís Carlos, as seis maiores empresas mundiais que atuam no ramo de alimentos são também as que se destacam no mercado de transgênicos, pois controlam 60% do mercado de sementes e aproximadamente 70% do mercado de insumos, pesticidas e agrotóxicos.

A transgenia pode impactar, ainda, a variedade do que comemos. Com a produção em larga escala de poucas variedades e seu uso como ingrediente para vários alimentos, corre-se o risco de ocorrer a chamada “monotonia alimentar”: uma alimentação com pouca variedade de produtos e, por consequência, de nutrientes. “Na história humana, já consumimos mais de 10 mil espécies diferentes de vegetais, mas hoje são selecionados aqueles que têm mais durabilidade e são mais rentáveis. Isso tem trazido uma monotonia para nossa alimentação”, comenta a professora Gladis Slonski.

Uma possibilidade que a transgenia traz, porém, é o aumento da qualidade nutricional do produto, melhorando sua aparência e conteúdo nutricional.

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É possível prever o futuro?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 fev 2024 16:52 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:26

Como será o mundo daqui a 10, 20 ou 50 anos? Onde estaremos em uma ou duas décadas? A tentativa de obter respostas para prever o futuro aguça a curiosidade humana há bastante tempo. É só lembrar dos profetas, oráculos, feiticeiros, ciganos, cartomantes e tantas outras iniciativas ao longo dos milênios e que percorrem a história da humanidade até os dias atuais.

Os esforços de previsão também conquistaram as telas. Desenhos clássicos como Os Jetsons (1962 e 1985) mostraram esteiras rolantes, relógios inteligentes, robôs fazendo faxina, e que iríamos nos locomover em veículos voadores. Esta última previsão foi parecida na trilogia De volta para o futuro (1985, 1989 e 1990), mas pelo menos até agora não se popularizou um carro voador. Por outro lado, os filmes conseguiram prever que o futuro teria imagens em 3D, drones e roupas inteligentes.


Cena com imagem de tubarão em 3D no filme De volta para o futuro (1985)

Como a ciência estuda o futuro?

Ao migrar das vertentes que tentam prever o futuro por meio da adivinhação, do divino, do imaginário popular, e ao adentrar na ciência, o tema também conquistou seu espaço como área do conhecimento. No período pós-guerra, os estudos do futuro adentraram em instituições militares, de ensino e empresas, e foram motivo para a união de esforços pelo mundo, por meio da criação de inúmeras organizações, entre elas Federação Mundial de Estudos do Futuro (WFSF World Futures Studies Federation), Fundação de Estudos de Aceleração (Acceleration Studies Foundation) e Conselho Consultivo Global de Foresight (Global Foresight Advisor Council). Saiba mais sobre a história ao final do texto.

Os termos “foresight” ou “future studies” (em inglês) são os mais conhecidos mundialmente. Aqui no Brasil, também se utiliza “estudos do futuro”, “futurismo” - este último nada tem a ver com o movimento artístico italiano do início do século XX -, e ainda são encontrados expressões como “prospecção” e “prospectiva”.

“Foresight é uma ciência transdisciplinar que procura antecipar, criar, gerenciar mudanças em uma variedade de domínios (científico, tecnológico, ambiental, político e societal), em diferentes escalas, usando uma variedade de especialidades, teorias e métodos.” Acceleration Studies Foundation

As teorias e métodos dos estudos do futuro são utilizados por “futuristas” de diversos níveis (praticante, influenciador, professor e conselheiro), a depender dos estudos de cada um. Aqui no Brasil são mais comuns certificações em futurismo/foresight. Lá fora, a Universidade de Houston, nos Estados Unidos, é uma das pioneiras em ensinar sobre o tema e oferece até um Mestrado de "Ciência em Foresight" (Science in Foresight).

Com pós-doutorado em Inovação e Tecnologia, Graciela Pelegrini, professora do Câmpus Chapecó do IFSC, finalizou recentemente uma certificação em “foresight” e resume o que é o futurismo:

“O futurismo provisiona o futuro através de uma metodologia. Existem estudiosos se dedicando muito para isso, que desenvolveram métodos que utilizam o cenário atual e através deste método provisionam como será o futuro, daqui a pelo menos 10 anos. Recentemente a ONU e outras instituições começaram a analisar, a tentar ‘prever’ o futuro", afirma. Assista a mais detalhes no vídeo: 

Por que estudar o futurismo?

A Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco) enxerga como essencial o que chama de “Futures Literacy” (Alfabetização em Futuros - tradução livre), destacando que “a alfabetização em futuros ajuda as pessoas a entender por que e como usamos o futuro para preparar, planejar e interagir com a complexidade e a novidade de nossas sociedades”.

Mas, por que, tem se falado mais sobre futurismo ou foresight? A professora Graciela Pelegrini explica que três pontos respondem a esta pergunta:

  • a maior expectativa de vida das pessoas;
  • a hiperconectividade;
  • a competitividade.

Alguns estudos, segundo Graciela, já mostram que as pessoas que vão viver 130 anos já nasceram e estão entre nós. “Como as pessoas estão vivendo mais, surge esse interesse de prever, ou melhor, de criar o futuro que elas desejam”.

Outro ponto importante é a hiperconectividade, já que atualmente o que ocorre em qualquer lugar do mundo tem importância para nós aqui no Brasil. Além disso, a hiperconectividade também acelerou muito as pessoas, e aumentou a concorrência e a competitividade das empresas. “Cada vez mais as empresas querem sair na frente, então nada melhor do que um método que consiga ‘prever’ o que vai acontecer lá na frente”, destaca Graciela.

Essa necessidade faz com que diversas empresas contratem futuristas, entre elas a startup de dados DrumWave que destinou uma cadeira para este profissional em seu conselho consultivo, e inúmeras outras brasileiras ou com filial no Brasil, como John Deere, Coca-Cola, Tokio Marine Seguradora, bancos privados etc.

“O futuro não é um lugar onde estamos indo, mas um lugar que estamos criando. O caminho para ele não é encontrado, mas construído e o ato de fazê-lo muda tanto o realizador quando o destino” - Antoine de Saint-Exupéry – 1900 - 1944
 

Os tipos de futuro

Estudos de futuro não devem fingir prever o futuro, ou não deveriam, mas sim estudar ideias sobre o futuro, segundo o futurista norte-americano Jim Dator. Sendo assim, nos últimos cinquenta anos, os estudos do futuro mudaram de “prever o futuro para mapear futuros alternativos e moldar futuros desejados”, resume o futurista paquistanês-australiano Sohail Inayatullah.

Essas mudanças ao longo dos anos foram essenciais para a abordagem de “futuros plurais”. A metodologia aborda quatro principais futuros, resumidos pela futurista Graciela Pelegrini:

  • futuro provável: é provável que já está em andamento, interferindo ou não, ele vai acontecer;
  • futuro possível: pode ocorrer de forma repentina, ninguém estava esperando que ele viria e você terá que lidar;
  • futuro plausível: acreditamos ser possível, mas improvável - digno de aplausos, “foram felizes para sempre”, acabou a desigualdade no mundo;
  • futuro preferível: o que gostaríamos que acontecesse - percebe-se que vai acontecer, e a gente consegue tomar ações para moldar.

Como o futurista prospecta os futuros?

O futurista é um profissional que não trabalha sozinho, precisa estar alinhado com a equipe da universidade, da empresa, do espaço em que ele está prospectando e utilizar uma metodologia. “Nada acontece do nada. Tudo que da noite do dia se transforma, vem dando sinais ao longo dos anos”, destaca a professora Graciela, ao explicar algumas etapas utilizadas na prospecção do futuro:

  • Definir pergunta norteadora, cenário, espaço temporal
  • Captar sinais (notícias, fatos, informações atuais que podem impactar o futuro)
  • Análise de como cada “sinal” (notícia) irá impactar o espaço estudado
  • Qual a oportunidade que este sinal oferece
  • Criar possíveis cenários (são quatro possíveis: crescimento, disciplina, colapso e transformacional)
  • Planejamento, ações para aplicar o cenário transformacional

Confira no vídeo um exemplo de aplicação da metodologia acima:

Um pouco da história

Oficialmente, a ciência apoderou-se dos estudos do futuro há pelo menos 70 anos, quando foi fundada a Rand Corporation com o foco de estudar os caminhos do mundo, no pós-guerra, para as Forças Armadas dos Estados Unidos. Desta organização saiu o futurista germano-americano Olaf Helmer (1926-2011), que, em 1968, foi o cofundador do reconhecido Instituto para o Futuro (Institute for the Future).

Pouco depois, em 1973, surge a Federação Mundial de Estudos do Futuro (WFSF World Futures Studies Federation), que reúne estudos de mais de 60 países, e tornou-se parceira consultiva da Organização das Nações Unidas para a Educação (ONU e Unesco). Destaca-se também a Fundação de Estudos de Aceleração (Acceleration Studies Foundation), responsável por auxiliar comunidades, empresas e indivíduos a “melhorar a sua capacidade de previsão no que diz respeito à força mais poderosa do planeta hoje - a aceleração da mudança tecnológica”.

Instituições de ensino também se tornaram referência no tema, entre elas a Universidade de Houston (EUA); o Centro de Estudos do Futuro da Finlândia (Finland Futures Research Centre), dentro da Universidade de Turku; a Universidade de Tamkang, e o Metafuture, na Ásia, trabalham com robustas metodologias e estudos avançados em formato acadêmico.

Para validar os profissionais que tem estudado "foresight", foi criado o Conselho Consultivo Global de Foresight (Global Foresight Advisor Council). Os requisitos para a certificação são horas de estudo comprovadas e estudo continuado, trabalhos aprovados, com aplicação de provas para os diferentes níveis de graduação: praticante, influenciador, professor e conselheiro.

Cabe citar que o francês Bertrand de Jouvenel (1903-1987) é considerado um dos pais da disciplina no âmbito da ciência. O norte-americano Jim Dator (1933-), e o paquistanês-australiano Sohail Inayatullah (1958-), entre tantos outros, também ajudaram a popularizar os estudos nos dias atuais. Aqui no Brasil, as futuristas Rosa Alegria e Jaqueline Weigel são dois exemplos de quem têm difundido os “estudos do futuro”.

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Como aproveitar o verão de forma segura para sua saúde

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 dez 2023 08:06 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:23

Ah, um banho de cachoeira ou um mergulho no mar! É o sonho de quem espera ansiosamente pelo verão. Mas são locais em que é preciso muita atenção para um acidente não acabar com as suas férias. E por falar em atenção, já passou o protetor solar hoje? Não esqueça o vinagre se for à praia - as águas-vivas também adoram o calor. Prepare alimentos leves e beba muita água!

Estas e muitas outras questões sobre como aproveitar o verão de forma segura serão respondidas neste post do IFSC Verifica. Contamos com as explicações dos professores do IFSC, dos câmpus Itajaí e Florianópolis. Confira:

Como será a previsão do clima para Santa Catarina neste verão?

Conversamos com o professor Michel Nobre Muza, do curso técnico em Meteorologia do Câmpus Florianópolis, que falou sobre a previsão do tempo para o Estado neste verão. Veja o vídeo:

Agora que você já sabe que teremos bastante chuva e calor, veja abaixo as dicas para curtir o verão com segurança.

Em que locais é mais seguro entrar no mar?

Segundo a Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa), 15 brasileiros morrem afogados diariamente, sendo que homens morrem em média 6,8 vezes mais e a maioria dos afogamentos acontecem com pessoas entre 10 e 59 anos de idade.

Já o Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC) informa que entre 2020 e 2021, cerca de 93% dos afogamentos em praias catarinenses ocorreram fora do local e horário de cobertura de guarda-vidas.

Ficar próximo aos guarda-vidas e atento às bandeiras de sinalização dos Bombeiros é o primeiro passo para ter um dia tranquilo na praia.

As bandeiras vermelhas indicam, por exemplo, locais com correntes de retorno, que são a causa de boa parte dos afogamentos. Ao olhar o mar de frente, é possível perceber a sequência de ondas quebrando, mas em alguns pontos elas não se formam. O professor da área de Recursos Naturais, no curso técnico de Aquicultura, Leonardo Machado, explica que as ondulações chegam até a areia e se espalham - é o espraiamento - mas quando a água retorna para o mar, acaba criando canais em que o fluxo de água é maior. "Esse fluxo contínuo em um mesmo ponto forma um canal que vai até possibilitar que a pessoa seja arrastada com maior facilidade porque ela não vai ter contato com o fundo."

 

Confira no vídeo do CBMSC como identificar uma corrente de retorno:

A orientação é nunca entrar em canais como esse da imagem. "As correntes de retorno têm uma velocidade e uma intensidade bastante forte e uma pessoa, mesmo que saiba nadar muito bem, ela não consegue vencer. Então, a gente tem que ter atenção para elas, evitá-las", orienta Leonardo.

Mas se estiver tomando banho e perceber que tem uma corrente puxando, tente sair imediatamente do local. Alguns passos ou braçadas para o lado já é possível para perceber que a corrente perde força.

Qual o perigo de entrar no mar perto das rochas?

Outro ponto perigoso e que não é aconselhável entrar no mar é próximo a rochas. E a explicação também tem relação com o fluxo da água, que forma valas em torno das pedras. No vídeo abaixo, o professor Leonardo explica porque é perigoso:

Subir nas rochas também não é uma boa ideia. Na era das selfies, muita gente se arrisca subindo em costões em busca da melhor foto. Mas basta uma onda mais forte ou um escorregão para ocorrer um acidente, muitas vezes fatal.

Entenda os riscos de caminhar sobre as rochas:

Embarcações e banhistas, como evitar acidentes?

Pelas normas da Capitania dos Portos, da Marinha do Brasil, qualquer embarcação com motor só pode navegar a mais de 200 metros da faixa de areia. A legislação inclui jet skis e banana-boats.

Em Santa Catarina, muitos municípios utilizam boias de sinalização para indicar esses 200 metros para evitar que as embarcações, principalmente as menores, se aproximem muito da praia, e servem de alerta para banhistas, surfistas e praticantes de stand up.

Mas e quando você está numa embarcação para fazer um passeio, é só curtir? Também não é assim. Leonardo alerta que os riscos nos passeios com as embarcações estão muito relacionados ao momento em que tem aquela pausa para os turistas pularem na água. "Uma pessoa só deve ir para a água quando ela tem a certeza de que o comandante autorizou, que ele está vendo que a pessoa está na água." Confira a explicação no vídeo:

Outro alerta do professor Leonardo pode parecer desnecessário, mas não é: boias infláveis só devem ser usadas em piscinas, NUNCA no mar. Parece um conselho bobo, mas ele relata que já resgatou pai e filho que estavam em um colchão inflável numa praia do Espírito Santo e foram levados pela correnteza mar adentro.

Um caso parecido virou notícia internacional em 2020. Uma menina de apenas 4 anos foi resgatada em alto-mar por uma balsa. Ela estava flutuando em uma boia de unicórnio quando uma correnteza a afastou da família.

Menina sobre boia de unicórnio no mar Foto: Petros Kritsonis/Reuters
Reprodução de foto de Petros Kritsonis/Reuters

Em casos de rios, o que fazer?

Nos rios, a força da água também forma canais, onde a profundidade é bem maior e pode ser um susto para banhistas. Leonardo explica que a posição deste canal muda ao longo do tempo. "Então não é porque a gente conhece um determinado rio que a gente vai ter certeza que está em segurança. Tem que ter atenção toda vez que entrar nele, para entender até onde a gente pode ir antes de entrar nesse canal, que normalmente é uma queda abrupta, que vai para profundidades maiores, e a gente pode ficar sem dar pé." Ele alerta ainda que o canal não é necessariamente no meio do rio, pode ser numa margem, por exemplo. Isso acontece principalmente em rios que formam curvas. "Em um dos lados o rio vai cavar, enquanto na outra margem ele vai depositar areia e vai ficar mais uma prainha", explica.

Ele destaca que um mesmo rio não é sempre igual. E às vezes ele pode mudar repentinamente. É o que acontece quando cai uma chuva muito forte. O problema fica ainda maior se a chuva forte não ocorre no ponto onde estão os banhistas, mas na cabeceira do rio, por exemplo. As pessoas podem ser pegas de surpresa com um volume de água muito grande.

O professor Leonardo é da equipe de formação de pescadores profissionais no Câmpus Itajaí. Diante de tantos alertas, ele tem um último e bem importante:

"Salto de cabeça não! O salto de cabeça é super arriscado porque a gente não tem como prever a profundidade que a gente tem naquele local, mesmo que a gente se certifique, vá lá antes e veja a profundidade, a gente não sabe até onde a gente vai chegar com o nosso salto. Então, nas praias, por exemplo, os bancos de areia estão sempre mudando. Nos rios, o canal do rio também muda de posição. Então, a gente tem que estar atento para isso, evitar os saltos de cabeça e saber muito bem o que está fazendo."

Como prevenir acidentes no mar?

Segundo a professora Angela Regina Kirchner, do curso técnico em Enfermagem do Câmpus Florianópolis, é preciso partir sempre da premissa da prevenção. Ela explica que a maior parte dos afogamentos acontecem com pessoas que sabem nadar, mas não avaliam corretamente os riscos, ou por crianças, que não têm noção do perigo. Ela aconselha a nunca entrar no mar sozinho, pois pode ter algum contratempo, como uma câimbra.

Além disso, a pessoa que se dispõe a socorrer alguém deve sempre primeiro pensar em chamar o socorro especializado, seja o guarda-vidas da praia, Bombeiros ou o SAMU. “Quem vai prestar o primeiro socorro é sempre o ‘intermediário’ entre a vítima e o socorro especializado. Você não vai ter conhecimentos e nem equipamentos suficientes para prestar um atendimento de qualidade”, alerta.

O que fazer quando alguém estiver se afogando?

A professora Angela alerta que a premissa básica de um socorrista é não se colocar em perigo, não ser a próxima vítima. Ao ver uma pessoa se afogando, algumas dicas podem ser seguidas:

  • Manter a calma: a professora explica que nossos pulmões são “boias” cheias de ar, e quando gritamos, esse ar sai e perdemos a capacidade de boiar. Isso vale para quem está se afogando ou mesmo para quem está tentando ajudar. Levantar o braço, tentar chamar por socorro, tentar flutuar e não se desesperar são as primeiras coisas a fazer.
  • Chamar o socorro especializado: chamar os guarda-vidas da praia imediatamente;
  • Jogar objeto flutuante: jogar um objeto flutuante para quem está se afogando é uma opção. Segundo a professora Angela, nem os guarda-vidas e nem as pessoas comuns devem se aproximar de alguém que esteja se debatendo na água, sob o risco de ser puxado e se afogar também.
  • Capturar a vítima por trás: assim como a dica de jogar objetos flutuantes, é preciso capturar a vítima por trás, com a cabeça para fora da água, para que ela não consiga puxar o socorrista.

Depois que a pessoa foi tirada da água, o que fazer?

Depois que a vítima foi tirada da água, há ainda algumas medidas simples de suporte que podem ser tomadas até a chegada do atendimento especializado. A professora Angela explica neste vídeo o que pode ser feito, caso a pessoa tenha segurança em prestar os primeiros socorros:

Como saber se tempestade com raios está próxima?

Segundo o professor de Meteorologia Michel Muza, como o verão será bastante chuvoso, também haverá mais incidências de tempestades e raios. Por isso é preciso estar atento à previsão do tempo e evitar as famosas tempestades de verão, com nuvens carregadas, céu escuro e muitos raios e trovões.

Mas afinal, como saber a hora de sair correndo e para onde? O professor de Física do Câmpus Florianópolis, Orlando Gonnelli Netto, explica neste vídeo:

Águas-vivas e caravelas, nem pense em tocar!

Nas praias do litoral catarinense é comum durante o verão vermos muitas águas-vivas, na areia e na água. Algumas são tão lindas que até merecem uma foto, mas cuidado! As mais bonitas, com uma espécie de balão colorido, são as mais venenosas. E detalhe: elas não são águas-vivas, são caravelas. A professora de Biologia do Câmpus Itajaí, Laura Pioli Kremer, explica a diferença:

"Águas-vivas são aquelas massas gelatinosas que a gente vê na areia. Elas são em formato de prato de disco, às vezes em formato de guarda chuva. As caravelas são um pouco diferentes porque elas têm como se fosse uma bexiga, um flutuador que é roxo azulado. E, na verdade, elas vão ser uma colônia de indivíduos, são vários indivíduos integrados." A professora alerta que ambas têm tentáculos, mas nas caravelas eles são mais finos e bem maiores, podendo chegar a 30 metros de comprimento. Nestes tentáculos é que estão as células urticantes, responsáveis pela sensação de ardência e queimação quando encostam em nossa pele.


Água-viva do tipo medusa. Foto: Ruan Luz/UFSC


Tipo Caravela tem veneno potente. Foto: Alberto Lindner/UFSC

Como esses são organismos planctônicos, que se deslocam passivamente na água, arrastados pelas ondas e correntes marinhas, acontece que quando chegam na costa e encalham na areia, já estão em fragmentos e podem ter perdido os tentáculos.

Existe outro organismo que muita gente confunde com "filhotinhos de água-viva", por serem bolinhas incolores: "São as salpas, não são águas-vivas, não são caravelas, são de outro grupo bem diferente, não têm tentáculos e por isso elas não vão queimar."


Salpas são inofensivas. Foto Victor de Mira

Ok! Mas afinal, por que as águas-vivas e caravelas queimam? Laura explica no vídeo abaixo:

Atenção! Não é porque elas parecem uma massa gelatinosa e incolor que não oferecem riscos. O recomendado é que nunca se toque nesses organismos, nem para devolvê-los para água. Laura explica que o encalhe destas espécies é natural. "Quando isso acontece, a maioria delas já está bem deteriorada e se forem devolvidas para o mar a única coisa que vai acontecer é que ela vai continuar causando acidentes para as pessoas. O ideal é que a gente não interfira nesse ciclo."

As águas-vivas aparecem mais no verão?

Não é apenas impressão, elas aparecem mais no verão sim, pelo menos aqui em Santa Catarina. Laura explica que no Sul do Brasil há uma coincidência entre o período que as pessoas mais entram na água e o período de reprodução dessas espécies. "A gente gosta muito de entrar no mar na primavera, no verão, que é justamente quando a gente tem elevação da temperatura da água e é o período em que essas espécies que causam acidentes se reproduzem."

Existe ainda outro fator que pode influenciar na quantidade de águas-vivas na praia. Como essas espécies são empurradas pelas correntes, os ventos podem trazer mais organismos. No litoral de SC isso ocorre com o vento nordeste. "Essas espécies são empurradas para a praia e têm essa grande abundância de espécies mais em águas rasas, que é quando os acidentes acontecem em grande número."

Laura acredita que o aumento de banhistas contribui com o registro de acidentes, mas revela que há pesquisas mundiais em andamento para avaliar outros fatores ambientais.

"A gente está vendo que o oceano tem se degradado, há um aumento da temperatura oceânica e isso favorece a reprodução de muitas espécies. A gente vê também que muitas espécies de predadores das águas-vivas estão em declínio, como tartarugas e peixes. Isso favoreceria o aumento das populações de águas-vivas e caravelas."

E se você sentir uma água-viva ou caravela encostar em você, o que fazer? Veja no vídeo abaixo as orientações:

Qual a diferença entre insolação e intermação e como prevenir?

A professora Vanessa Luiza Tuono, do curso técnico em Enfermagem do Câmpus Florianópolis, explica que insolação é quando há o aumento da temperatura corporal por exposição ao sol. Os principais sintomas são aumento da temperatura corporal, calafrio, vermelhidão na pele, tontura e torpor.

Já a intermação ocorre quando a pessoa fica em locais quentes, abafados, usam uniformes que não permitem a sudorese e a circulação de ar em torno do corpo. Na intermação, além do aumento da temperatura corporal, os sintomas são respiração ofegante e depois fraca, pulso rápido, vasodilatação e aumento do suor e maior pressão arterial.

Nesses dois casos, o corpo reage, tentando se reequilibrar, por meio do suor e aumentando a respiração. A professora Vanessa alerta que, se não tratados, esses sintomas podem virar uma emergência médica. “Elas podem levar ao desmaio e, inclusive, ao óbito, porque descompensam totalmente o sistema de regulação do nosso corpo”, alerta.

Veja no vídeo como agir nesses casos:

O que não se deve fazer em caso de insolação ou intermação?

Consumir sal ou um alimento salgado quando a pessoa está passando mal não é recomendado. “O sal vai desidratar ainda mais a pessoa. Nem em queda de pressão, pois não temos como definir se a pessoa está tendo um aumento ou queda de pressão a olho nu, sem aferir essa pressão”, alerta a professora Vanessa.

A desidratação também é um perigo?

Consumir mais líquidos durante o verão também é importante, principalmente durante a realização de exercícios físicos. Pode parecer algo simples, mas pode levar a pessoa a óbito.

Idosos e crianças são mais vulneráveis?

Deve-se dar mais atenção aos cuidados com idosos e crianças em dias de calor. A professora Vanessa aconselha que essas pessoas consumam mais líquidos que os adultos. “A gente orienta o consumo de 35ml de líquido por quilo de peso ao dia para os adultos. Na criança e no idoso, é necessário aumentar”. Outros tipos de líquidos, como sucos de frutas, também podem ser ofertados.

Além disso, crianças e idosos devem se expor menos ao sol, e apenas nos horários adequados, no início da manhã e no final da tarde. Idosos tendem a desidratar mais rapidamente e têm a pele mais sensível, por isso o maior cuidado com a exposição solar.

Bebês com menos de seis meses não devem ser expostos ao sol e nem usar filtro solar. Crianças pequenas devem usar filtro solar adequado e ficarem mais tempo à sombra, se possível.

Qual o perigo de infecções alimentares na praia?

Com o calor, os alimentos se deterioram mais rapidamente. Assim, é importante evitar alimentos que podem se deteriorar rapidamente, como molhos e maioneses. “O ideal é optar por alimentos leves, como frutas, verduras e saladas. Coisas que possam ser facilmente ingeridas e que estejam bem acondicionadas”, recomenda Vanessa. Avaliar a procedência dos alimentos e lavar as mãos antes do consumo é importante.

As viroses, muito comuns no verão, são resultado de alimentos ou água contaminados. Os principais sintomas são vômitos e diarreias. Em casos persistentes, de mais de 24 horas, deve-se buscar serviços médicos.

Os acometimentos gastrointestinais podem ser por intoxicação ou infecção alimentar. A infecção é menos grave e pode ser eliminada pelo vômito e diarreia. Já a intoxicação é grave e precisa de atendimento médico.

A automedicação não é recomendada. O que pode ser utilizado é o soro caseiro. Confira a receita:

É perigoso consumir bebidas alcoólicas na praia?

A professora Angela alerta que o uso de bebida alcóolica na praia é perigoso, pelos efeitos que o álcool produz. São duas etapas: na primeira, a pessoa sob o efeito do álcool entra em euforia e perde a capacidade de avaliar os riscos, ficando inconsequente. Na segunda fase, a depressão, a pessoa perde os reflexos naturais e a habilidade de lidar com situações arriscadas.

Além disso, não existe dose segura de consumo de álcool. “A gente sabe que no verão as pessoas querem descontrair, mas como existe essa questão da inconsequência e da inaptidão, você pode se tornar vítima de você mesmo”, alerta Angela.

O álcool começa a fazer efeito no organismo de cinco a seis minutos após a ingestão. O pico de absorção é de 30 a 50 minutos e a ação no organismo pode durar de seis a oito horas.

Outro dano causado pelo álcool é o potencial de causar desidratação. Segundo a professora Vanessa, cerveja ou outras bebidas não são hidratantes, pois promovem o trabalho acelerado dos rins. “Não é proibido o consumo de bebidas alcoólicas, mas deve ser feito com moderação, intercalando com a ingesta de outros líquidos não alcoólicos”, alerta.

Também deve-se ter cuidado com bebidas ácidas ou com frutas cítricas, como caipirinhas. Os ácidos podem manchar a pele ou causar queimaduras graves, pois potencializam a ação do calor e do sol. O recomendado é lavar as mãos imediatamente após o preparo dessas bebidas.

A exposição solar também pode causar danos à pele?

Além da desidratação e insolação, a exposição ao sol pode causar danos à pele, tanto em curto prazo, com as queimaduras, quanto a longo prazo, cumulativamente, podendo se tornar um câncer de pele.

Os números de câncer de pele têm aumentado exponencialmente no Brasil. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), os tipos de câncer não melanoma (carcinomas) representam cerca de 180 mil casos por ano no Brasil. Já o tipo de câncer melanoma, mais raro, porém, mais perigoso, atinge em torno de 8,5 mil brasileiros ao ano, ocasionando em torno de 2 mil mortes anuais.

Neste vídeo, a professora Vanessa explica quais danos o sol pode causar à pele e o que pode ser feito como prevenção:

O que fazer em caso de queimaduras na pele?

As queimaduras na pele podem ser de vários graus, e cada uma necessita de um tipo específico de cuidado. Veja como cuidar de cada uma:

Queimadura de 1º grau: a pele fica vermelha. O tratamento pode ser feito com compressas frias, hidratação e cremes calmantes;
Queimadura de 2º e 3º graus: além da vermelhidão, surgem bolhas na pele e, no caso de queimaduras de 3º grau, há o aparecimento de feridas dolorosas. Além das compressas frias e hidratação, pode-se usar cremes calmantes à base de aloe vera ou pomadas com corticoides. Nos casos mais graves, é preciso buscar atendimento médico especializado. “É importante levar para o serviço de saúde para a reidratação, pois em caso de exposição solar, o corpo vai querer se reequilibrar e vai perder muito líquido. Por isso é importante repor esses líquidos e sais minerais”, completa Vanessa.

Em todos os casos, a pessoa não deve se expor ao sol antes de se curar totalmente. Pasta de dente, óleos, clara de ovo e outras soluções caseiras podem agravar os ferimentos. Também não se deve perfurar bolhas ou retirar a pele grudada na região queimada.

O que fazer em caso de picada de animais peçonhentos?

A professora Angela alerta que, no calor, os animais ficam mais ativos e como as pessoas saem mais ao ar livre, no campo, praia ou trilhas, aumentam as chances de picadas de animais venenosos. As serpentes, especificamente, ficam mais ativas à noite, por isso o alerta para quem for fazer caminhadas nesse horário.

Se mesmo assim houver uma picada, deve-se fotografar o animal para facilitar a identificação dele e a utilização do soro específico. Porém, isso só deve ser feito se for em segurança, sem o risco de a pessoa que está fotografando ser picada também.

Após o momento da picada de aranhas ou serpentes, é importante lavar bem o local com água e sabão, para proteger de infecções secundárias causadas por bactérias. No caso de picada de serpente, a vítima deve beber bastante água. Já se for picada de aranha, também é recomendado fazer compressas mornas (em torno de 39ºC) no local para inativar o veneno.

Realizar torniquetes no membro atingido não é recomendável, pois vai deixar o veneno concentrado naquele membro e poderá gerar uma amputação. Sucção no local da picada, pó de café e outras práticas não são recomendadas.

A professora alerta que a providência mais importante é levar a pessoa picada até o atendimento especializado. “É preciso identificar se o animal é de importância médica ou não, porque quando é de importância médica ele pode colocar a vítima em risco de morte. A gente tem a aranha marrom e a armadeira, que no caso são aranhas que têm mais risco”, alerta.

Para quem ligar em caso de emergência?

A professora Angela recomenda ter gravado no celular os principais telefones de emergência: seja o 192, do SAMU, em caso de parada cardiorrespiratória, ou 193, do Corpo de Bombeiros, especializado em resgate.

Outro número importante é o 0800 643 5252, do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Santa Catarina (CIATox/SC). O CIATox/SC possui equipe especializada de biólogos, farmacêuticos, médicos e outros profissionais que podem auxiliar na identificação dos animais peçonhentos e orientar sobre o que fazer em caso de picadas ou intoxicações em geral.

Você também pode baixar o aplicativo CBMSC Cidadão para Android ou IOS, do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, com informações importantes para curtir o verão.

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IFSC VERIFICA

Todo alimento ultraprocessado é ruim?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 31 out 2023 10:29 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:20

“Saco vazio não para em pé”. O ditado popular que ouvimos desde pequenos traduz de forma simples o que a Ciência e a prática comprovam: o corpo humano precisa de alimento para funcionar. Mas não é qualquer alimento. A base para o desenvolvimento e crescimento dos seres humanos - tanto em nível físico quanto cognitivo - é uma boa alimentação. E quando se fala de alimentação saudável, os alimentos ultraprocessados estão sempre na lista do que deve ser evitado. Por que será? 

O post do IFSC Verifica deste mês irá responder esta pergunta e mais:

  • O que é um alimento ultraprocessado?
  • Todo alimento ultraprocessado é ruim?
  • Por que devemos evitar consumir alimentos ultraprocessados?
  • Como identificar um produto ultraprocessado?
  • Como buscar práticas alimentares saudáveis?

Para isso, conversamos com a nutricionista e professora do IFSC Elinete Eliete de Lima, que é especialista em Terapia Nutricional e em Qualidade de Alimentos, além de coordenar o curso técnico em Nutrição e Dietética do Câmpus Florianópolis-Continente.

Quais os tipos de alimentos?

Para entender quais as melhores opções de consumo, é importante conhecer os tipos de alimentos. Existem quatro grandes grupos: alimentos in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados. 
Os alimentos in natura são aqueles obtidos diretamente de animais ou plantas e que são consumidos sem qualquer alteração. É o caso das folhas, frutas, verduras, legumes, ovos, carnes e peixes. Ao pensar num cardápio, esses alimentos são sempre a escolha mais saudável.

Outra opção saudável para montagem do prato são os alimentos minimamente processados, que são aqueles submetidos a algum processo - como limpeza, moagem e pasteurização -, mas que não envolve a agregação de substâncias ao alimento original. A famosa dupla “arroz e feijão” é um exemplo deste tipo de alimento, além de lentilhas, cogumelos, frutas secas, farinhas de mandioca e de milho, entre outros.

E então temos os alimentos fabricados pelas indústrias. Os produtos processados contam com a adição de sal, açúcar ou outro produto que torne o alimento mais durável, palatável e atraente. Já os alimentos ultraprocessados são formulações industriais com pouco ou nenhum alimento inteiro e sempre com algum aditivo. 

O que é um alimento ultraprocessado?

A professora do IFSC Elinete Eliete de Lima explica que há uma tendência de se chamar produtos alimentícios ultraprocessados de “não alimentos”, justamente para marcar a diferença. “Produtos alimentícios ultraprocessados, que podem ser comidas e bebidas, são produtos fabricados com pouco ou nenhum alimento in natura e contém ingredientes de nomes pouco familiares”, define. 

Normalmente, esses produtos contêm quantidades consideráveis de açúcar, óleos e gorduras de uso doméstico, mas também isolados ou concentrados protéicos, óleos interesterificados, gordura hidrogenada, amidos modificados, entre outros. Para piorar, frequentemente são adicionados os chamados aditivos cosméticos, como corantes, aromatizantes, emulsificantes, espessantes e outras substâncias para dar a esses produtos uma aparência e um gosto semelhantes aos encontrados em alimentos não ultraprocessados. E mais: para que tenham um prazo de validade maior, esses produtos também recebem conservantes. 

-> Como funciona o prazo de validade dos alimentos?

Exemplos de produtos ultraprocessados não faltam. Os mais conhecidos são: refrigerantes, salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, doces e chocolates, barras de “cereal”, sorvetes, alguns pães, margarinas, pratos de massa e pizzas pré-preparadas, macarrão instantâneo, nuggets de frango e peixe, salsichas, bebidas lácteas, néctar de frutas e misturas em pó para preparo de bebidas com sabor de frutas.

Todo alimento ultraprocessado é ruim? 

Todos os alimentos ultraprocessados são ruins, mas nem todos alimentos industrializados são prejudiciais. “Alguns alimentos industrializados apresentam somente ingredientes que a gente consegue reconhecer, ou seja, que são alimentos de verdade, como o iogurte natural, composto somente por leite e fermento lácteo”, destaca Elinete.

Por que não devemos consumir produtos ultraprocessados?

“Os produtos ultraprocessados não são saudáveis, nem sustentáveis e ainda tendem a afetar negativamente a cultura e a vida social”, destaca a professora do IFSC. Pesquisas científicas têm mostrado que padrões alimentares com base em produtos ultraprocessados estão relacionados ao risco aumentado de ganho de peso, diabetes, hipertensão e outras doenças cardiovasculares, depressão, alguns tipos de câncer, mortes prematuras, entre outros.

-> Qual é a relação entre consumo de ultraprocessados e risco de mortalidade?

Elinete chama atenção para o fato de que o crescimento alarmante da obesidade e de outras doenças crônicas não transmissíveis tem sido relacionado ao consumo excessivo de ultraprocessados pela população. Em geral, esses produtos são mais calóricos por conterem mais açúcar e mais gorduras. “Para se ter uma ideia, 100 gramas de biscoitos recheados ou de salgadinhos de pacote fornecem em torno de 500 quilocalorias, enquanto que a mesma quantidade de arroz com feijão fornece aproximadamente 130 quilocalorias”, comenta a professora. 

-> Por que os alimentos ultraprocessados favorecem o consumo excessivo de calorias?

E a lista de problemas dos produtos ultraprocessados é grande, como pontua Elinete:

  • são formulados para terem hiper sabor, ou seja, recebem a adição de açúcares, gorduras, sal e aditivos - como aromatizantes e corantes;
  • geralmente, são alimentos mais secos quando comparados aos alimentos in natura, o que afeta os sistemas que controlam a saciedade no organismo humano;
  • são feitos com gorduras não saudáveis, como as gorduras parcialmente hidrogenadas e as gorduras interesterificadas, fontes de gorduras trans e saturadas, respectivamente;
  • contêm menos fibras dietéticas, proteínas, vitaminas, sais minerais e compostos bioativos;
  • a forma em que tais produtos são consumidos e comercializados favorecem o consumo exagerado.

“Os produtos ultraprocessados não são saudáveis, nem sustentáveis e ainda tendem a afetar negativamente a cultura e a vida social”
 

Se os alimentos ultraprocessados fazem mal para a saúde humana, a forma como são produzidos e comercializados os tornam ruins também para o planeta. Elinete explica que o número reduzido de espécies vegetais que normalmente são utilizadas para produção de ultraprocessados - soja, milho, trigo e cana-de-açúcar – leva à perda da biodiversidade. “Tais alimentos provêm de sistemas agrícolas intensivos e baseados em monoculturas, que exigem grandes extensões de terra, uso denso de mecanização, elevado consumo de água e de combustíveis fósseis, uso intenso de fertilizantes químicos, sementes transgênicas, agrotóxicos e antibióticos e, ainda, a necessidade de uso de embalagens e transporte por longas distâncias”, ressalta.

-> Diálogo sobre ultraprocessados: soluções para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis 

Os produtos ultraprocessados têm um impacto negativo também na cultura alimentar. “Com a globalização, um número pequeno de empresas coloca no mercado mundial produtos idênticos, desde marcas, embalagens e conteúdo, desrespeitando a cultura alimentar, os padrões alimentares locais e alimentos produzidos no país”, observa Elinete. 

Até mesmo a vida social pode ser afetada pelo consumo desses produtos. “Seu uso torna a preparação de alimentos, a mesa de refeições e o compartilhamento da comida totalmente desnecessários”, afirma a professora.

Como identificar um produto ultraprocessado?

Podemos identificar os produtos alimentícios ultraprocessados ao analisar a lista de ingredientes presentes nas embalagens dos alimentos. A dica é: leia o rótulo e, se a lista mencionar apenas alimentos in natura, adicionados ou não de sal, açúcar ou óleo, não são alimentos ultraprocessados. Agora se a lista estiver repleta de nomes de ingredientes que você nunca ouviu falar e não vê por aí no dia a dia, então deve ser um alimento ultraprocessado.

-> Como identificar alimentos ultraprocessados a partir dos rótulos?

Como buscar práticas alimentares saudáveis?

Na última década, o Brasil teve dois grandes avanços na área de alimentação e promoção da saúde da população. Em 2014, o Ministério da Saúde publicou a segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira. “O Guia é um importante documento que visa apoiar e incentivar práticas alimentares saudáveis tanto no âmbito individual, como coletivo, e tem por objetivo também subsidiar políticas, programas e ações que visem a incentivar, apoiar, proteger e promover a saúde e a segurança alimentar e nutricional da população brasileira”, explica a professora do IFSC.

-> Alimentação saudável: dicas e receitas para desenvolver bons hábitos

O segundo avanço, segundo Elinete, foi a publicação de uma nova legislação sobre a rotulagem nutricional dos alimentos, que entrou em vigor neste mês, e dispõe sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados. Uma das novidades dessa nova legislação é a rotulagem nutricional frontal de advertências que você já deve ter visto no supermercado. 

-> Você sabe como identificar os nutrientes dos alimentos pelo rótulo? Entenda como a nova legislação pode te ajudar

 

Um símbolo de lupa informa ao consumidor, de forma clara e simples, sobre o alto conteúdo não saudável de sódio (sal), açúcar e gordura saturada. “Espera-se com isso desencorajar os consumidores na aquisição de produtos ultraprocessados e incentivar melhorias no perfil nutricional dos produtos, por parte dos fabricantes”, afirma a professora.

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IFSC VERIFICA

A Física Quântica pode mesmo ajudar a nossa saúde?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 28 nov 2023 09:36 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:20

A Física é uma ciência essencial à Medicina. É definida como “ciência que investiga as leis do universo no que diz respeito à matéria e à energia, que são seus constituintes, e suas interações “ (Dicionário Oxford). Sendo o corpo humano parte do universo, não poderia ser diferente: a Física e suas aplicações estão presentes em exames e tratamentos. Mas, como uma das ciências consideradas mais difíceis de serem compreendidas, a Física também tem sido uma das mais usadas para nomear tratamentos sem comprovação cientifica, especialmente aqueles supostamente relacionados à física quântica.

Para esclarecer um pouco mais sobre os tratamentos de saúde quânticos, benefícios e riscos , o IFSC Verifica desse mês conversou com o professor do Câmpus São José Marcelo Girardi Schappo e Vanessa Tuono, professora do curso técnico em Enfermagem do Câmpus Florianópolis.

A Física Quântica

A física quântica é uma área da física que trata do estudo da matéria a nível molecular, atômico e subatômico: o mundo das partículas e dos átomos. “O termo quântico surge no contexto da Física, por volta do início do século 20, quando se tentava desvendar os processos de emissão de radiação eletromagnética por corpos aquecidos. Não é nada simples explicar o fenômeno com poucas palavras, mas, em linhas gerais, um físico chamado Max Planck foi o primeiro a propor que a energia relacionada a essa radiação deveria ser emitida e absorvida de modo descontínuo, análogo ao que acontece com um canhão de lançamento de bolas de tênis, por exemplo: ele só pode lançar uma bolinha por vez. A proposta de Planck, da energia do processo ser "quantizada", acabou resolvendo o problema, é aí onde surge a chamada "Física Quântica", explica Marcelo Schappo.

De acordo com o professor, os fenômenos quânticos verdadeiros estão diretamente relacionados aos comportamentos das partículas na estrutura da matéria, na escala dos átomos e moléculas. Para se ter uma ideia prática: átomos e moléculas têm tamanhos da ordem de nanômetros, e um nanômetro é o equivalente a um bilionésimo de um milímetro. É a fìsica quântica verdadeira que explica várias coisas ao nosso redor, como as cores dos fogos de artifícios, os processos de emissão da luz laser e os exames de ressonância magnética nuclear.

“Todas as pesquisas de percepção pública da ciência mostram que as pessoas confiam na ciência, uma vez que ela é uma forma de investigação da natureza que demanda metodologias específicas para tirar conclusões sobre como o mundo funciona, e suas afirmações válidas precisam ser baseadas em boas evidências. Assim, tudo que tiver ‘aparência científica’ tende a ser mais bem aceito, de modo imediato, pelas pessoas, uma vez que grande parte da população, embora confie na ciência, conhece pouco de ciência, e, por isso, são fisgados pelo vocabulário da ciência e acabam tacitamente acreditando na informação a que são expostos, sem condições de avaliar criticamente se elas fazem sentido científico ou não. Assim, as pseudociências ganham terreno e vão sendo passadas adiante como sendo produtos de ciência, quando, na verdade, não passam de estruturas com ideias sem pé nem cabeça sobre como a natureza funciona”, afirma o físico.

 

Conceitos como sobreposição (ou superposição), que, resumidamente, de acordo com uma das interpretações da física quântica, sustenta que, até ser observado, um elétron pode estar em várias posições ao mesmo tempo, criam uma atmosfera mística aos leigos e dá oportunidades para que pseudocientistas e charlatões possam dizer coisas como “podemos nos curar com processos quânticos, pois, no nosso corpo estão, ao mesmo tempo, as vibrações da saúde e da doença”.

Um dos marcos considerados para o início do chamado "charlatanismo quântico" - os usos indevidos e pseudocientíficos dos termos e fenômenos da física quântica - é a publicação do livro O Tao da Física, de Fritjof Capra, na década de 1970, que propõe diversos paralelos, sem base científica, entre Física e misticismo. A moda parece que “pegou”, e a lógica de usar fenômenos quânticos para dar contexto a misticismo, religião, terapias alternativas e até produtos ‘milagrosos’ disseminou-se na sociedade”, diz Schappo.

Assim, hoje se encontram ideias quânticas para tentar dar suporte à ideia de vida após à morte, para fazer “leituras futurológicas” pseudocientíficas, para vender pulseiras de equilíbrio e força, e, claro, para vender produtos e terapias alternativas como sendo boas opções de tratamento de saúde.

“Um exemplo desse último caso acabei conhecendo no 1º Congresso Catarinense de Saúde Quântica. Fui enviado especial da Revista Questão de Ciência, em 2019, para acompanhar o evento e depois fazer uma análise científica do que lá foi debatido. O resultado foi publicado em um artigo para a revista, e aí se torna bastante claro o motivo pelo qual o que eles argumentam não faz sentido: eles adaptam fenômenos quânticos reais para fora dos limites de validade desses fenômenos, fazendo apenas “analogias e jogo de palavras” vazias de significados reais para tentar vender os produtos e os tratamentos que anunciam”, lembra o professor.

 

Confira o trecho do artigo em que Schappo fala do uso errado do conceito da dualidade das partículas segundo a física quântica – segundo esse conceito, a luz por vezes pode se comportar tanto como ondas, tanto como partículas:

As distorções sobre esse fenômeno: esse fenômeno é usado para tentar justificar a ideia de que órgãos, células, saúde e doença também possuem “frequências”. Aqueles indivíduos que conseguem fazer seu corpo vibrar adequadamente, formando uma espécie de “sinfonia da saúde”, estarão livres das doenças. Para citar um exemplo, um dos médicos palestrantes do evento chega a dizer que aquilo que aprendeu sobre bioquímica na faculdade de Medicina, em relação aos mecanismos de ataque aos invasores do nosso organismo e processo de defesa do sistema imune, é besteira. Segundo ele, a explicação correta é uma questão quântica “frequencial”: um agente invasor emite uma frequência que as células de defesa rastreiam, como mísseis guiados para o combate.
Problema na argumentação: um leigo pode entrar nessa, crente que está aprendendo algo científico. Mas fique alerta. O problema da argumentação está numa característica que os charlatães devem “acabar esquecendo” de contar ao público: quanto maior o tamanho do objeto, mais insignificante o caráter ondulatório que ele apresenta. Assim, células (milhares de vezes maiores que um átomo), órgãos humanos e o próprio corpo humano, para qualquer fim prático, se comportam de forma muito melhor descrita por partículas sólidas do que como ondas oscilantes. Além disso, em ciência, quando falamos em frequência, sempre dizemos claramente qual o mecanismo que a gera, e também como podemos medi-la em laboratório. Na saúde quântica, essas frequências são usadas apenas como recurso de linguagem. No Congresso, em nenhum momento foi apresentada uma forma de medir e caracterizar um espectro dessas frequências.

Isso não quer dizer que nada que seja relacionado à física quântica possa ajudar na nossa saúde. Cirurgias a laser e exames de ressonância magnética são práticas de medicina convencional que se baseiam em processos quânticos. O problema não é ter o termo “quântico” associado a um produto ou a um tratamento. Schappo alerta: “O problema é bem mais sutil, pois tem muito mais a ver com a forma como se alega que a física quântica está relacionada no contexto. Veja o exemplo que citei anteriormente, do uso indevido das ideias de frequência e vibração na mecânica quântica: se o indivíduo não conhece a física quântica, pode muito bem ser enganado por ela. Mas se alguém usar a regra de ‘sempre que tiver quântica na saúde, devo saber que é falcatrua’ pode errar por excesso, ou seja, considerar pseudociência coisas que realmente são produtos de ciência genuína na medicina”.

Em linhas bem gerais, é possível dizer que sempre que se anunciar uma aplicação da física quântica para tecidos, órgãos, células e corpo humano vale ligar o sinal de alerta: receba a informação com cautela e procure por alguém da Física para esclarecer se aquilo faz sentido ou não.

“Todos os que buscam tratamentos ou serviços de saúde precisam desenvolver o senso crítico. Com o excesso de informações sendo disseminados nas redes sociais, há alguns pontos de alerta para determinados tratamentos propagados e oferecidos como ‘cura’, ‘milagre’, ‘revolucionário’ ou ainda ‘aquilo que a big pharma não quer que você saiba’”, alerta também a professora Vanessa Tuono. “Dizer que algum tratamento é baseado em estudos científicos, não quer dizer que é confiável. Evidência de eficácia se dá por meio de testes clínicos randomizados, estudos comparativos, com populações amostrais representativas. Chamamos de estudos robustos de alto nível de qualidade da evidência”.

 

Para Tuono, os profissionais de saúde, na graduação básica, não aprendem a consumir ciência de forma crítica. “Assim como a população em geral, os clínicos precisam ser críticos e basearem suas decisões clínicas em estudos de alta validade. Um relato de caso, mesmo que publicado em uma revista científica, não serve como evidência para decisão clínica. Faz parte do juramento de todo profissional de saúde, precisamos nos atualizar, precisamos pesquisar”, defende.

Tanto Tuono quanto Schappo destacam que o principal risco das terapias quânticas – assim como dos demais tratamentos pseudocientíficos – é a pessoa abandonar tratamentos convencionais, com melhores resultados com base em evidências. “Se alguém acredita que as doenças são causadas por ‘falta de vibrações positivas, pensamentos positivos ou frequências positivas’, por que ela estaria disposta a tomar antibióticos e a fazer cirurgias? Bastaria alterar ‘as vibrações quânticas do pensamento’. Mas isso não tem base científica”, afirma o físico. “A pseudociência afasta o indivíduo adoecido de tratamentos que comprovadamente podem agir sobre o processo saúde-doença”, completa Tuono.

A enfermeira lembra ainda das questões financeira e de gestão pública envolvidas. “Na maioria dos casos é um grande desperdício de dinheiro, tempo e energia. Hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) paga por terapias pseudocientíficas, então, também há desperdício de dinheiro público. Nem toda terapia ou prática integrativa em saúde é pseudociência. Algumas não foram testadas no método científico e, portanto, não possuem evidências, precisariam ser testadas. Outras foram testadas em ensaios clínicos e não fazem efeito, e outras foram testadas e demonstraram eficácia para algumas indicações clínicas”.

 

Sem falar, claro, nos casos em que, além de não fazer bem, o pseudotratamento prejudica a saúde. Há casos de intoxicação renal e hepática por excesso de vitaminas e suplementos, reações a fitoterápicos. Efeitos indesejáveis em corpos mais vulneráveis, como crianças e idosos, além de muitos relatos de abandono dos tratamentos ditos convencionais. “Enquanto busca tratamentos quânticos ou mágicos, baseados em energia, a população em geral não faz o básico para manutenção e promoção a saúde. Não aprende a se alimentar, exercitar-se e cultivar bons hábitos, o que é sim um prejuízo à saúde de cada um e da população”, aponta Tuono.

Schappo ressalta que nem mesmo a sensação de bem-estar que, supostamente, as pessoas sentem com os tratamentos sem comprovação científica. “A principal reflexão que eu faço é: realmente precisamos apelar para pseudociências – o que significa propagar informações completamente sem sentido sobre como a natureza funciona – só para gerar bem-estar e melhorar o estado de espírito? Será que precisamos deseducar as pessoas sobre ciência para fazê-las se sentir melhor? Realmente, isso é o melhor que nossa sociedade tem a oferecer?”

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O que é capacitismo e como podemos combatê-lo?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 26 set 2023 15:06 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:15

Um olhar de pena, uma pergunta invasiva, uma tentativa de elogio ou até um ditado popular estão entre as muitas maneiras em que o preconceito contra pessoas com deficiência se manifesta no dia a dia. São atitudes que se perpetuaram na sociedade ao longo das gerações e que podem parecer inofensivas para quem não tem deficiência, já que não impedem nem dificultam o acesso à escola, a uma casa de espetáculos ou a um plano de saúde - situações em que a Lei nº 13.146 de 2015 prevê punições como a detenção de dois a cinco anos. Mas são barreiras atitudinais que agridem e dificultam o bem-estar das pessoas com deficiência.

No post desta semana, conversamos com três servidores e dois alunos do IFSC: o professor de História do Câmpus Florianópolis, Viegas Fernandes da Costa; a psicóloga do Câmpus São José, Karla Garcia Luiz; o assistente em Administração do Câmpus Joinville, Raphael Henrique Travia; o estudante do curso técnico em Telecomunicações do Câmpus São José, Thiago de Sousa, e o estudante do técnico em Mecânica do Câmpus Joinville, Cleverson da Silva, além da pedagoga Grazielle Franciosi da Silva, que é supervisora de atividades educacionais nuclear da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE).

Nest post, eles ajudarão a esclarecer:

- O que é capacitismo?
- Como ele pode ser percebido no dia a dia?
- Por que o capacitismo é estrutural em nossa sociedade?
- Você é capacitista? 
- Quando abordar o tema deficiência?
- Como construir uma cultura anticapacitista?

O que é capacitismo?

Este termo é recente no Brasil, começou a ser difundido há cerca de 10 anos. Mas apenas a palavra é nova, porque o que ela significa tem séculos de existência. Capacitismo é o preconceito contra as pessoas com deficiência, em que se julga que elas não são capazes  ou são inferiores. Por pessoas com deficiência entende-se aquelas com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.

Os entrevistados destacam que uma das origens do capacitismo está em colocar a deficiência acima do sujeito e não apenas como uma característica dele. Este é um dos motivos do termo correto ser pessoa com deficiência e não deficiente, assim, não se restringe o sujeito somente a sua deficiência. Como destaca o professor Viegas: "a minha condição física não pode ser vista como maior do que o que sou como ser humano. Meu corpo faz parte da diversidade de corpos".

Outra reflexão que a psicóloga Karla traz é: "Uma pessoa com deficiência física, por exemplo, tem dificuldade de locomoção ou é o ambiente que a impõe essas restrições?"

Como o capacitismo pode ser percebido no dia a dia?

Para entendermos o quanto o capacitismo pode ser cruel e doloroso, tente se colocar no lugar de uma pessoa com deficiência. Imagine andar na rua utilizando uma cadeira de rodas. As principais barreiras que se pode pensar são as arquitetônicas - as dificuldades para percorrer um caminho sem acessibilidade. Mas neste post o foco são outras barreiras, as atitudinais - aquelas provocadas pelas pessoas.

Karla, que também é pesquisadora e consultora em deficiência, afirma que o capacitismo não está apenas em situações como a recusa de matricular uma criança com deficiência na escola, que por sinal é crime previsto na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, de 2015, mas em atitudes que muitas vezes passam despercebidas por quem não tem deficiência. 

Esta mesma lei, conhecida como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, visa "assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania", além de prever penas administrativas e criminais a quem "praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência".

Neste vídeo, ela e outros dois servidores e dois alunos do IFSC relatam situações vividas no dia a dia:

Por que o capacitismo é estrutural?

Assim como o machismo e o racismo, o capacitismo é estrutural em nossa sociedade, ou seja, está enraizado na forma como vivemos e percebemos o outro. Diversos aspectos históricos levaram à construção da ideia de inferioridade das pessoas com deficiência. Na Grécia antiga, por exemplo, o ideal do corpo belo e forte destinava à morte bebês que nasciam com alguma deficiência.

O professor Viegas Fernandes destaca as campanhas de eugenia - a seleção dos seres humanos com base em suas características hereditárias com objetivo de melhorar as gerações futuras - e as muitas atrocidades ao longo da história como outros fatores. "Em quatro anos, o Estado nazista, por exemplo, executou 200 mil seres humanos pelo único fato de serem pessoas com deficiência."

Os significados sociais atrelados à deficiência ao longo da história foram carregados de visões estigmatizantes, que a colocaram como algo negativo. De diferentes formas, o conceito de normalidade contribui com o capacitismo. 

Se você tem 30 anos ou mais, dificilmente tenha convivido com alguém com deficiência ao longo da sua vida escolar. Isso porque esses sujeitos eram escondidos pelas famílias e pelo Estado. Quando muito, ficavam isolados em instituições exclusivas para pessoas com deficiência. 

No Brasil, elas passaram a ser vistas (de enxergar mesmo) na sociedade principalmente com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, de 2008, que prevê que crianças/adolescentes dos 4 aos 17 anos estejam obrigatoriamente matriculados nas escolas regulares.

Outras formas de capacitismo

O estudante Thiago relatou o quanto o olhar de pena machuca, assim como supostos elogios, como "você é tão bonito, pena que está numa cadeira de rodas", que não são nada agradáveis nem para ele e nem para Karla. 

Raphael citou ainda a visão de muitos de que ele é um exemplo de superação. Na verdade, o que é superação não é superação, mas é sobrevivência. "A deficiência não me coloca numa situação melhor ou pior como pessoa. Posso estar feliz ou triste como qualquer um."

Ele cita outro exemplo de capacitismo: o fato de pessoas se dirigirem a quem o está acompanhando por acreditarem que ele não é capaz de responder. "Muitas vezes eu estou com a minha mãe do lado e as pessoas fazem perguntas sobre mim para ela. Porque, além da minha deficiência física, eu tenho a deficiência visual e o estrabismo. Então, quando eu não estou de óculos, fisicamente, aparece ali uma cena de que talvez eu tenha algum outro tipo de deficiência, mas a minha parte cognitiva é completamente preservada."

A necessidade de "provar" a capacidade também é apontada como uma barreira atitudinal por Raphael e por Viegas inclusive no ambiente de trabalho: "Existe uma desconfiança no sentido de que será que eu sou capaz de desenvolver aquilo que se espera?" 

Grazielle, que trabalha na FCEE, destaca ainda outras formas de capacitismo, como a infantilização: "Pessoas com deficiência intelectual são infantilizadas pela própria família, com roupas, mochilas de princesas, de personagens. A família faz tudo acreditando que aquele sujeito não tem condições de aprender."

Não oportunizar a eles a autonomia também é uma forma de discriminação. "Os pais fazem tudo por ele, dão banho, vestem. Aqui (na FCEE) temos um centro de iniciação ao trabalho. A gente escuta muito que se o filho for trabalhar, vai sofrer bullying, os colegas vão rir dele. A própria família acaba protegendo. É algo natural, a gente não pode recriminar os pais por isso, mas precisamos sensibilizar, ensinar os pais que os filhos deles podem estudar, trabalhar, para se sentirem capazes, serem autônomos."

Você é capacitista?

Faça o quiz e descubra o quanto você reproduz falas preconceituosas:

Quando abordar a deficiência?

Karla e Viegas são incisivos sobre a importância de as pessoas pensarem o porquê de perguntarem algo ou fazerem certo comentário à pessoa com deficiência. Mas e quando essas questões podem ser abordadas? Para Karla, a pergunta é válida quando se está numa relação ou situação em que isso importa, seja no lazer, trabalho ou numa sala de aula.

A melhor forma de abordar é primeiro perguntar:  "Você precisa de ajuda?" ou "Como posso ajudar?"

"Porque às vezes as pessoas também acham que tem um jeito hegemônico, um padrão para ajudar o outro. O jeito certo de ajudar alguém que não enxerga atravessar a rua é puxar pelo braço? Não. Às vezes, a pessoa prefere colocar a mão no seu ombro ou dar o braço para você. E às vezes a pessoa nem quer atravessar a rua! Então o certo é sempre você perguntar como pode ajudar", afirma Karla.

Capacitismo nas escolas?

Sim! E de muitas maneiras! Raphael Travia, que atua na coordenação pedagógica do Câmpus Joinville, afirma que, apesar de uma certa melhora na percepção das pessoas com deficiências ao longo das últimas décadas, o preconceito ainda força muitos estudantes a esconderem suas condições na escola. "A deficiência ainda é vista como uma perda, alguma coisa que você tem a menos. Muitos alunos ainda sentem isso." Ele considera o papel do professor e das equipes pedagógicas vital para ajudar esses alunos a se mostrarem e se valorizarem.

Mas e quando o capacitismo vem dos próprios professores? Grazielle traz o exemplo do processo de alfabetização. 

"Tem professora que acha que alfabetização só ocorre se for com lápis e papel. Não! Pode ser alfabetizado por imagens, no computador com digitação ou com outros recursos tecnológicos. Hoje temos "n" maneiras de alfabetizar. Quando a criança não consegue decodificar o código escrito, temos a comunicação alternativa por meio de imagens e ícones para se comunicar."

Mudar as estratégias e utilizar outros recursos para ensinar são algumas maneiras de a escola contribuir para uma cultura anticapacitista.

Como construir uma cultura anticapacitista?

As crianças que estão hoje na escola, convivendo com outras crianças com deficiência, estão aprendendo na diversidade. Esse é um dos principais caminhos apontados por Karla, Grazielle e Viegas para uma cultura anticapacitista. É uma forma de naturalizar os corpos com deficiência, mas também de tensionar os grupos e espaços a serem acessíveis e receptivos.

Em Santa Catarina, são 33 mil estudantes da educação especial nas escolas regulares, informa Grazielle. A Política Nacional de Educação Especial determina que todos, dos 4 aos 17 anos, estejam obrigatoriamente na escola e que tenham direito, por exemplo, a recursos como atendimento educacional especializado no contraturno escolar e segundo professor de turma de acordo com as necessidades de cada um.

Em Santa Catarina existe legislação específica que garante a crianças com deficiência intelectual grave ou que tenham questões comportamentais severas que frequentem uma instituição especializada, como a Apae - Associação de Pais e Amigos das Pessoas com Deficiência Intelectual ou Deficiência Múltipla. "Mas isso desde que tenham uma avaliação multiprofissional e individualizada. A criança precisa estar em sofrimento na escola para sair. Na maioria das vezes é uma questão de saúde e o objetivo é que consiga retornar à escola regular. Apenas mil não estão nas escolas regulares."

No vídeo abaixo, os servidores do IFSC relatam como suas presenças contribuem para a construção dessa nova cultura:

Como educar crianças anticapacitistas?

Se a esperança de uma sociedade anticapacitista está nas mãos das crianças de hoje, como ajudá-las nessa missão? O convívio com a diversidade é o caminho, mas também é possível construir com elas um pensamento crítico que não reproduza os preconceitos tão comuns hoje em dia.

O livreto “Como educar crianças anticapacitistas” busca contribuir com essa perspetiva. De autoria da psicóloga Karla Garcia Luiz e da jornalista Mariana Rosa, a publicação é direcionada a familiares e educadores. A ilustradora do livreto, Paloma Santos, também é mulher com deficiência.

 

"A gente tenta trazer provocações, são situações que aconteceram com a gente e mostramos através de ilustrações para contar essas histórias para as crianças. Tem três situações cotidianas no final do livro que vão exemplificar para as pessoas como às vezes o capacitismo se dá de modo muito implícito, muito corriqueiro", destaca Karla.

 

 

Ilustrações de Paloma Santos do livro "Como educar crianças anticapacitistas", de Mariana Rosa e Karla Garcia Luiz.

 

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Já ouviu falar no hidrogênio verde? Saiba o que é e como ele pode ajudar no combate às mudanças climáticas

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 29 ago 2023 16:00 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:13

A cor ou ou nome “verde” costumam nos remeter a coisas benéficas ao meio ambiente e não é diferente com o hidrogênio verde, uma grande aposta para um futuro com menos uso de combustíveis fósseis e mais geração de energia limpa - portanto, melhor para o planeta.

A produção do hidrogênio verde, identificado pela sigla H2V, é feita a partir da eletrólise (reação química provocada pela passagem de uma corrente elétrica) da água, sem emissão de gás carbônico, e ele pode ser usado para vários fins, como: gerar energia elétrica; mobilidade elétrica, com veículos elétricos a célula a combustível; e produzir amônia para fabricação de fertilizantes. As fontes de energia para a produção do H2V devem ser limpas e renováveis (solar, eólica, biomassa, marés, entre outras).

“Isso significa que [o hidrogênio verde] não esgota recursos não renováveis e não contribui para a degradação ambiental associada à extração e uso de combustíveis fósseis”, destaca o professor Dachamir Hotza, da área de engenharia química e de alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador de uma rede de pesquisa sobre hidrogênio verde formada por 22 acadêmicos do Sul do Brasil, apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Rede Sul de Hidrogênio Verde.

Dachamir ainda ressalta que o uso do hidrogênio verde pode diversificar a matriz energética, reduzindo a dependência de fontes de energia fósseis, que são finitas e causam impactos ambientais significativos.

No post do IFSC Verifica deste mês, vamos falar sobre o que é o hidrogênio verde e por que ele pode ser um grande aliado na luta contra as mudanças climáticas.

O que é o hidrogênio?

Um aspecto positivo do uso do hidrogênio como fonte de energia é a sua disponibilidade. Ele é o elemento químico mais comum no universo e o que possui o átomo mais simples, formado apenas por um próton e um elétron (sem nêutrons) em sua variante mais comum. Foi o primeiro elemento a ser formado logo após a explosão que deu origem ao universo, de acordo com a teoria do Big Bang, e está presente na substância mais importante para a vida, a água, e em materiais orgânicos. Sua forma em estado natural é de um gás sem cor, nem cheiro, e é simbolizado pela letra H na tabela periódica, na qual é o elemento número 1.

A professora Cláudia Lira, da área de química do Câmpus Florianópolis do IFSC, explica que o hidrogênio é um combustível com alto poder calorífico, ou seja, capaz de gerar grande quantidade de energia por unidade de massa liberada na sua combustão. No entanto, por ser um gás leve e pouco denso, espalha-se com facilidade e necessita de espaços grandes para seu armazenamento ou, então, precisa ser comprimido de maneira mecânica.

O hidrogênio é usado em vários ramos da indústria, como nos processos de extração de petróleo, de produção de aço, de vidro, de minério de ferro e do combustível metanol, além de fazer parte da composição da amônia e de fertilizantes. Atualmente, mais de metade do hidrogênio produzido globalmente é usada na indústria petroquímica, de acordo com o professor Everthon Taghori Sica, da área de eletrotécnica do Câmpus Florianópolis e integrante da Rede Sul de Hidrogênio Verde, principalmente para a hidrogenação de óleos insaturados e para a produção de amônia, componente de fertilizantes. Essa produção ainda é dominada por hidrogênio obtido a partir de fontes não renováveis, como o gás natural.

Apesar de existirem depósitos de hidrogênio no subsolo, a tecnologia para sua extração ainda está em desenvolvimento. A maneira mais viável economicamente para sua obtenção é produzi-lo por métodos industriais, separando-o de outros elementos químicos.

Por que hidrogênio "verde"?

A maneira como o hidrogênio é obtido pelo ser humano leva a diferentes classificações de acordo com a forma como ele é produzido, sendo cada classificação identificada por uma cor - lembrando, mais uma vez, que o hidrogênio não tem cor e que os nomes são usados na indústria e na academia para se referir ao método como ele é obtido.

Há diversas possibilidades de nomenclatura e, num texto publicado no portal do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a pesquisadora Rosana Cavalcante de Oliveira, do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais do instituto, traz algumas dessas denominações.

O hidrogênio “cinza” é o mais comum na indústria e é obtido a partir da queima do gás natural (um combustível fóssil), composto de hidrocarbonetos - substâncias orgânicas feitas apenas de moléculas que contêm átomos de hidrogênio e de carbono. Quando essas moléculas são separadas, o hidrogênio é capturado e o gás carbônico, um dos responsáveis pelo efeito estufa, é lançado na atmosfera. Por isso é considerado um método prejudicial ao meio ambiente. Se o gás carbônico for capturado e armazenado, geralmente sendo injetado no solo, o hidrogênio é chamado de “azul”.

Quando o hidrogênio é produzido a partir da queima de carvão mineral, ele pode ser chamado de “preto” (quando o carvão é do tipo antracito) ou “marrom” (quando o carvão é do tipo hulha) - em ambos os casos, também há emissão de gás carbônico.

O hidrogênio “musgo” é obtido a partir de biomassa ou de biocombustíveis com substituição do metano (formado por moléculas com quatro átomos de hidrogênio e um de carbono) de origem fóssil por biometano ou por etanol, com menor emissão de gás carbônico quando comparado ao hidrogênio cinza.

Já o hidrogênio “verde” (H2V) é formado a partir da separação dos dois átomos de hidrogênio que estavam unidos a um de oxigênio para formar a molécula da água (H2O, lembram?). A esse processo de separação, feito com o uso de uma fonte de energia elétrica, dá-se o nome de eletrólise. No caso do hidrogênio verde, para que ele possa receber essa classificação, a fonte de energia deve ser renovável - como a eólica, solar, das marés ou de biomassa - e limpa, sem emitir gases causadores do efeito estufa (gás carbônico, monóxido de carbono, dióxido de carbono, entre outros), o que faz sua produção ser “carbono zero” do início ao fim.

Para que a produção do hidrogênio seja considerada “verde”, há ainda outros aspectos técnicos e sociais que devem ser observados. A água usada no processo, por exemplo, deve ter um alto grau de pureza, evitando, assim, a contaminação do gás resultante, conforme explica a professora Cláudia Lira. Além disso, essa água não pode ser potável, pois isso poderia levar a prejuízos no abastecimento de água em comunidades, complementa o professor Everthon Sica.

Ainda existem outros tipos menos difundidos de hidrogênio, como o “rosa”, que é proveniente da eletrólise com fonte de energia nuclear, e o “turquesa”, que ocorre a partir da pirólise (processo de separação das moléculas com o uso de altas temperaturas) do metano, produzindo hidrogênio e carbono sólido. Apesar de não gerarem gás carbônico, esses métodos não são considerados “verdes” porque as fontes de energia que usam não são renováveis.

Quando o hidrogênio está em seu estado natural, na forma gasosa, em depósitos subterrâneos, dá-se a ele o nome de hidrogênio “branco”.

Onde o hidrogênio verde poderá ser usado?

 

Vivemos num cenário de mudanças climáticas causadas em grande parte pela emissão de gases poluentes por meio de processos como a queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão, entre outros). Nesse contexto, o hidrogênio verde surge como uma alternativa para a produção de energia limpa por usar energias renováveis e não emitir gás carbônico em seu processo de produção - o único resíduo resultante desse processo é a água.

“O hidrogênio é um dos meios principais na transição energética e representa um papel na desfossilização, por ser um forte substituto dos combustíveis derivados do petróleo e por possuir uma complementariedade com as fontes de energia intermitentes, e, sobretudo, como possibilidade à segurança energética”, comenta o professor Everthon Sica.

O hidrogênio verde ainda é minoria na indústria, dominada pelo cinza, mas sua produção em larga escala tem crescido rapidamente, segundo Everthon. Ele acredita que, no curto prazo, é pouco provável que o H2V torne-se dominante na indústria, mas produtos elaborados com o seu uso vão ser vistos como de maior valor agregado por causa da preocupação com o meio ambiente.

“A avaliação da performance do hidrogênio como vetor energético ainda não é pacífica. Por um lado, a produção de hidrogênio por fontes renováveis ainda é um processo caro e a tecnologia para sua utilização em larga escala ainda está em desenvolvimento em comparação com a produção a partir de combustíveis fósseis”, ressalta o professor. No entanto, ele lembra que os recursos energéticos provenientes de fontes eólica e solar têm se mostrado cada vez mais competitivos em termos de custo e eficiência.

Os principais usos potenciais para o hidrogênio verde hoje são nos processos industriais e como combustível. No caso dos veículos, o hidrogênio é usado como combustível para geração, por meio de reações eletroquímicas em um dispositivo chamado célula de combustível, de energia elétrica que vai alimentar as baterias de veículos elétricos. Já existem alguns carros assim sendo comercializados no mercado.

Na indústria, o hidrogênio verde pode substituir os de outros tipos - cinza, preto, marrom etc. - e tornar os processos produtivos mais sustentáveis, com menor emissão de poluentes. “Você pode descarbonizar vários setores da indústria com o hidrogênio verde”, diz a professora Cláudia Lira. Além dos usos como combustível e gerador de energia, ela crê que, com o tempo, o hidrogênio usado em fertilizantes possa ser produzido em maior quantidade pelo método verde. O hidrogênio é um componente da produção de amônia, um importante fertilizante agrícola.

Para que isso ocorra, porém, a professora do IFSC pondera que os setores produtivos precisam não só fazer a conta de qual método é mais barato para produção do hidrogênio, mas também enxergar os impactos econômicos e sociais das mudanças climáticas - com aumento de temperaturas extremas, secas, queimadas e inundações. “Se forem contabilizados os prejuízos que esses fenômenos causam, o custo do hidrogênio verde não vai parecer tão alto”, comenta. A criação de custos ambientais, como taxas sobre a produção de hidrogênio não verde, podem fazer valer mais a pena a produção mais limpa e sustentável dele, na visão de Cláudia.

O hidrogênio verde pode ser usado, ainda, para armazenar energia excedente de fontes intermitentes, como solar e eólica, para ser usada quando necessário, de acordo com o professor Dachamir Hotza. “Seu uso como gerador de energia elétrica pode ocorrer tanto em veículos para transporte rodoviário, marítimo ou ferroviário, quanto em aplicações estacionárias, como residências ou edifícios comerciais”, explica.

 

O Brasil tem potencial para produzir hidrogênio verde?

O Brasil é visto hoje como um país com grande potencial para produzir hidrogênio verde, por possuir grandes reservas hídricas e potencial para exploração das energias eólica e solar - aproximadamente 83% da energia elétrica do país é obtida por meio de fontes renováveis (hídrica, solar e eólica, principalmente), bem acima da média mundial (29%), de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do governo federal.

A professora Cláudia Lira avalia que o país “até demorou” para descobrir o potencial do hidrogênio verde e considera que a tecnologia para sua fabricação deve ser desenvolvida aqui mesmo. Opinião parecida tem o professor Everthon Sica, para quem o hidrogênio verde não pode ser apenas mais uma “commodity” (produto básico não industrializado que funciona como matéria-prima para outros) brasileira, mas como um meio de agregar valor aos setores econômicos produtivos brasileiros. “Acho que está na hora de agregar valor às nossas exportações. Ou seja, deve-se prospectar a exportação de commodities ou de bens e serviços com valor agregado pelo H2V como meio de produção”, afirma.

O professor Dachamir Hotza, da UFSC, lembra que o Brasil possui uma das maiores produções agrícolas do mundo, o que significa disponibilidade de biomassa residual, como bagaço de cana-de-açúcar e resíduos agrícolas, que podem ser usados para produzir hidrogênio através de processos de gaseificação ou reforma a vapor. “O Brasil já possui uma indústria estabelecida de biocombustíveis, como o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar. Essa expertise pode ser transferida para a produção de hidrogênio verde a partir de fontes renováveis”, destaca.

Além dos benefícios ambientais, o hidrogênio verde também tem o potencial de trazer vantagens econômicas, complementa Dachamir. Para ele, a expansão da indústria do hidrogênio verde pode criar empregos em áreas como pesquisa, desenvolvimento, produção, infraestrutura e manutenção. O hidrogênio verde pode dar origem a novos setores econômicos, como a produção de células de combustível, tecnologias de eletrólise avançada e sistemas de armazenamento.

“Países com capacidade de produção de hidrogênio verde podem se tornar exportadores desse recurso, criando oportunidades de comércio internacional e geração de receitas. O uso de hidrogênio verde pode aumentar a resiliência energética, especialmente em locais que dependem muito das importações de combustíveis fósseis. Por fim, regiões com recursos renováveis abundantes, como é o caso do Brasil, podem se beneficiar economicamente ao se tornarem centros de produção de hidrogênio verde”, diz.

O potencial brasileiro tem chamado a atenção de outros países, e o resultado é visto no apoio à pesquisa brasileira sobre hidrogênio verde. Na última sexta-feira, 25 de agosto, entrou em operação a primeira usina de hidrogênio verde de Santa Catarina, localizada no Laboratório Fotovoltaica da UFSC, no Sapiens Parque, em Florianópolis. O hidrogênio está sendo produzido no novo bloco do laboratório, que recebeu investimentos de R$ 14 milhões.

A usina é resultado da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, apoiada pela empresa alemã Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), que implementa os projetos da Cooperação no Brasil. Essa cooperação faz parte do Projeto H2Brasil, implementado pela GIZ em parceria com o Ministério de Minas e Energia (MME) brasileiro.

A mesma GIZ apoia um curso de capacitação sobre hidrogênio verde voltado a pesquisadores brasileiros, do qual 8 professores do IFSC - entre eles, Cláudia Lira e Everthon Sica - estão participando.

Quais são as principais adptações que o uso do hidrogênio verde vai exigir?

A adoção do hidrogênio como combustível e fonte de energia requer adaptações em veículos, indústrias e residências, pois o hidrogênio tem propriedades diferentes das fontes de energia convencionais, conforme explica o professor Dachamir Hotza. “O tempo necessário para essas adaptações pode variar dependendo de vários fatores, como a disponibilidade de tecnologias, investimentos, regulamentações e aceitação pública”, destaca.

Para veículos movidos a hidrogênio, é necessário instalar células de combustível, que convertem o hidrogênio em eletricidade para alimentar os motores elétricos, o que requer modificações nos sistemas de propulsão dos veículos. Além disso, o hidrogênio é armazenado em tanques pressurizados ou criogênicos (que fazem armazenamento em baixas temperaturas) nos veículos. “Isso exige o desenvolvimento de sistemas de armazenamento seguros e eficientes”, lembra Dachamir. Por fim, uma rede de locais abastecimento de hidrogênio deve ser construída para reabastecer os veículos.

Na indústria, há necessidade de ajuste dos processos de produção para incorporar o uso de hidrogênio como matéria-prima ou fonte de energia, o que pode envolver a substituição de hidrogênio derivado de combustíveis fósseis pelo hidrogênio verde. “Alguns setores industriais podem exigir equipamentos específicos para utilizar o hidrogênio em vez de outras fontes de energia”, diz Dachamir.

Em residências, o hidrogênio pode ser utilizado para aquecimento e geração de eletricidade. “Isso exigiria a instalação de equipamentos compatíveis, como células de combustível residenciais ou sistemas de geração de calor a partir de hidrogênio. As residências precisariam de infraestrutura para armazenar e utilizar o hidrogênio de maneira segura, incluindo sistemas de armazenamento e dispositivos de uso”, avalia.

Quais são os principais desafios para a produção e o uso do hidrogênio verde?

 

A produção do hidrogênio verde em larga escala ainda precisa superar alguns desafios econômicos e, hoje, nem tudo em sua cadeia produtiva pode ser considerado “verde”.

Quanto ao tempo necessário, a adoção em larga escala do hidrogênio como combustível e fonte de energia pode ser um processo gradual, na visão de Dachamir Hotza. A velocidade da transição, afirma, dependerá de vários fatores, incluindo a disponibilidade de tecnologias maduras, investimentos financeiros, políticas governamentais de incentivo, infraestrutura de suporte, aceitação pública e competitividade com outras fontes de energia.

A baixa densidade do hidrogênio torna seu armazenamento e transporte mais difíceis. Se fosse armazenado em seu estado natural, sem qualquer compressão, exigiria reservatórios muito grandes para que fosse estocado em quantidade suficiente para a produção de energia, seja numa indústria ou dentro de um veículo elétrico. Por esse motivo, a professora Cláudia Lira acredita que o uso do hidrogênio como combustível será mais viável economicamente em veículos maiores e que façam longos deslocamentos, como navios e no transporte coletivo.

Segundo o professor Everthon Sica, para liberar a mesma quantidade de Joules (unidade de medida da energia mecânica) gerada por um tanque de combustível de um carro movido a gasolina, seriam necessários aproximadamente cinco tanques do mesmo tamanho de hidrogênio, caso ele não fosse comprimido. O processo de compressão demanda gasto de energia, assim como a própria fabricação do compressor. “Aí você começa a computar tudo o que precisa de energia e começa a ter algumas dúvidas. Não adianta eletrificar uma frota que vai usar outras fontes de energia poluentes”, alerta Everthon.

Ele destaca, ainda, que os veículos elétricos usam baterias de lítio e níquel, metais que precisam ser minerados. O descarte dessas baterias é outra preocupação para o meio ambiente.

No quesito segurança, o principal complicador do hidrogênio é o fato de sua chama espalhar-se rapidamente e não ter cor: o fogo gerado quando ele queima é invisível aos nossos olhos. Isso traz preocupações quanto ao seu armazenamento, pois um incêndio de hidrogênio pode demorar a ser detectado, especialmente fora do ambiente industrial.

O processo de purificação da água a ser usada na eletrólise ainda é caro, de acordo com a professora Cláudia Lira, e para realizar a eletrólise é necessário um dispositivo chamado eletrolisador, feito de metais que precisam ser minerados. “Isso tem implicações sociais e ambientais”, lembra.

Falando especificamente sobre o Brasil, o professor Dachamir Hotza, da UFSC, destaca que infraestrutura de transporte, armazenamento e distribuição, desenvolvimento tecnológico e investimentos significativos em pesquisa, desenvolvimento e inovação são pontos em que o país precisa avançar para ser um grande produtor de hidrogênio verde. ​​​“O Brasil precisará adotar uma abordagem estratégica abrangente que envolva governo, indústria, pesquisa e sociedade para aproveitar plenamente o seu potencial como produtor de hidrogênio verde em escala mundial”, avalia.

Para o professor, a combinação estratégica de várias fontes de energia renovável pode permitir uma produção de hidrogênio verde “mais resiliente e equilibrada, contribuindo para a transição global para uma matriz energética mais sustentável e de baixo carbono”. “A complementaridade entre a geração eólica e solar pode ser vantajosa para garantir uma produção de hidrogênio mais estável, já que as condições climáticas podem variar”, afirma.
 

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IFSC VERIFICA

Vai abrir um vinho? Leia esse post antes!

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 jun 2023 14:57 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:09

Você pode entender um pouco de vinhos finos, ou ser apaixonado pelo vinho colonial que a sua família faz todos os anos, ou ainda só sentir prazer com o docinho do moscatel. Os gostos são muito variados e tem vinho para todos! É como diz o professor do Câmpus Florianópolis-Continente , Wilton Cordeiro: "vinho bom é aquele vinho que você gosta".

Neste post, ele e os professores do Câmpus Urupema , Carolina Panceri e Jailson de Jesus, e do Câmpus Canoinhas , Douglas André Würz, vão explicar porque um vinho é tão diferente do outro, que características devemos observar, como apreciar e com quais comidas harmonizar , além de desmistificar algumas questões que rondam as taças por aí. Também vamos falar de saúde. Convidamos o neurologista Luiz Paulo de Queiroz, do Hospital Universitário de Florianópolis, para nos explicar os efeitos do vinho em nosso cérebro.

Clique em uma das perguntas para saber mais ou leia todas as respostas na sequência:

Vinho de mesa (colonial) ou vinho fino? Algum é melhor que o outro?

Vamos começar esta resposta com um dado que para muitos pode ser surpreendente: cerca de 80% dos vinhos consumidos no Brasil são de mesa, conhecidos também como coloniais. Alguns amam, outros têm certo preconceito, associando erroneamente o vinho a uma bebida de menor qualidade. Não é assim. São vinhos diferentes, começando pelo principal, a uva.

Os vinhos de mesa são feitos com uvas da espécie Vitis labruscas ou comumente chamadas de americanas. São aqueles que aqui no Brasil consumimos como fruta mesmo. As mais comuns são a Bordô, Isabel e Niágara. Já os vinhos finos são feitos com uvas viníferas, como Merlot, Pinot Noir, Cabernet, Chardonnay, etc.


Foto: Jailson de Jesus

Jailson de Jesus, químico e professor do curso superior de tecnologia em Viticultura e Enologia do Câmpus Urupema, afirma ainda que é proibido associar vinho colonial a um produto artesanal. "Há vinícolas que têm uma produção grande de vinhos de mesa, e em contrapartida há produtores que fazem vinhos finos de forma artesanal."

Como a principal diferença destes vinhos é a uva, também é ela que vai conferir as principais características à bebida. Os vinhos de mesa são vinhos jovens, não são produzidos para serem envelhecidos, e no processo de fermentação menos álcool, por isso os vinhos de mesa têm uma ingestão alcoólica menor.

O sommelier e professor de Agronomia do Câmpus Canoinhas, Douglas André Würz, afirma que, por conta da origem da matéria prima, sensorialmente existe muita diferença entre vinhos de mesa e vinhos finos: "As uvas viníferas normalmente têm uma complexidade aromática muito maior que os vinhos de mesa e também têm uma acidez maior."

Por isso muita gente prefere os vinhos de mesa, por serem mais leves. Douglas reforça que os vinhos de mesa não são de menor qualidade, mas apenas produtos diferentes. "Assim como eu posso ter um vinho fino de má qualidade, com uvas verdes, sem uma completa recompensa, que foi cometido erro no processo de vinificação, eu também posso ter vinhos de mesa de excelente qualidade, tanto que é o vinho que a maior parte da população consome. Inclusive para quem está acostumado a sempre tomar o vinho de mesa, você tem uma dificuldade em introduzir o vinho fino para essa pessoa, porque não vai agradar o seu paladar."

Outra diferença é que as uvas tintas utilizadas para os vinhos finos possuem mais polifenóis. No item sobre saúde , trazemos a explicação do que são essas substâncias e como envelhecem no organismo.

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Por que os vinhos de mesa são mais baratos?

Douglas afirma que uma das áreas está nas cultivadas e na produtividade, muito maior para as uvas americanas. "A gente está falando de 20,25 toneladas da uva Bordô por hectare, enquanto que em uma Cabernet Sauvignon a gente vai estar falando em sete ou oito, no máximo 10 toneladas por hectare. Então começa ali. Você tem uma quantidade produzida muito maior , de uma variedade para outra. Outra questão é que a Bordô é mais rústica. A Cabernet Sauvignon é extremamente suscetível à doença. Então você tem um custo de produção muito mais alto."

E tem ainda o processo de amadurecimento em barrica dos vinhos finos. “Se você espera mais um tempo para ele evoluir, são dois, três anos que você está fazendo um investimento e ainda não tem um retorno”, conclui Douglas.

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O que interfere no sabor do vinho?

A uva é que confere os principais sabores, aromas e núcleos aos vinhos. Mas se você consumir um Cabernet Sauvignon de uma das vinícolas da Serra Gaúcha e outro produzido no Chile, por exemplo, dificilmente eles terão o mesmo sabor. Isso pode acontecer até entre vinícolas de um mesmo estado ou em uma mesma vinícola em anos diferentes.

A explicação é que, por mais que a uva seja a mesma, o solo, o clima e até o tempo que a uva levou para amadurecer são diferentes. Tudo isso influencia no sabor, além, é claro, do método de vinificação.


Foto: Jailson de Jesus

"Se você comparar a colheita no Rio Grande do Sul e aqui nos vinhos de altitude de Santa Catarina, é um mês e pouco de diferença. São mais de 30 dias que essa uva amadureceu mais lentamente. Isso dá mais estrutura, mais complexidade para o vinho", explica o sommelier e professor aposentado do IFSC, Wilton Cordeiro.

Outra questão apontada por ele é a amplitude térmica. "Em São Joaquim no outono é fácil durante o dia dar 30 graus. À noite, a temperatura cai para 10. São 20 graus de diferença. A videira fica maluca com essa diferença toda. E aí ela vai protegerndo a uva, agregando mais ingredientes , mais nutrientes na uva, para dar mais proteção para ela. E isso reflete no vinho, essa estrutura, essa complexidade que a gente vai ter."

Voltamos ao exemplo do vinho Cabernet - é a variedade mais comum nos supermercados, certo? Mas é também a mais difícil de ser produzida pois é muito exigente em manejo, explica o professor Douglas: "É uma variedade que não se adapta muito bem a praticamente nenhuma das regras. Você tem muito problema de controle, por isso é um vinho mais agressivo." A casca do Cabernet é mais grossa, tem mais tanino. Logo abaixo os professores explicam em vídeo como identificar essa substância.

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Por que vinho vai para barrica?

É exatamente por causa dos taninos que alguns vinhos vão para barricas, para "amaciarem". Tecnicamente falando, ele precisa de tempo para evoluir, completar a evolução. "A barrica não é para você ganhar aroma e gosto de madeira. Isso acaba sendo uma consequência", afirma o professor Douglas.

Ele explica que a barrica permite micro oxigenação: "Você tem entrada de oxigênio, numa escala extremamente pequena, mas que faz com que esse tanino vá se amaciando ao longo do tempo." Isso acontece principalmente com os tintos, mas o Chardonnay é um exemplo de vinho branco que também vai para barrica para completar o domínio.

E tem barricas diferentes também, como de carvalho americano ou europeu. O professor Jailson afirma que as francesas são as preferidas, porque dão aromas e gostos diferentes, como especiarias, tabaco e chocolate.

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Quais características devem ser observadas ao degustar um vinho?

 

Depois desta declaração do professor Wilton, que tal da próxima vez que abrir uma garrafa, observar algumas características antes de sair bebendo? Visualmente, os professores destacam cor, tonalidade e intensidade a serem observadas. "Também devemos avaliar se visualmente o vinho apresenta algum tipo de sólido suspenso ou algum corpo estranho. Idealmente, ele não deve apresentar", afirma Carolina Panceri, enóloga e professora do Câmpus Urupema.

Em relação às cores dos vinhos tintos, podem ser mais rubis ou mais violáceos. Já os brancos vão de amarelos esverdeados a amarelos mais dourados. Além da uva, a cor do vinho também é resultado da fermentação, se são colocadas as cascas no processo ou não, como é o caso dos vinhos brancos.

 


Fotos: Carolina Panceri

Ao girar a taça, também é possível observar as marcas deixadas pelo vinho, são as lágrimas do vinho. Elas podem indicar que se trata de um vinho suave, pois o açúcar contribui para aumentar a viscosidade da lágrima. Mas também se a bebida tem alto ou baixo teor alcoólico, lembrando que um vinho com um pouco mais de álcool geralmente é um vinho mais encorpado. Como identificar essas lágrimas a professora Carolina explica no vídeo logo abaixo. Antes vamos entender os aromas?

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De flores a defumado. Que aromas podemos sentir?

A professora e enóloga Carolina explica que, de maneira geral, existem três grandes famílias aromáticas dos vinhos: os aromas primários, que remetem mais a aromas de frutas e da própria uva; os secundários, que são mais florais e também frutados, geralmente oriundos do processo de fermentação alcoólica, e os terciários, que são aqueles de envelhecimento do vinho, que pode ter sido em madeira ou ainda na própria garrafa.

"Como aromas típicos de vinho tinto, nós temos os de frutas vermelhas ou frutas negras. Também podemos ter o caráter defumado, tostado, balsâmico, dependendo do envelhecimento. E no caso dos vinhos brancos geralmente os aromas são frutados e florais, lembrando frutas brancas, frutas em calda e ainda as flores brancas e rosas."

Esta complexidade de aromas é uma das características dos vinhos finos se comparados aos vinhos de mesa. "Sensorialmente eles são bem distintos. O vinho de mesa tem como característica um aroma foxado (mais terroso e adocicado), que é aquele aroma primário bem marcante de uva mesmo. E normalmente, esse aroma predomina."

Depois desta viagem sensorial, é hora do paladar.

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Como identificar se um vinho tem muito tanino ou se é ácido?

No vídeo abaixo, os professores do IFSC explicam isso e muito mais:

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Existe uma escala entre vinhos fortes e leves?

Quem vai começar a tomar vinho, o sommelier e professor Douglas sugere que não comece pelo Cabernet nem pelo Tannat porque são vinhos que têm uma alta quantidade de taninos. "São mais potentes, são mais estruturados, são mais difíceis de você começar. Então você tem que começar com vinhos mais leves."

O vinho de mesa é mais leve. Entre os finos, ele afirma que o Pinot Noir é a variedade mais leve entre os tintos, porque ela tem uma casca fina. "Tem pouco tanino, o vinho é mais macio e mais fácil de tomar.” Vinhos da uva Syrah também são mais leves e o Merlot seria o intermediário.

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Todo vinho fica melhor com o tempo?

Não! A maioria dos vinhos comercializados não ficam melhores, pelo contrário, podem perder sabores e aromas. Isso porque são vinhos jovens, feitos para serem consumidos num prazo de um a três anos.

Já os vinhos que podem ficar melhores com o tempo são aqueles que têm uma certa estrutura. "Ou seja, aquele vinho que passa por uma barrica, que dá a capacidade de ele continuar com reações químicas. Depois de 10 anos ainda pode ter uma qualidade excelente", afirma o professor Jailson.

Mas como saber se ele pode ser guardado ou não? Por exemplo, se você for ao supermercado e tiver um vinho da safra 2020, ele provavelmente não ficou três anos nas prateleiras, mas numa barrica, e pode ser guardado mais alguns anos. Geralmente a informação que é barricado também está no rótulo, pois é uma informação que valoriza o produto.

Mas ao contrário, se você comprar um vinho da safra 2022, é porque é um vinho jovem.

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O que é o vinho seleção? E o reserva?

Jailson explica que às vezes a vinícola identifica dentro do seu vinhedo a região que dá as melhores uvas, que são selecionadas para fazer um vinho de uma melhor qualidade. "Mas às vezes pode ser apenas marketing", adverte.

A mesma advertência vale para os "reserva". "Teoricamente, um reserva teria que ser um barricado, que passou mais tempo sendo elaborado. Mas muitas vezes eu já provei isso, de comparar um reserva e outro da mesma safra e eles não têm muita diferença."

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Vinho verde vem de uvas verdes?

Vinho verde não é verde. Esta é uma denominação de origem do Norte de Portugal. Ele pode ser branco, tinto ou rosé. E agora estão fazendo até espumantes, informa Wilton. Mas aqui no Brasil o vinho verde mais conhecido é o branco. A principal característica é a acidez.

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E o rosé? E o espumante?

Já o vinho rosé é feito com uva tinta, mas elaborado como se fosse branco, em que a fermentação ocorre sem as cascas da uva.

A técnica também é o que difere o espumante. Ele é fermentado duas vezes: uma fermentação comum geralmente com as uvas, não na sua maturação completa, porque se procura uma certa acidez para garantir a refrescância, e a segunda fermentação é feita dentro da garrafa. "As garrafas ficam apoiadas para baixo, para que aquele resíduo vá para a ponta da garrafa e depois a gente consiga tirar por congelamento. E aí a gente consegue fechar a garrafa e tem um espumante", explica Jailson.

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Uma taça de vinho por dia faz mesmo bem para a saúde?

Os especialistas ouvidos neste post são unânimes: vinho faz bem à saúde. O motivo são os flavonóides, da classe dos polifenóis, substâncias encontradas em vegetais. Uma delas é a antocianina - um pigmento vegetal responsável pela cor da uva - e que tem ação antioxidante. Essa substância está presente em várias outras frutas e flores.

O professor Jailson de Jesus, que é químico, explica que essas moléculas ajudam a proteger as nossas veias e artérias contra a deposição indesejada de radicais livres, que são liberados o tempo todo pelo organismo e que podem causar a morte das células, provocando envelhecimento precoce, doenças do coração, doenças cardiovasculares e doenças degenerativas. "As antocianinas atuam contra os radicais livres e se oxidam no lugar das nossas células", explica.

Um outro polifenol encontrado em abundância na casca das uvas é o resveratrol, que está sendo chamado de "molécula do século" por causa dos seus efeitos benéficos no organismo. Ele também é antioxidante, além de ter ação anti-inflamatória.

O neurologista Luiz Paulo de Queiroz, do Hospital Universitário de Florianópolis, explica que o cérebro gasta cerca de 50% da energia de uma pessoa e, à medida que ele vai gastando energia, produz oxidantes, que causam a morte de células cerebrais. "O resveratrol ajuda a diminuir a liberação desses oxidantes."

Jailson explica ainda que o acúmulo dos radicais livres prejudica a vascularização, podendo ocasionar um acidente vascular. "Há muitos estudos que evidenciam as ações dos polifenóis nesse sentido. O resveratrol ajuda a combater doenças cardíacas, do cérebro e até Alzheimer", afirma Jailson.

Eles lembram que estas ações benéficas estão presentes também no suco de uva e recomenda o consumo de alimentos coloridos para garantir mais saúde.

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E quando o vinho faz mal? O tinto provoca enxaqueca?

Sabe aquela frase "Aprecie com moderação?" Ela é muito verdadeira e diz respeito à sua saúde. "A gente tem que lembrar que o álcool é a segunda maior quantidade dentro do vinho, atrás da água", afirma Jailson. A quantidade ideal é um cálice por dia - e não é a taça cheia, não! O álcool em excesso faz mal para o organismo, especialmente para o fígado.

Mas algumas pessoas podem não se dar bem com o vinho por conta de outras substâncias, como aditivos colocados no processo para proteção do vinho ou até mesmo componentes naturais da uva, como o tanino - responsável por muita dor de cabeça.

"Exagerar no consumo de bebidas alcoólicas - de qualquer tipo - pode resultar em dor de cabeça em qualquer pessoa. É a ressaca, que é diferente da enxaqueca, uma doença de origem genética. Ou seja, algumas pessoas estão predispostas a ter enxaqueca e os alimentos são alguns dos gatilhos para desencadeá-la", explica Luiz Paulo.

A enxaqueca é um dos mais de 200 tipos de dor de cabeça e segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), afeta cerca de 15% da população mundial. No vídeo abaixo o neurologista explica como o vinho, principalmente o tinto, pode causar enxaqueca e quais variedades são menos agressivas.

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Qual a temperatura ideal para cada vinho?

Esta resposta depende do local em que você está e da época do ano. Florianópolis no verão ou Urupema no inverno? "Quando falam em temperatura ambiente é porque a adega na Europa era abaixo de 15 graus. Então se trazia o vinho da adega para o ambiente para pegar a temperatura de 18 graus no ambiente. Porque é a temperatura da Europa. Nós estamos num país tropical", explica o professor Wilton.

A temperatura para o vinho tinto vai de 16 a 18 graus. Para o branco o ideal é servi-lo numa temperatura entre 8 a 12 graus. "A mais baixa, 8 graus, para o vinho mais leve, mais delicado. A temperatura mais alta 12, até 18 já é para vinhos mais encorpados, mais estruturados”, orienta o professor.

O rosé fica na mesma temperatura dos vinhos brancos. O espumante vai de seis a oito graus, porque a temperatura mais baixa realça mais a acidez.

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Como harmonizar vinho e comida? Vinho branco com carne branca, vinho tinto com carne vermelha - será que é sempre assim?

O professor Wilton passou décadas ensinando seus alunos como harmonizar vinhos com comidas. Ele explica que existem três escolas de harmonização:

- Escola inglesa, que é a escola do "vale-tudo", o que conta é o paladar de cada um. "Se tu gostas de tomar um vinho tinto com camarão ao bafo, não vai dar certo, vai ficar horrível, mas se gosta", brinca.

- Escola francesa é a escola regionalista. "Os franceses estão bebendo e comendo há séculos. E aí eles já conseguiram adequar a comida de uma região ao vinho que mais combina, seja da mesma região ou de outra. "Só que os franceses ficaram meio perdidos quando chega a globalização e aparece comida de locais que não têm produção de vinho."

- Escola italiana, em que se disseca o vinho e se disseca a comida e vai procurar características do vinho e da comida que se equilibrem.

Este equilíbrio pode ser por semelhança ou por contraste. No vídeo abaixo ele dá muitos exemplos de como harmonizar. Confira e fique com água na boca:

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Sobrou vinho! Em quanto tempo estraga? Já pensou em congelar vinho e usar em alguma comidinha?

Ao abrir um vinho, ele entra em contato com o meio externo que é cheio de micro-organismos. Segundo o professor Jailson, o contato com o próprio oxigênio vai provocar reações químicas que podem distorcer os sabores e provocar sabores não agradáveis, por isso ele recomenda consumir o quanto antes. "Depende da temperatura do local também. Locais mais frios você pode até deixar mais tempo”, recomenda.

O professor Wilton afirma que um vinho branco depois de aberto deve ser guardado fechado, com a rolha ou lacre, na geladeira. Desta forma ele deve ser consumido em no máximo dois dias. Já o vinho tinto pode prolongar até quatro ou cinco dias. "O melhor é consumir rápido, mas não tem risco para a saúde. O risco é do prazer que teria com o vinho. Ele vai começar a perder os aromas, vai ficar mais oxidado, mas risco para a saúde não tem."

 

Para evitar o desperdício do vinho, Wilton sugere algo prático e muito versátil: colocá-lo em forminhas de gelo e congelar. "Quando você vai fazer a comida, pega um cubinho de gelo e joga pra dentro da comida. Menos fritar ovo, né? Mas qualquer coisa você pode botar vinho, risoto, massa, uma galinha ensopada. Ele vai realçar o sabor da comida. Agora tem que cuidar o vinho que você vai botar. Se é um vinho suave, que é adoçado artificialmente, vai prejudicar a tua comida."

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Como guardar as garrafas de vinho? Melhor os vinhos de rolha ou na lata?

Sabe aquela história de deixar a garrafa inclinada? Ela vale para vinhos que passam mais tempo em adegas para envelhecer e somente se forem fechados com rolhas de cortiça. "Estas garrafas ficam deitadas para que o líquido mantenha uma certa umidade da rolha e a rolha fique fazendo seu papel que é travar", explica Jailson.

E falando em rolha, hoje em dia é cada vez mais comum vinhos com lacre de metal e até vinhos em latinhas. O professor afirma que isso não tem relação com a qualidade do vinho, é uma opção das vinícolas por conta de custos já que a cortiça tem um valor elevado. " Já foram feitos muitos estudos sobre fechar a garrafa com o lacre metálico e isso não interfere em nada na qualidade do vinho."

Também por uma questão de custo que algumas vinícolas estão apostando na latinha de alumínio. Também é uma questão de mercado. "Tem gente que não bebe vinho porque acha que ele é só para quem tem um poder aquisitivo muito alto. A lata é uma aposta que muitas vinícolas estão fazendo por uma questão de popularizar mais a bebida e torná-la mais acessível."

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Santa Catarina se destaca na produção de vinho com duas indicações geográficas. Sabe o que isso significa?

Assim como os vinhos verdes são indicação geográfica para vinhos produzidos numa certa região de Portugal, Santa Catarina também tem suas indicações. São duas: os vinhos de altitude e os da uva Goethe.

Os vinhos de altitude são os produzidos acima de 900 metros - abrange toda a região do planalto catarinense, de São Joaquim até o limite com o Paraná. Isso implica numa questão de menor quantidade de gás carbônico no ar e a planta respira menos, com isso ela amadurece mais lentamente. Isso vai agregando mais características ao vinho.

Já os vinhos da uva Goethe são produzidos na região entre a Serra Geral e o litoral Sul Catarinense. Os vinhos são elaborados com uvas da variedade Goethe, tradicionalmente cultivadas na região desde o início do século XX, segundo a Embrapa.

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Onde posso estudar sobre vinhos?

O Câmpus Urupema do IFSC tem vocação para vinhos, com o curso superior de tecnologia em Viticultura e Enologia. O objetivo é formar profissionais para trabalhar com a produção de uva, suco e vinho. Os estudantes aprendem desde cultivar uva e preparar o solo, que é um princípio básico, até os processos de vinificação.

O câmpus tem ainda o mestrado em Viticultura e Enologia, ofertado em conjunto com o Câmpus Bento Gonçalves do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS).

No Câmpus Florianópolis-Continente, o curso superior de tecnologia em Gastronomia tem a unidade curricular Enogastronomia e o curso técnico em Restaurante e Bar tem Introdução à Sommelierie.

Em Canoinhas, Norte do Estado, tem o bacharelado em Agronomia. Os vinhos são estudados em duas unidades curriculares sobre a fruticultura e em outra sobre tecnologia agroindustrial. O câmpus oferece ainda cursos de curta duração sobre análise sensorial de vinhos. Todo ano promove também um concurso dos Melhores Vinhos e Sucos de Uva do Planalto Norte Catarinense.

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IFSC VERIFICA

Como descartar roupas e tecidos de forma adequada?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 25 abr 2023 15:16 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:05

Você já parou para pensar de onde vem a sua roupa? Do que ela é feita? E para onde ela vai depois que você não a quiser mais (seja por ter estragado, por ter deixado de servir, por você ter cansado dela)? Se lhe faltam respostas a uma (ou mais) destas perguntas, muito provavelmente, suas roupas fazem parte do problema ambiental que é a indústria da moda.

Para falar sobre esse tema, o IFSC Verifica convidou a designer Bruna Lummertz Lima, professora do Câmpus Gaspar do IFSC, doutora em Design pela  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e do Núcleo de Moda Sustentável da UFRGS.   

(Quase) Todo mundo usa

Que tipo de pessoa você é? Do tipo que não pensa muito no meio ambiente e vive a sua vida sem grandes questionamentos sobre o tema? Do tipo que é ecologicamente correta quando dá? Ou está sempre procurando um produto menos agressivo ao meio ambiente, uma forma de ser mais amigável a esse planeta que tanto dá ao ser humano?

Seja qual for o tipo de posicionamento ecológico escolhido por você (conscientemente ou não), é muito provável que você more em um ambiente ao menos minimamente urbanizado e use roupas em mais de 90% do seu tempo no dia a dia. Com raras exceções à parte, se você faz parte da cultura moderna atual, está automaticamente consumindo produtos de vestuário. E por que se preocupar com o que fazer com eles depois que não há mais necessidade ou condições de uso?

O lixo têxtil

Um levantamento divulgado em 2022 pela Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos, aponta que mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados em anos recentes. Em oito anos, segundo o levantamento, essa quantidade aumentará em 60%. De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Modefica em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), somente no Brasil são produzidas mais de 8 bilhões de peças de roupa por ano, correspondendo a 42 novas peças por pessoa em 12 meses.

Além das roupas que descartamos, as sobras de tecido provenientes de confecção também são consideradas lixo têxtil – material que, comumente, é depositado forma irregular em aterros sanitários. “Atualmente, a maioria das composições dos tecidos de peças de vestuário está ligada ao poliéster ou a poliamida, que em linguagem popular, podemos entender que se aproximam ou são plásticos. Esse material vai levar anos e anos para se decompor”, explica a professora Bruna.

O lixo têxtil pode conter uma variedade de substâncias prejudiciais ao meio ambiente quando descartadas inadequadamente. Algumas das substâncias mais comuns são:

  • Corantes: Muitos corantes usados na indústria têxtil podem ser tóxicos e poluir a água e o solo.
  • Plásticos: Como alertou a professora Bruna, muitos tecidos contêm fibras sintéticas, como o poliéster, que são derivadas do petróleo e podem levar centenas de anos para se decompor. Quando descartadas no meio ambiente, essas fibras podem se quebrar em pequenos fragmentos, chamados de microplásticos, que podem atingir as águas e/ou ser ingeridos por animais e entrar na cadeia alimentar.
  • Produtos químicos: Alguns produtos químicos podem ser usados na produção de roupas e muitos deles podem ser tóxicos e prejudicar o meio ambiente e a saúde humana.

Como descartar corretamente?

“Sempre é importante pensar nas possibilidades. A primeira é: essa roupa/ calçado/acessório pode ser consertado? Se a resposta for positiva, o primeiro ponto é levar para arrumar. Certamente o valor do conserto é bem mais em conta do que comprar uma roupa nova” explica Bruna.

Uma outra opção é pensar em trocar roupas com suas amigas e amigos. “Às vezes, naquele encontro de fim de semana, você pode promover um momento para trocar peças entre as pessoas. É uma chance de trocar o guarda-roupa sendo sustentável e não gastando dinheiro. Também é possível avaliar a possibilidade de doar suas peças para alguma instituição de caridade que esteja precisando ou comercializar num brechó do seu bairro ou cidade. No caso de brechós, normalmente se trabalha com consignado. A pessoa deixa a peça e assim que a mesma é vendida, o valor é depositado”, detalha a professora.


Imagens: Dall-e

Se não houver mais chance de uso, roupas em más condições podem ser recicladas, transformando-se em novos produtos ou materiais. Algumas marcas e empresas brasileiras já oferecem programas de reciclagem de roupas, como a Malwee, a Puket e a rede varejista C&A. No caso de retalhos e sobras da indústria, o indicado é que elas sejam recolhidas por empresas especializadas, e que façam a reciclagem, no chamado processo de desfibragem.

Mas se a ideia é pensar além do descarte, evitando a poluição em toda a cadeia produtiva, é preciso discutir a questão do consumo consciente e em moda sustentável.

Moda sustentável

A indústria da moda tem um papel importante na economia global e na cultura de diferentes países. No entanto, ao longo das últimas décadas, a moda tem sido alvo de críticas e preocupações em relação ao seu impacto ambiental e social. A produção em larga escala de roupas, acessórios e outros produtos fashion tem gerado problemas como a poluição dos rios e oceanos, a exploração de mão de obra e a produção excessiva de resíduos. Diante desse cenário, a moda sustentável surge como uma alternativa para transformar a indústria e garantir um futuro mais justo e equilibrado para o planeta e para as pessoas.

A moda sustentável ou moda ética é um movimento que busca produzir roupas e acessórios de forma mais consciente e responsável. Isso envolve a adoção de práticas e materiais que minimizem o impacto ambiental e social da produção, bem como a promoção de uma cultura de consumo mais consciente e duradoura.

Uma das alternativas seria o slow fashion, termo cunhado pela autora Kate Fletcher em 2008 como uma alternativa ao fast fashion. “O fast fashion surgiu nos anos 2000, através da organização de produção da marca Zara. O sistema consiste em realizar a produção de peças, da produção à comercialização, num curto espaço de tempo. Os profissionais envolvidos, especialmente os cortadores e costureiras, ficam sobrecarregados. Considerando que as tendências de moda são efêmeras, esse ciclo se repetia muitas e muitas vezes”, conta Bruna. “Já o slow fashion considera formas alternativas de produção, respeita e remunera adequadamente os trabalhadores e empresas envolvidas, pensa no material empregado em cada peça e propõe um ciclo de moda durável, que não impõe ao usuário a troca de guarda-roupa a cada nova estação”, completa.

Dentre as principais práticas da moda sustentável, destacam-se:

  • Uso de materiais sustentáveis: prioriza o uso de materiais ecológicos, como algodão orgânico, linho, cânhamo, bambu e materiais reciclados, como o PET.
  • Produção local e artesanal: valoriza o trabalho de artesãos e pequenos produtores locais, incentivando a economia regional e a preservação de técnicas tradicionais de produção.
  • Redução do desperdício: busca reduzir o desperdício de matéria-prima e de produtos, utilizando técnicas de reaproveitamento de tecidos e materiais.
  • Transparência na cadeia produtiva:  valoriza a transparência e a ética na cadeia produtiva, garantindo a rastreabilidade e a responsabilidade social e ambiental da produção.

O movimento da moda sustentável tem ganhado cada vez mais espaço no Brasil e no mundo. Diversas marcas e estilistas têm adotado práticas mais responsáveis em suas produções e buscado inovar em suas estratégias de sustentabilidade.

No Brasil, algumas marcas que se destacam nesse cenário são a Re-Roupa, que produz peças a partir do reaproveitamento de roupas usadas, e a Osklen, que utiliza materiais sustentáveis em suas coleções, além das marcas já citadas acima.

No cenário internacional, podemos destacar a marca Stella McCartney, que tem um forte compromisso com a sustentabilidade e produz roupas a partir de materiais ecológicos e sustentáveis, como algodão orgânico, seda ecológica e couro vegano. Outra marca que se destaca nesse cenário é a Patagonia, que utiliza materiais sustentáveis em suas produções e também atua em projetos de preservação ambiental.

“Não compre por impulso e escolha melhor no momento de comprar, prezando por peças com qualidade, preço justo e sobretudo entendendo sobre a cadeia daquele produto. Se a empresa está envolvida em algum escândalo de trabalho escravo, não compre. Indico o relatório anual de transparência publicado pelo Fashion Revolution aqui no Brasil. É um material bem importante de estudo e conscientização para as pessoas. Vale a leitura. E gosto de sugerir que assistam ao documentário The True Cost. Ele explica bastante coisa, especialmente da cadeia têxtil”, sugere Bruna sobre como contribuir e se informar sobre moda sustentável.

 

 

Ela comenta também sobre a moda muito barata, disponível em aplicativos como a Shein ou em lojas do bairro Brás, em São Paulo. “Há pelo menos dois fatores determinantes para evitar ou reduzir as compras deste tipo de varejo. Onde há preços muito baixos, normalmente, temos um problema de baixa remuneração dos prestadores de serviço, que normalmente são as facções de costura sub contratadas. Essas pequenas ou microempresas recebem bem pouco por cada peça costurada. O outro fator são os materiais, quase sempre de qualidade inferior”, destaca.

O IFSC possui ao menos três ações que tratam do reaproveitamento de lixo têxtil. Dois são do Câmpus Jaraguá do Sul - Centro. Um deles, chamado Upcycle: sobras de debrum viram acessórios de moda com o uso do crochê, foi apresentado recentemente na Feira de Inovação do 9º Seminário de Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação (Sepei) do IFSC. O outro foi executado ano passado e reaproveitou sobras da indústria para produzir sacolas e materiais de decoração.

Já no Câmpus Gaspar, estudantes tiveram o desafio de transformar fardas antigas doadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) em novas peças de roupas.

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IFSC VERIFICA

Por que é dever da escola e das instituições de ensino promover ações que discutam orientação sexual?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 30 mai 2023 18:46 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:05

Ao abrir as redes sociais, logo você vai encontrar alguma acusação de que uma escola ou uma universidade está praticando doutrinação de gênero, formando, nas palavras desses acusadores, “bichas” e “travestis”. É só promover um evento ou uma atividade pautado em relações de gênero que as acusações surgem – muitas delas feitas por políticos que questionam o papel da escola.

Em alusão ao 17 de maio, Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, o IFSC Verifica deste mês traz fatos para mostrar que as instituições de ensino devem sim falar sobre educação sexual, tanto que isso está previsto em lei.

Para saber mais sobre o tema, conversamos com os professores Lino dos Santos, do Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, Patrícia Rosa e Felipe José Schmidt, do Câmpus Florianópolis, Paula Zuanazzi, do Câmpus Itajaí, Diogo Moreno, coordenador de Juventudes e Diversidades do IFSC, e com a chefe do Departamento de Formação e Práticas Educativas do IFSC, Eliane Juraski.

Também conversamos com a pedagoga e doutoranda em Formação de Professores pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Sara Wagner York e a profissional da área da saúde, com formação em Medicina, Ale Mujica Rodriguez.

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A orientação sexual é considerada um tema transversal pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que são definidos pelo Ministério da Educação. A justificativa é de que a sexualidade está presente em todos os momentos de nossas vidas.

Como tema transversal, ele não deve ficar restrita a uma disciplina, mas deve fazer parte dos planos pedagógicos das instituições de ensino fundamental e médio. Ou seja, os PCNs exigem que a abordagem seja muito mais ampla do que apenas discutir orientação sexual nas aulas de Biologia, quando se estuda o sistema reprodutor.

Apesar de ser um tema transversal, a orientação sexual ainda é pouco trabalhada nas escolas. A avaliação é do professor do câmpus Jaraguá do Sul, Lino dos Santos. Ele é trans e atua na área da moda. “Infelizmente nem na educação básica nem na superior a orientação sexual é vista como um tema transversal. São relegados para algumas disciplinas e alguns professores são responsabilizados como se tivessem o dever de abordar o tema enquanto outros não. Costuma ficar a cargo da História, da Biologia ou da Sociologia falar sobre isso, mas a Matemática também poderia abordar o tema ao analisar, por exemplo, os assassinatos de pessoas trans no Brasil. No ensino superior, infelizmente, os cursos escolhem os temas a serem tratados e questões de gênero estão muito mais relacionados à pesquisa e à extensão do que ao ensino e chegam muitas vezes nas universidades por pressão dos movimentos sociais.”

 

Ele também considera que é preciso que os gestores das instituições de ensino compreendam a importância desse assunto. “A responsabilidade de abordar esses temas não deve ficar apenas para o professor, os gestores das instituições de ensino precisam compreender a importância de falar sobre orientação sexual ou mesmo gênero. Não adianta eu formar os professores com cursos nessa área se o gestor não entende a relevância do tema. Inclusive, quando chegam os ataques ao trabalho de um determinado professor, a instituição precisa se posicionar, porque o que a gente vê são uma série de ameaças à pessoa do professor ou do educador, sem um posicionamento da instituição. A gente está falando da vida de pessoas, de ameaças de morte. É preciso barrar este tipo de atitude com o mínimo de efeito positivo para o outro lado, ou seja, com o mínimo possível de likes e comentários. O que a gente percebe é que esse discurso de ódio gera muito engajamento ao mesmo tempo em que não gera conteúdo. A minha perspectiva é que, quanto mais ataques de ódio, mais atividades temos que promover.”

A professora de Filosofia do Câmpus Florianópolis Patrícia Rosa avalia que os ataques se intensificaram na medida em que as pautas progressistas foram ganhando espaço. “Esses movimentos têm crescido no mundo todo há uns 15 anos. Ainda não sei qual nomenclatura deveríamos dar a eles, alguns utilizam o termo fascismo, mas eu não considero ser o mais correto, porque fascismo está localizado historicamente. A forma deles agirem é que se baseia numa concepção fascista de política do medo. A minha perspectiva é que temos que trabalhar por direitos por todas as humanidades porque existem modos diferentes de ser humano.”

 

A pedagoga e doutoranda em Formação de Professores pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Sara Wagner York explica que uma das táticas desses ataques de ódio é o de descredibilizar o professor. “Nestes posts é comum colocar em xeque a credibilidade de formação e de currículo do profissional que promoveu a atividade ou mesmo da própria instituição. Observamos também a constante produção de fake news, que é a produção intencional de notícias falsas, para causar um dano a alguém ou ainda quando há uma intencionalidade de criar uma narrativa descontextualizando algumas informações. As palavras mais perversas e absurdas que eu já ouvi sobre questões sexuais foram ditas por uma ministra que é hoje senadora da república sendo que ela nunca comprovou o que denunciou.”

Sara é transexual e professora e avalia que é fundamental que a educação vá além do binarismo homem e mulher. Nesse sentido, ela avalia que a presença de professores e alunos trans em sala de aula contribuem para esse debate. “Quando essa diferença for tratada como uma realidade da escola, a gente vai de fato estar fazendo educação.”

 

Uma demanda dos estudantes

O professor do Câmpus Florianópolis e presidente do Comitê de Direitos Humanos do IFSC, Felipe José Schmidt, dá aulas de Filosofia e explica que muitas demandas para abordar temas relacionados à orientação sexual chegam dos próprios estudantes. “Quando eu ministro ética e autocuidado eu trabalho a saúde enquanto um direito humano e surgem temas como gravidez na adolescência e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Foi a partir de um trabalho como esse que fizemos uma parceria com o grêmio estudantil onde passamos a disponibilizar preservativos no câmpus. Trouxemos também um caminhão de vacinação, onde, além de atualizar suas vacinas, os estudantes também conseguiram fazer uma série de exames.”

A chefe do Departamento de Formação e Práticas Educativas do IFSC, Eliane Juraski, avalia que é papel da escola pautar estas questões. “Nós temos que acolher o conhecimento do senso comum e fazer com que ele passe pelo crivo científico para ressignificá-lo. Nós não estamos aqui para agradar ninguém, mas para desempenhar o nosso papel enquanto uma escola para formação de trabalhadores e trabalhadoras. Quando surgem esses ataques, a instituição precisa prestar o apoio a esses educadores. O bate-boca virtual não resolve e essas pessoas precisam ser punidas na vida real. Ser denunciadas e investigadas.”

 

Ela cita que a pró-reitoria de Ensino do IFSC está trabalhando em duas frentes para formação dos servidores como forma de incentivo à inserção desses temas nas práticas pedagógicas. “Estamos promovendo semanas pedagógicas integradas e realizando ciclos de formação continuada com todos os servidores em que serão abordados temas como direitos humanos, política de assédio e combate à violência.”

Estudantes trans

No IFSC, não há um censo sobre a quantidade de estudantes que se identificam enquanto trans, mas, no momento, sabe-se que 147 alunos optaram pela utilização do nome social.

Desde 2010, há uma regulamentação no instituto que permite a utilização do nome social nos registros acadêmicos por estudantes transexuais. Sendo que o nome social é aquele ao qual o estudante escolhe ser chamado e difere do seu nome civil.

 

O coordenador de Juventudes e Diversidades do IFSC, Diogo Moreno, explica que o IFSC tem trabalhado para promover ações específicas para atendimento desses estudantes. “Nós temos recebido uma série de demandas sobre como pensar em banheiros para os estudantes trans, este é um assunto que a gente vem debatendo para criar uma diretriz. Outro assunto que estamos discutindo, em conjunto com os professores de Educação Física, é sobre a inserção dos estudantes nos Jogos do IFSC (Jifsc). A gente sabe que muitos estudantes trans têm resistência a praticarem atividades físicas e a gente precisa mudar isso. Estamos também pensando em cotas nos editais específicas para atender esses estudantes e temos ainda que pensar na linguagem não-binária que é também uma reivindicação.”

Uso de banheiros

No Brasil, segundo a resolução nº 12, de 2015, do Programa “Brasil sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e de Promoção da Cidadania Homossexual” é garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito. Mas, apesar de existir uma legislação específica para isso, é comum ouvir de estudantes trans que se sentem constrangidos ao usar o banheiro. “Eu já ouvi o relato de uma estudante que fica o dia inteiro sem usar o banheiro por conta do medo da violência e do histórico de violência que ela já sofreu neste espaço”, relata o professor Felipe José Schmidt, do Câmpus Florianópolis.

Com relação ao uso de banheiros, o professor Lino Santos, do Câmpus Jaraguá do Sul-Centro, avalia que é preciso repensar na forma como esses espaços são projetados. “Eu vejo que criar um banheiro só para alunos trans não é o caminho porque, ao invés de incluir, excluí. O banheiro tem que ser pensado como nas nossas casas, de uso individual. Ele é uma porta, um vaso e uma pia. Eu entendo que nas escolas por uma questão de custos e mesmo de infraestrutura acabam se pensando nesses espaços de uso compartilhado, mas é preciso rever o planejamento desses espaços.”

Participação de estudantes trans em jogos esportivos

A jogadora da Superliga Feminina do vôlei Tiffany é considerada uma referência na inserção de atletas trans no esporte. Mas casos como os dela, no esporte de alto rendimento, ainda são raros. Como profissional da área da saúde, com formação em Medicina, Ale Mujica Rodriguez é trans e explica que “o controle dos corpos trans é muito maior do que o controle que é feito aos corpos de atletas cisgêneros”. “O corpo humano é muito mais complexo do que dividi-lo no binarismo homem e mulher em que a força estaria associada ao masculino e a suavidade ao feminino. O que a gente observa é que os corpos costumam ser educados para isso. As pessoas não se dividem apenas em XX e XY, há um debate muito interessante sobre esta questão do esporte que é promovido por pessoas intersexo e é preciso trazer essas discussões para a sala de aula.”

Nesse sentido, como pensar no caso de um estudante trans do IFSC que queira participar do Jifsc, por exemplo? Ele pode? Como ele deve ser inscrito? “O que a gente observa é que muitos estudantes trans evitam fazer aulas de Educação Física e por conta disso não aprendem na escola a jogar, eles têm medo de não serem aceitos e de sofrer violência no banheiro ou mesmo no vestiário. Se a escola não der este espaço, talvez ele nunca tenha outro, não vai desenvolver o gosto pela atividade física, não vai saber nem como o corpo reage a determinadas práticas. Nós precisamos de fato garantir a esses estudantes o direito à escola”, avalia a professora de Educação Física do câmpus Itajaí Paula Zuanazzi.

Você sabia?

O dia 17 de maio é declarado como Dia Internacional de Combate à LGBTfobia e esta data é considerada um marco porque foi em 1990 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou o termo homossexualismo da lista de distúrbios mentais da Classificação Internacional de Doenças (CID). A partir de então, o termo homossexualismo, que antes caracterizava a orientação sexual como doença, deixa de ser utilizado e dá lugar ao termo homossexualidade. A transexualidade também já fez parte da lista de transtornos mentais da CID, mas foi retirada em 2019 pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

 

Os trabalhos do biólogo e sexólogo americano Alfred Kinsey (1894-1956), autor dos livros Comportamento sexual do homem e Comportamento sexual da mulher foram fundamentais para a revisão desses conceitos. Ao estudar os hábitos sexuais de homens e mulheres nos Estados Unidos, ele observou a multiplicidade de manifestações sexuais humanas que iam além das categorias heterossexual e homossexual. Foi a partir de seus estudos também que a homossexualidade deixa de ser vista enquanto doença e passa a ser vista como um estado natural humano.

LGBTfobia é crime

O termo LGBTfobia é utilizado para se referir ao preconceito e à discriminação ocorrida em virtude da orientação sexual ou da identidade de gênero. A Lei de Racismo (7716/89) prevê pena de um a três anos, além de multa, a quem "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito" em razão da orientação sexual da pessoa. Se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa.

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Escassez de água: entenda por que esse problema também é seu

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 mar 2023 19:18 Data de Atualização: 20 mai 2024 18:02

É uma conta que não fecha: a quantidade de água disponível no planeta é estável, mas a escassez é um problema que vem causando preocupação crescente. Como um recurso abundante e renovável pode estar se tornando escasso? 75% do globo terrestre é coberto por água, então como é possível que haja escassez de oferta e desigualdade de acesso?

A ideia pode soar estranha, mas a quantidade de água que existe no planeta Terra é a mesma desde os tempos mais primórdios. Ela circula e se renova por meio do ciclo hidrológico, movimento contínuo pelo qual a água evapora, se condensa, se precipita e alimenta novamente nascentes, rios, lagos, oceanos, mananciais subterrâneos. A água passeia também pelas calotas polares, pelos alimentos e até pelos organismos vivos – os humanos, por exemplo, têm 70% do corpo formado por água.

Porém, cada vez mais existe preocupação global em torno da escassez de água – noção que deve ser compreendida como o oposto da abundância. E isso se deve ao reconhecimento de que a água doce corresponde a uma parcela ínfima em relação ao montante total, formado majoritariamente pelos oceanos.

“Até os anos 1990, sempre se teve uma ideia de que o mundo tinha abundância de água: observando os mares, rios, oceanos, de forma empírica, sempre pareceu que tinha muita água”, observa o professor de Geografia do Câmpus Joinville Maurício Ruiz Câmara, que tem mestrado na área e pesquisas sobre desenvolvimento urbano. Foi na última década do século 20 que a distribuição de água no mundo pôde ser quantificada, o que revelou que a disponibilidade de água doce é, na verdade, muito pequena. Em todo o planeta, 97,5% da água está nos oceanos, ou seja, essa imensa maioria é água salgada. A fração de água doce é de apenas 2,5%. Mas esses 2,5% não necessariamente estão ao nosso alcance, já que a maior parte está congelada nas calotas polares (70%) ou escondida nos aquíferos subterrâneos (29%). A água doce superficial representa apenas 1% da quantidade total.

 

Não bastasse o choque de realidade em relação à diminuta quantidade de água doce no mundo, ainda é preciso lidar com as desigualdades de acesso a esse recurso essencial à vida. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que 1,4 milhão de pessoas de todas as idades morrem anualmente por causas que poderiam ser prevenidas se, para elas, existisse acesso adequado à água potável e ao saneamento básico. E esse problema leva a outro, pois a falta de saneamento está diretamente relacionada com a poluição: em todo o mundo, segundo a ONU, 2 bilhões de pessoas usam água vinda de fontes contaminadas com coliformes fecais.

Mas qual é a situação do Brasil, e mais especificamente da região em que vivemos, nessa questão da disponibilidade de água? Por que, afinal, a água é essencial à vida? Que alternativas são discutidas para que o acesso a ela seja democratizado? Que setores são responsáveis pela contaminação dos nossos recursos hídricos? Podemos dessalinizar a água do mar? Qual a importância de encontrar água em outros planetas? Conversamos com pesquisadores do IFSC em busca de algumas dessas respostas.

Água, direito de todos e essencial à vida

Desde 2010 o acesso à água potável é considerado um direito universal pela Organização das Nações Unidas (ONU). Isso quer dizer que todas as pessoas têm direito de usufruir da água de forma suficiente, contínua e segura, para uso pessoal e doméstico – o que inclui a própria ingestão de água, seu uso no preparo da alimentação e os procedimentos de higiene necessários para uma vida considerada saudável.

A ingestão regular de água é tão importante para a saúde humana que ela pode ser considerada um alimento, de acordo com a nutricionista da Pró-Reitoria de Ensino (Proen) Carolina Abreu Henn de Araújo, mestra e doutoranda em Saúde Coletiva. “A água nutre nosso organismo e é essencial para que as funções vitais do corpo funcionem perfeitamente”, ressalta. A média ideal de consumo para um indivíduo adulto é de cerca de dois litros por dia, ingeridos gradualmente. “Algumas pessoas precisam de maior ingestão, como os idosos, que têm perda de massa muscular, além de pessoas com doenças crônicas como diabetes e hipertensão”, explica. A ingestão gradual, ao longo do dia, é importante para manter as funções do corpo e repor as perdas que ocorrem, como na eliminação pela urina ou pelo suor.

A ilusão da abundância no Brasil

A realidade global, porém, é de alto risco para 785 milhões de pessoas, que, segundo dados da ONU, não têm acesso à água potável – no Brasil, são 35 milhões, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA). “A escassez não ocorre somente nos países desérticos, semiáridos. Nós não temos a abundância que imaginávamos. De fato, o Brasil é abundante em água, mas grande parte dela está disponível na Amazônia. Então ela não está distribuída de forma igual”, observa o professor Maurício Ruiz Câmara.

Entender a relação escassez/disponibilidade exige que se pense na quantidade de água disponível em relação à população. No Norte do Brasil está concentrada 68% da água do país, enquanto a população corresponde a apenas 6% do total. A relação é invertida no Sudeste, onde mora 43% da população brasileira, mas a água equivale a apenas 6% do total. A região Sul, onde a frequente ocorrência de enchentes induz a um imaginário de excesso de água, tem 15% da população do país e apenas 7% da água. “Nós nos referimos à região Nordeste como um lugar onde falta água, mas na realidade a falta de água está aqui mesmo”, observa Maurício.

Para a professora Sabrina Pinto Salamoni, doutora em Microbiologia Agrícola e do Ambiente e docente no Câmpus Jaraguá do Sul, a escassez está relacionada à qualidade da água e à sua distribuição, e a desigualdade na distribuição em relação à densidade populacional é um fator agravante. “É sabido que o aumento da população demanda mais recursos hídricos para diferentes fins, principalmente para a indústria e agricultura, sendo esta última uma das atividades que mais demanda água”, analisa.

As águas residuais decorrentes dessas atividades têm elevado teor de contaminantes e não necessariamente são tratadas, embora haja exigências legais sobre isso. “Assim, ao se falar em escassez é importante mencionar que a qualidade da água está comprometida, que há a necessidade de tratamento para que ela se destine ao consumo humano, por exemplo.” A ONU estima que o processo de escassez pode causar um déficit de 40% na disponibilidade do recurso até 2030.

 

Cenário complexo

O cenário, então, é o seguinte: a quantidade de água doce existente no mundo é uma pequeníssima fração do total de água no planeta; uma quantidade menor ainda está ao alcance das pessoas; mesmo assim, a distribuição dessa água não é equânime por razões geográficas e populacionais; e a água disponível não necessariamente apresenta bom estado, já que a poluição por esgotos, resíduos industriais e agrotóxicos compromete grave e crescentemente sua qualidade. A questão da água é uma problemática tão imensa e complexa que motivou a realização de uma nova Conferência da ONU sobre Água, nos dias 22 a 24 de março de 2023, em Nova York. O Dia Mundial da Água é celebrado em 22 de março desde 1992, ano da realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente no Brasil (Rio-92).

Na análise do professor Maurício, a falta de saneamento básico é um problema antigo que leva, inclusive, ao comprometimento da balneabilidade das praias – e à contaminação da água salgada dos oceanos. Mas o processo produtivo é, segundo ele, o maior responsável pela poluição e também o maior demandante de recursos hídricos. Para a produção de 1 quilo de carne bovina, por exemplo, são utilizados 17 mil litros de água. “A região Centro-Oeste tem 15,7% da água doce do Brasil, lá estão as nascentes de vários rios importantes. Mas também há nessa região uma forte expansão do agronegócio. Dada a alta produtividade desse setor, nós podemos dizer que, indiretamente, o Brasil está exportando água”, alerta.

Todo o processo produtivo do agronegócio brasileiro depende da disponibilidade de água. O exemplo vai muito além da pecuária: são precisos 2,8 mil litros de água para a produção de 1 quilo de soja, 2.500 litros para 1 quilo de arroz e 5.280 litros para 1 quilo de queijo. “O volume de água virtual que o Brasil exporta seria suficiente para abastecer 1,5 bilhão de pessoas”, salienta o professor.

Fontes de contaminação incluem produtos químicos

O uso e consumo de água contaminada não só por esgotos, mas também por agrotóxicos e resíduos industriais, chama a atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS): dados de 2019 apontam que 140 milhões de pessoas em 50 países estão bebendo água com níveis excessivos de arsênico, substância utilizada em agrotóxicos, venenos, tintas e cerâmicas. Já o consumo de água contaminada por coliformes fecais é a realidade de pelo menos 2 bilhões de pessoas, segundo dados de 2022 da OMS.

“Hoje nós podemos encontrar resíduos de pesticidas em qualquer copo de água de qualquer torneira, de qualquer sistema de abastecimento de água”, afirma o oceanólogo Mathias Alberto Schramm, doutor em Ciência dos Alimentos e professor do Câmpus Itajaí. “Analisando as pesquisas de alguns anos para cá, é possível dizer que as contaminações vêm aumentando, cada vez mais”, acrescenta. Pesquisa orientada pelo professor Mathias em 2021 constatou a presença de 12 agrotóxicos na água potável consumida no câmpus – inclusive, com a presença de substâncias proibidas como o carbofurano (produto usado no combate a insetos, ácaros, cupins e outros agentes, proibido desde 2017). As consequências disso recaem não só sobre as pessoas, mas também sobre os organismos marinhos e o ambiente como um todo. E a legislação regulatória não é suficiente para minimizar esse problema, em especial no Brasil, onde os parâmetros de análise tendem a ser mais permissivos do que em outros países (leia artigo de pesquisadores da Universidade do Planalto Catarinense-Uniplac, em inglês, sobre esse assunto).

A alternativa da dessalinização

A tecnologia necessária para remover os sais das águas salgadas e salobras - a chamada dessalinização - já está bem desenvolvida e é aplicada em países como as Ilhas Maldivas, Bahamas e Malta, onde a água consumida é 100% proveniente desse processo, segundo informações do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Na Arábia Saudita, a água dessalinizada é transformada na água potável consumida por metade da população. Aqui no Brasil, há experiências de dessalinização nos estados do Nordeste e em Minas Gerais, beneficiando 330 mil pessoas.

Porém, o processo não é mágico: dele resultam resíduos com sais concentrados, ou seja, bem mais salgados que a água original e que precisam ser tratados. Se despejados no ambiente sem tratamento, essa “salmoura tóxica” pode causar séria degradação dos ecossistemas. Segundo o PNUMA, 80% dos resíduos de dessalinização no mundo vão para locais inadequados. Resolve-se um problema imediato de um lado, mas cria-se outro que pode ter consequências de longo prazo.

Acredite: a água não é uma exclusividade da Terra

Ainda não há resposta para a questão sobre estarmos sozinhos ou não no Universo. Mas já há consenso científico em torno da existência de água - igualzinha à água terrestre, a fórmula H2O - fora do nosso planeta. Já se sabe que há água em outros planetas, luas e outros corpos celestes do Sistema Solar, assim como em exoplanetas – planetas que orbitam outras estrelas que não o nosso Sol. “Tem muita água nos planetas do Sistema Solar, nos planetas anões, nos cometas e nas luas, que são os satélites naturais desses planetas. Mas nem sempre se trata de água líquida”, explica o físico Marcelo Girardi Schappo, doutor na área e professor do Câmpus São José. Na Lua, por exemplo, há água congelada em regiões onde o Sol não incide, em especial nos polos e no fundo de crateras. Nosso vizinho Marte também tem água congelada em calotas polares, além de sinais geológicos de que tenha havido, num passado muito remoto, um oceano de água líquida na superfície. A lua Europa (que orbita Júpiter), o planeta anão Ceres (que fica entre Marte e Júpiter), os anéis de Saturno e os cometas também já têm a presença de água confirmada.

Além desses corpos celestes que podemos considerar “vizinhos” da Terra, já há presença de água confirmada em exoplanetas. Schappo explica que a pesquisa em outros sistemas é muito mais complexa e também bastante recente – o primeiro exoplaneta foi descoberto em 1992, e desde então já se identificou a existência de mais de 5 mil deles. “Ainda estamos começando a conhecer esses novos mundos, que são novos planetas que orbitam outras estrelas, mas certamente vamos lidar com água neles também”, afirma o professor.

Por que encontrar água em outros planetas é tão importante para a ciência astronômica?

Como a água é absolutamente essencial para as formas de vida da Terra, encontrá-la em outros planetas pode ser um indício de que, neles, possa haver também vida de alguma forma. Além disso, identificar os elementos e substâncias presentes nesses planetas e corpos celestes é uma forma de incrementar o conhecimento sobre eles e sobre nós. “É importante confirmar a presença dela [a água] no cosmos porque estamos tentando nos identificar. Olhando para a nossa casa, a Terra, a gente sabe que a água é fundamental para a nossa forma de vida, e foi essencial no próprio processo de formação da vida aqui”, analisa. “Mas isso não significa que todas as formas de vida possíveis sejam condicionadas à existência de água. Seria muita petulância achar isso”, pondera Marcelo Schappo.

A água de outros planetas pode ajudar a resolver a escassez na Terra?

A pesquisa astronômica é fascinante, mas também não é mágica. Embora já esteja confirmada a presença de água em muitos lugares fora da Terra, a hipótese de “importar” água interplanetária para suprir as necessidades de consumo na Terra não está na pauta. “Nós estudamos a água em Marte para conhecer Marte, caracterizar esse planeta, saber o que tem lá, sua composição, temperatura. A ideia é saber da água para conhecer o próprio ambiente que está sendo estudado. A possibilidade da disponibilização dessa água para uso humano só existe na hipótese de uma missão tripulada de longo prazo – e isso está na ordem do dia, é pauta zero da astronomia, da astrofísica, dos estudos planetários, viabilizar uma missão tripulada para Marte”, frisa o professor Marcelo Schappo. Portanto, as alternativas para frear o problema da escassez de água no planeta Terra terão que ser encontradas aqui mesmo, pelos humanos, com os pés bem firmes no chão.

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IFSC VERIFICA

O que você deve saber ao consumir ostras e mariscos?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 dez 2022 10:48 Data de Atualização: 20 mai 2024 17:58

É verão e férias. Durante esse período, o litoral catarinense recebe muitos turistas que buscam curtir uma praia, conhecer a cultura e a gastronomia local. Há uma série de sugestões de locais para visitar e de pratos para apreciar. Talvez você não saiba, mas Santa Catarina é referência nacional no cultivo de ostras e mariscos, o que faz do Estado o maior produtor de moluscos do Brasil. Um título que vem sendo conquistado ano após ano desde 2013.

Segundo dados da Epagri, o Estado é responsável por mais de 95% da produção nacional de ostras e mariscos. No post do IFSC Verifica, nós te explicamos sobre a importância do monitoramento do cultivo de moluscos e da análise constante da água do mar para garantir a segurança alimentar de quem consome esses produtos.

Começando do começo

Moluscos são animais filtradores que se alimentam de microalgas e por isso é preciso ficar atento se há floração de algas que possam liberar toxinas potencialmente nocivas. É quando temos um fenômeno conhecido popularmente como maré vermelha. Nesse caso, a ingestão dos moluscos pode causar intoxicação alimentar, problemas hepáticos ou neurológicos. E como um mero consumidor vai saber disso? É aí que entra a ciência.

Santa Catarina é o único estado no país a fazer o monitoramento sistemático e contínuo da qualidade da água e dos moluscos de cultivo. Caso haja uma floração de algas nocivas, são emitidos alertas e a comercialização e o consumo dessas espécies ficam temporariamente proibidos. Um trabalho que foi pensado e estruturado por pesquisadores que compõem o quadro de servidores do Câmpus Itajaí do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).

O Laboratório Oficial de Análise de Resíduos e Contaminantes em Recursos Pesqueiros (Laqua), do Câmpus Itajaí, reúne pesquisadores que são referência no estudo de microalgas e ficotoxinas – toxinas liberadas pelas algas –, como o professor Luís Proença, que desde a década de 1980 estuda a floração de algas. Ele conta que em 1998 quando detectou a maré vermelha no litoral de Santa Catarina, procurou algumas instituições para fazer o alerta e que na época não havia um fluxograma como hoje para fechar as áreas de cultivo e proibir o consumo. Uma ação que antes só cabia ao Ministério Público. “Nós observávamos que havia a necessidade de constituição de um laboratório oficial que pudesse monitorar a presença de algas para garantir a segurança alimentar e emitir laudos que fossem reconhecidos enquanto oficiais.”

Nesse período também, o governo federal começou a trabalhar para a criação de laboratórios oficiais de análise de organismos marinhos que funcionassem em instituições públicas e o IFSC se habilitou a ser uma delas. Dessa forma, em 2012, o Ministério da Pesca e da Aquicultura designou quatro instituições públicas para abrigarem laboratórios oficiais, sendo que o IFSC foi designado a receber o laboratório de análises de biotoxinas marinhas, que iria compor a Rede Nacional de Laboratórios do Ministério da Pesca e Aquicultura (Renaqua) e passaria realizar diagnósticos e análises oficiais sobre moluscos bivalves de áreas de cultivo em Santa Catarina.

De 2012 a 2017, o laboratório realizou mais de 10 mil análises de amostras de moluscos bivalves de cultivos de diferentes regiões de Santa Catarina. O laboratório também recebia amostras de organismos vindos de outros estados como Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.  Por sete anos, as amostras coletadas eram encaminhadas ao IFSC, onde era feita a análise dos materiais e emitidos os laudos. Em caso da presença de algas nocivas, como a toxina diarreica (DSP), que pode causar uma intoxicação alimentar, ou da toxina amnésica (ASP), que pode levar à morte, um alerta era emitido e cabia a secretaria da agricultura do Estado fechar as áreas de cultivo e proibir a comercialização dos moluscos enquanto houvesse a presença dessas espécies.

Um trabalho que se tornou referência com a implementação do Programa de monitoramento de algas nocivas, ficotoxinas e bactérias em áreas de cultivo pela Cidasc. “Santa Catarina é o único estado do Brasil a fazer o monitoramento sistemático da presença de ficotoxinas em moluscos bivalves, o que fez com que as ostras cultivadas aqui se transformassem em uma referência nacional”, explica o professor do Câmpus Itajaí Mathias Schramm.

Em 2018, as análises de toxinas que eram feitas no IFSC passaram a ser realizadas pelo Laboratório Nacional Agropecuário do Rio Grande do Sul (Lanagro), instalado em São José (SC). Desta forma, os trabalhos do laboratório do IFSC se concentraram nas análises de amostras de água coletadas para fazer os ensaios de contagem de algas, no desenvolvimento de metodologias analíticas e no trabalho de capacitação de equipes técnicas que atuam nesta área.

O que a ciência tem a dizer sobre essas toxinas

O que causa essa proliferação de algas nocivas?

Dentre as microalgas existentes, estima-se que apenas 100 delas produzem toxinas que podem ser nocivas para peixes e seres humanos. As mais conhecidas são as do gênero Dinophysis. O professor Thiago Pereira Alves, do Câmpus Itajaí, explica que esse é um fenômeno natural e que há uma série de condicionantes ambientais que podem afetar a proliferação dessas microalgas como correntes marinhas e fenômenos meteorológicos ou mesmo emissão de efluentes, dragagens e obras de infraestrutura costeira.

Há relação entre maré vermelha e poluição?

O professor Thiago explica que não existe uma relação direta de poluição com maré vermelha. “Muitas pessoas tendem a associar o fenômeno das marés vermelhas como uma consequência da perda de balneabilidade ou contaminação das águas costeiras por esgoto doméstico, mas isso não é verdade. Nossa maior frequência de maré vermelha é no outono e no inverno, onde temos a melhor balneabilidade. A falta de saneamento é um problema crônico, enquanto que a maré vermelha é um processo natural. Há lugares paradisíacos no pacífico que tem uma água muito boa e lá também acontece a maré vermelha do mesmo jeito. A degradação ambiental da zona costeira e a poluição das águas contribuem para a perda de qualidade ambiental que muitas vezes reduz a diversidade da fauna e flora aquática e pode contribuir para que determinadas espécies de microalgas prevaleçam na água. Isso pode favorecer a ocorrência de um fenômeno de maré vermelha, porém esse não representa um fator determinante.”

O professor do Câmpus Itajaí Luís Proença explica que a quantidade de materiais orgânicos presentes na água pode interferir no volume de microalgas, já que elas servem como alimento para essas espécies de moluscos. “Há alguns estudos nos Estados Unidos em que se associou o uso de fertilizantes com ureia em plantações ao aumento de florações de maré vermelha. Nesse sentido, estuda-se que a ureia poderia potencializar esse fenômeno. Mas é bom lembrar que a maré vermelha é um fenômeno natural e que há uma série de registros históricos que mostram casos de intoxicação alimentar causados pela ingestão de ostras e mariscos. No Brasil, há um registro do naturalista Aldo Vieira da Rosa sobre o relato de pessoas que morreram por conta do consumo de marisco em 1904”, explica o professor.

Outro registro histórico que também pode estar associado ao fenômeno da proliferação de algas nocivas é o do marinheiro britânico George Vancouver que, no final do século XVIII, navegava pela América do Norte. Em seus registros, há o relato de que quatro tripulantes ficaram doentes ao comerem mexilhões e um deles morreu horas depois de paralisia no sistema respiratório.

Quais são os efeitos dessas ficotoxinas?>

O efeito no corpo humano depende da toxina encontrada. Em caso de toxina diarreica (DSP), o mais comum é intoxicação alimentar. Outras substâncias podem causar dermatites e até inflamações das vias respiratórias (intoxicações por aerossóis - spray marinho). Já no caso da toxina amnésica (ASP) ela pode levar à paralisia do corpo e à morte. “No caso da toxina diarreica, ela inibe uma proteína que nós temos no nosso intestino e que é responsável pelo balanço hídrico. Isso gera os distúrbios gastrointestinais. O que faz dela uma intoxicação alimentar diferente de uma causada por salmonela”, afirma o professor Thiago.

Essas toxinas podem ser neutralizadas com o congelamento ou o cozimento desses alimentos?

As toxinas não são destruídas com o congelamento ou cozimento dos moluscos. A única forma de detectá-las é por ensaios ou análises químicas. Quando é detectada, a defesa sanitária interdita o local e a venda dos produtos fica proibida durante o período em que for detectada a ficotoxina na água e nos moluscos.

A purificação da água do mar onde será feito o cultivo é uma garantia para a segurança da ingestão?

O professor Thiago explica que por mais que a água seja purificada, caso haja a presença de ficotoxinas, não há como garantir a segurança alimentar. “Quando se purifica a água, consegue-se apenas retirar as ficotoxinas do sistema digestório dos moluscos, mas não há a garantia de que não exista a presença dessas microalgas nocivas em outras partes do animal.”

A maré vermelha é vermelha mesmo?

Apesar do nome, nem sempre a maré vermelha é vermelha. No Brasil, é mais comum inclusive que a cor do mar fique de um tom de verde, branco ou marrom, sendo que a coloração vermelha é mais comum no Caribe e no Índico. “As marés vermelhas são um fenômeno natural resultante da rápida proliferação de algas microscópicas unicelulares (microalgas) e que muitas vezes altera algumas características e propriedades da água como cor, cheiro ou a produção de espuma. A grande maioria das marés vermelhas, não tingem a água de vermelho, e são benéficas para a rede trófica aquática uma vez que as microalgas são a base da cadeia alimentar marinha, servindo de alimento para muitos organismos como peixes, crustáceos ostras e mariscos”, afirma o professor Thiago.

A proliferação dessas microalgas acontece apenas no mar?

Não, também há a presença de ficotoxinas em água doce, inclusive há registros em águas de abastecimento.

Qual a melhor forma de prevenir os casos de intoxicação?

Os professores são unânimes em dizer que a melhor forma de prevenir é o monitoramento do cultivo e que é necessário que outros estados também tenham laboratórios que façam essas análises de forma sistemática.

Após o fechamento das áreas de cultivo, em quanto tempo eu posso voltar a consumir os moluscos?

No caso de maré vermelha, não há perda de produção, já que os mesmos moluscos podem ser comercializados após as toxinas serem dissipadas. Mas não há um tempo estimado para que isso aconteça.

Essas ficotoxinas também podem ser prejudiciais para peixes?

Sim. “O Chile produz em média 40 mil toneladas de salmão por ano e na safra de 2015 e 2016 que foi afetada pela maré vermelha a produção caiu para 5 mil toneladas. O que fez disparar o preço do salmão”, explica o professor Luís Proença.

E agora que você “ouviu” o que a ciência tem a dizer e viu como ela é uma importante aliada para garantir a nossa sobrevivência, que tal desfrutar de um bom prato de ostras? Só fique atento aos alertas!

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O tempo está passando mais rápido?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 28 nov 2022 15:04 Data de Atualização: 20 mai 2024 17:55

Mais um ano chegando ao fim. Para você, 2022 voou? Será que o tempo está passando mais rápido ou é apenas uma sensação diante da correria em que vivemos? O assunto ganhou uma pitada polêmica este ano, quando foi anunciado o dia mais curto já registrado desde a metade do século passado. Mas como, o tempo de um dia não é exato? A Terra não leva sempre 24 horas para dar uma volta de rotação? Não é bem assim.

Com o passar dos séculos, a forma de medir o tempo mudou - passou da mera observação da posição do Sol até a tecnologia de alta precisão dos relógios atômicos - são eles os responsáveis pela hora que você está vendo aí no seu relógio. 

Além das questões físicas, existem várias abordagens sobre como nós, seres humanos, percebemos a passagem do tempo. E claro, as vivências de cada um influenciam. Podemos perceber isso com um exemplo bem simples: uma hora numa fila demora a passar, mas basta encontrar alguns amigos e jogar conversa fora para essa percepção mudar rapidinho.

Para abordar este tema, convidamos professores do IFSC para responder, tanto do ponto de vista físico, quanto filosófico e sociológico, algumas perguntas:

- O tempo de rotação da Terra está mudando?
- O que interfere nesse tempo de rotação e consequentemente na duração dos dias?
- Como é definida a hora mundial?
- Como varia a percepção de tempo do ser humano ao longo da história?

Marcelo Schappo, professor de Física do Câmpus São José, vai explicar porque o  fato de 2022 ter tido o dia mais curto não significa que o tempo está passando mais rápido. Pelo contrário! Ao longo dos séculos, a velocidade de rotação da Terra vem diminuindo. Ele e o professor de Geografia Paulo Henrique Amorim, também de São José, detalham os fatores que interferem neste movimento. 

Já o professor de Filosofia do câmpus, Volmir Von Dentz, esclarece que, ainda que exista algo de objetivo no tempo, não se pode negar que há algo de sociológico, cultural, histórico e até psicológico nas funções do tempo. "Nesse sentido, a depender da cultura, do contexto histórico ou das condições dos indivíduos mudam as compreensões sobre o tempo."

Tempo de rotação da Terra

Vamos começar com as explicações físicas. O professor Marcelo Schappo detalha no vídeo abaixo porque não podemos dizer que o tempo de rotação da Terra é tão exato:

No vídeo, o professor compara o movimento da Terra ao de uma bailarina. E você pode fazer esse teste em casa. Ao sentar em uma cadeira giratória, perceba como o movimento fica mais rápido ou mais devagar na medida em que você abre ou fecha os braços enquanto gira. Com o nosso planeta, vários fatores influenciam nesse movimento.

O que interfere na velocidade de rotação da Terra?

Paulo Henrique Amorim, professor de Geografia do Câmpus São José, afirma que abalos sísmicos, formação ou derretimento de geleiras, erupções vulcânicas e movimentação de fluidos no interior e até na superfície terrestre e na atmosfera, como correntes marítimas e atmosféricas, interferem na rotação. "Em comum, todos esses fenômenos têm o fato de que, em níveis diferentes, eles acabam provocando certa redistribuição da massa na Terra, ou seja, dos elementos que compõem o nosso planeta."

Para entender como isso ocorre, vamos considerar o caso das geleiras, ou seja, grandes corpos d'água em estado sólido. A maioria delas está localizada em regiões de altas latitudes, pois ali há menor incidência de energia solar e, logo, menores temperaturas. "Porém, com o recente aumento da temperatura média global causado pelas mudanças climáticas provocadas pela humanidade, as geleiras têm sofrido intenso derretimento. Assim, a água que estava em estado sólido na geleira passa ao estado líquido e, assim, pode ser deslocada para outras regiões a partir de correntes marítimas, por exemplo", explica Paulo.


Foto: Carmina Jinga | Dreamstime.com

Outro exemplo recente que ajuda a entender essa influência é o terremoto de Tohoku, que ocorreu em 2011 no Japão e provocou o tsunami que afetou a usina de Fukushima. Segundo Paulo Henrique, além de enormes prejuízos materiais, o sismo provocou grande redistribuição da matéria na Terra: na superfície, o tremor causou o desprendimento de glaciares no Ártico e estudos apontam que houve também deslocamento de massa no interior da Terra em direção ao núcleo.

"Para simplificar, podemos dizer que fenômenos que deixem a massa da Terra mais afastada do seu eixo de rotação, como o aumento da quantidade de água em oceanos na região equatorial, tendem a dificultar a rotação. Por outro lado, fenômenos que concentrem massa de forma próxima ao eixo de rotação terrestre, como a formação de geleiras em regiões polares ou abalos sísmicos de grande magnitude, acabam diminuindo o momento de inércia da Terra, o que leva o movimento de rotação a atingir maior velocidade."

A medição do tempo ao longo dos séculos

Imagine muitos horários diferentes em um único país - e não estamos falando de fuso ou horário de verão. Até a metade do século XIX, cada localidade definia o horário à sua própria maneira, sem uma referência comum, segundo o professor Marcelo Schappo.

Ele explica que à medida que a sociedade avançou, foi necessário estabelecer um modo compartilhado para marcação das horas, para que o sistema financeiro pudesse determinar o momento exato de transações, e os trens, as indústrias e as telecomunicações, por exemplo, pudessem operar com base em horários sincronizados em diferentes cidades.

"Um avanço importante nesse sentido ocorreu em 1884, quando diferentes países acordaram utilizar o GMT (Tempo Médio de Greenwich ou Greenwich Mean Time em inglês, também conhecido por Hora de Greenwich) como referência, um horário definido por meio de observações astronômicas realizadas em Londres. A partir dele, diferentes países e regiões podiam simplesmente adicionar ou remover horas ou frações de horas para determinar a hora local."

Mas foi em 1963 que o horário acordado mundialmente mudou, deixando de ser determinado astronomicamente, para ser medido por relógios de alta precisão, os relógios atômicos. Passamos a utilizar o UTC - Tempo Universal Coordenado.

Como medimos o tempo hoje?

"O segredo está no mundo dos átomos", afirma Schappo. Ele explica que o “segundo” é a unidade padrão para as medidas de tempo, e, atualmente, ele é definido como o intervalo de tempo necessário para que ocorram 9 bilhões, 192 milhões 631 mil 770 oscilações completas de uma onda eletromagnética específica emitida por um átomo de césio.

Esta medição do tempo a partir das oscilações de uma onda eletromagnética é a base de funcionamento dos relógios atômicos, que entraram em operação na década de 1960.

Neste vídeo, a agência governamental de tecnologia do Departamento de Comércio dos Estados Unidos - National Institute of Standards and Technology (NIST) - explica como funciona um deste relógios atômicos.

Atualmente são centenas deles espalhados pelo planeta. No mapa, estão algumas destas cidades, entre elas o Rio de Janeiro.

"O Bureau Internacional de Pesos e Medidas é responsável por colher as medidas de tempo de todos os relógios credenciados para fazer um cálculo que leva em consideração tanto a precisão de cada um como alguns efeitos relativísticos para determinar o que se chama de Tempo Atômico Internacional".

Mas como foi explicado no vídeo pelo professor Marcelo, o dia solar tem uma duração que sofre pequenas variações dia após dia, diferentemente do dia civil, que, por ser governado pelo horário UTC, tem sempre 24 horas exatas. 

"Isso acaba gerando uma discrepância que vai se acumulando ao longo do tempo e que, portanto, precisa ser corrigida. É um problema bem parecido com o que ocorre com o nosso calendário e que resulta nos anos bissextos. No caso das horas, a IERS (Serviço Nacional de Sistemas de Referência e Rotação da Terra) é responsável por manter o acompanhamento constante da duração dos dias solares e sempre comparar como anda a discrepância entre o ciclo do Sol e a hora UTC. Dessa forma, sempre que necessário, ela determina a aplicação dos chamados 'segundos intercalares' sobre o horário mundial. Quando isso ocorre, temos dias específicos que acabam durando ou 1 segundo a mais ou 1 segundo a menos que as 24 horas habituais." O último segundo intercalar aplicado foi no dia 31 de dezembro de 2016.

"No entanto, se a Terra permanecer muito tempo com a tendência recente, de dias solares mais curtos, talvez, pela primeira vez na história, seja necessário escolher um dia para que seja retirado 1 segundo das 24 horas oficiais. Vamos aguardar, pois só o tempo dirá", brinca Marcelo.

O tempo da Filosofia

Como vimos nas explicações físicas, precisamos de referência para percebermos o tempo, sejam as horas estabelecidas pelos relógios atômicos ou a observação do passar dos dias, meses e anos. Mas “o tempo em si” não é algo observável, como destaca o professor de Filosofia Volmir Von Dentz: 

Volmir afirma que podemos, portanto, falar em um tempo cosmológico, um tempo da natureza, que é o tempo das estações do ano, dos ciclos das plantas, das fases da lua, do ciclo das marés, etc. Mas também podemos falar de um tempo sociológico, que é o tempo do calendário, das festividades anuais, da organização da vida em sociedade, o tempo do relógio, cronometrando nossas atividades cotidianas. Ou então podemos falar das experiências subjetivas nas quais o tempo tem uma dimensão mais psicológica.

E sob o ponto de vista filosófico? Volmir explica que a filosofia busca uma visão de conjunto, pois almeja abarcar os fatos em sua totalidade e os fenômenos em sua complexidade. "E é possível colecionar inúmeras abordagens, se levarmos em conta as diferentes culturas, ou mesmo a história dos diferentes grupos humanos, das etnias e civilizações", afirma.

Ele exemplifica alguns períodos da história da humanidade:

- Na Grécia Antiga, o tempo na mitologia era representado pelo deus Chronos, que devorava seus filhos, simbolizando a força implacável do tempo que tudo consome, é o tempo corrido, cronológico. Havia também o deus Kairós, para simbolizar o tempo das oportunidades, que suaviza a crueldade da pressão e premência do tempo cronológico. 

- Na Filosofia Pré-Socrática, Parmênides argumentou que no fundo nada muda, na essência tudo permanece o mesmo, prevalece o ser, aquilo que é, e o ser é eterno. Por outro lado, Heráclito argumentou que tudo está no "vir-a-ser", todas as coisas são consumidas pelo tempo, tudo muda o tempo todo. Platão, por sua vez, pensou que haveriam “dois mundos” -  um das idealidades, das coisas eternas, que não mudam nunca, pois já são perfeitas ou perfeitamente boas, e outro das coisas imperfeitas, subordinadas ao tempo, à mudança, ao devir. 

- Na Idade Média, conforme a visão cristã, é Deus que controla o tempo. E Deus é eterno, atemporal. É ele o criador do universo e, portanto, do tempo, do dia e da noite, e de tudo o que existe. O pensador medieval, Santo Agostinho (354-430 d.C.) explicou que nós enquanto seres humanos não temos a possibilidade de compreender algo eterno, pois estamos imersos na temporalidade. 

- No período mais recente dessa longa história do pensamento filosófico, a Filosofia vem experimentando uma guinada culturalista de grandes proporções que nos faz pensar a partir de outras referências. Por exemplo, em sociedades tradicionais a necessidade de se orientar no tempo está mais ligada às atividades laborais voltadas para a subsistência que são coordenadas tendo por base os ciclos da natureza, tempo de plantar, tempo de colher, etc. Ao passo que nas sociedades industriais vigora o tempo do relógio, uma invenção humana, um tempo artificial, que regula de maneira rígida a cronologia diária, o ritmo de trabalho, entre outras inúmeras atividades. Enfim, o tempo pode ser comprado e vendido, há um controle do tempo, o tempo pode ser acelerado. 

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IFSC VERIFICA NEWS

Reciclagem e reutilização: é possível transformar o lixo em lucro?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 24 out 2022 22:40 Data de Atualização: 20 mai 2024 17:53

O Brasil produz cerca de 66,6 milhões de toneladas de resíduos sólidos domiciliares e urbanos ao ano, uma média de pouco mais de um quilo por habitante a cada dia. Estão inclusos no cálculo materiais recicláveis secos como papéis, plásticos, metais, entre outros; resíduos úmidos, como restos de alimentos e podas de árvores; e os rejeitos, materiais que não podem ser reciclados ou reutilizados.

O post de hoje do IFSC Verifica vai mostrar quais as barreiras para ter um maior percentual de material reciclado no Brasil e como o uso da tecnologia pode ajudar a transformar os resíduos sólidos em matéria-prima para novos produtos, ajudando a preservar o meio ambiente, reduzindo a emissão de gases do efeito estufa e gerando emprego e renda.

Conversamos com a professora Elivete Carmen Clemente Prim, engenheira sanitarista e doutora em Engenharia Ambiental, professora do curso técnico subsequente em Saneamento do Câmpus Florianópolis, e o coordenador do curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental do Câmpus Garopaba, professor engenheiro ambiental Juliano da Cunha Gomes, para explicar o que é reciclagem e reaproveitamento, por que os índices de reciclagem no Brasil são tão baixos e o que podemos fazer para melhorá-los.

Também conversamos com a professora de Administração do Câmpus Garopaba e mestre em Administração Rafaela Escobar Bürger para falar sobre iniciativas empreendedoras envolvendo a reciclagem e mostramos ainda alguns exemplos desenvolvidos no curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental do Câmpus Garopaba, que usam a tecnologia para transformar realidades e promover a educação ambiental.

Vamos abordar as seguintes questões:

  • - Qual a diferença entre reutilização e reciclagem?
  • - Que tipo de produto pode ser reciclado?
  • - Qual a destinação correta para a matéria orgânica?
  • - O que é logística reversa?
  • - Por que os percentuais de reciclagem no Brasil são tão baixos?
  • - Investir em reciclagem pode ser um bom negócio?
  • - É possível aliar a preservação ambiental ao desenvolvimento econômico?
  • - Como a reciclagem pode garantir empregos?
  • - Como o cidadão pode contribuir para diminuir o problema dos resíduos?

Qual a diferença entre reutilização e reciclagem?

O coordenador do curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental do Câmpus Garopaba, Juliano da Cunha Gomes, explica que reutilização é a continuação do uso de um produto, seja na mesma função ou não. Já a reciclagem é a transformação física e/ou química de um material descartado, com o intuito de se obter uma matéria-prima ou um novo produto.

Que tipo de produto pode ser reciclado?

Os Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) podem ser divididos em recicláveis secos como papéis, plásticos, metais, vidro, entre outros; e resíduos úmidos, como restos de alimentos e podas de árvores. Há ainda os rejeitos, materiais que não podem ser reciclados ou reutilizados, e resíduos tóxicos, que devem ser descartados de forma apropriada de acordo com a legislação específica.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o Brasil recicla 1,07 milhão de toneladas ao ano de resíduos secos e 0,27 milhão de toneladas de resíduos úmidos, que são transformados em adubo orgânico por meio do processo da compostagem.

Segundo a professora Elivete Prim, do Câmpus Florianópolis, alumínio é o material mais reciclável no Brasil e em nível mundial devido à melhor reciclabilidade: não tem resíduos e o material reciclado é mais próximo da matéria-prima original. Atualmente, mais de 97% das latas de alumínio são recicladas no Brasil. Em segundo lugar está o papel (66,9%), aço (47,1%), caixas de leite longa vida (38%), vidro (25,8%) e plástico (23,1%), segundo o Cempre – Compromisso Empresarial para Reciclagem.

Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) coletados no Brasil em 2021

Qual a destinação correta para a matéria orgânica?

De todo o RSU produzido no Brasil, 51% é de matéria orgânica, porém, somente 3% desse total é reciclado por meio da compostagem. “Imagina esse resíduo todo sendo transformado em adubo orgânico e não indo para o aterro sanitário. Assim, um aterro sanitário que teria 25 anos de vida útil, se 50% dos resíduos que vão para o aterro fossem retirados para um pátio de compostagem, esse aterro sanitário iria durar 50 anos”, explica a professora Elivete sobre a importância de reciclar também o material orgânico.

A decomposição de matéria orgânica resulta na emissão de gás metano. Os aterros sanitários queimam o metano e transformam em gás carbônico, que é 21 vezes menos poluente. Porém, já há aterros de médio e grande porte que utilizam esse metano para produção de energia elétrica. Já o adubo orgânico resultante da compostagem pode ser usado na produção de alimentos e recuperação de áreas degradadas.

O que é logística reversa?

A logística reversa é o processo de retorno de um resíduo para o fabricante para que ele incorpore esse resíduo no ciclo de vida para o seu produto. No Brasil, existem alguns resíduos que são obrigatórios de se fazer logística reversa, como por exemplo pilhas e baterias, pneus, embalagens de agrotóxicos, lâmpadas fluorescentes e produtos eletroeletrônicos e seus componentes.

Essa logística reversa pode ser realizada pela própria empresa ou em parceria com o setor público. “O consumidor precisa entender que, ele tendo um resíduo com logística reversa, ele não pode descartar no lixo comum. Ele precisa separar esse material e entregar onde foi comprado ou em local adequado”, destaca o professor Juliano Gomes.

Por que os percentuais de reciclagem no Brasil são tão baixos?

Atualmente, apenas cerca de 3% dos Resíduos Sólidos Urbanos são reciclados no Brasil, um número bem abaixo dos campeões mundiais da reciclagem: Alemanha (60%), Coreia do Sul (59%), Áustria e Eslovênia (58%). Em se tratando somente de resíduos secos, o percentual é de 5,3%.

Segundo a professora Elivete, trata-se de uma questão política, social e ambiental. “Para se ter uma ideia, apenas 22 milhões de habitantes do Brasil são atendidos pela coleta seletiva. Então, temos um retorno da gestão de resíduos muito baixo porque reciclar, é preciso coletar”, afirma a professora.

Elivete explica que a Lei 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos é a principal regulamentação do setor, que tramitou no Congresso Nacional por 20 anos e trata de diversos tipos de resíduos, menos o radioativo, que tem uma legislação específica. “Acho que a lei está bem escrita, o problema é colocar em prática”, destaca. Por exemplo, a lei determina que os municípios criem seus Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos e dá a possibilidade de municípios menores se organizarem em sistema de consórcio intermunicipal para destinação de resíduos e construção de aterros sanitários.

Porém, não são todos os municípios que seguem a orientação. Florianópolis pode ser considerada um bom exemplo: quase 100% da população é atendida com coleta seletiva e ainda há a Lei da Compostagem, publicada em 2019, que regulamenta o recolhimento dos resíduos orgânicos no município. Do mesmo modo, Santa Catarina está na frente, pois foi o primeiro estado a eliminar os lixões antes de 2014, como determinou a legislação publicada em 2010, graças a uma iniciativa do Ministério Público que fiscalizou e orientou os municípios para que pudessem transformar seus lixões em aterros controlados.

Investir em reciclagem pode ser um bom negócio?

Existem várias maneiras de se realizar a reciclagem e reutilização de materiais das mais diversas origens. Veja o vídeo em que o professor do CST em Gestão Ambiental Juliano da Cunha Gomes e a professora de Empreendedorismo do Câmpus Garopaba Rafaela Escobar Bürger explicam como é possível desenvolver um negócio tendo os resíduos sólidos como matéria-prima, gerando empregos e o desenvolvimento social:

 

É possível aliar a preservação ambiental ao desenvolvimento econômico?

Segundo o professor Juliano Gomes é possível a sociedade se desenvolver economicamente, socialmente e promovendo a preservação ambiental. “Esse é o conceito de desenvolvimento sustentável, onde a economia cresce com respeito ao meio ambiente, aos processos. Então, o exemplo dos resíduos, da separação adequada, da reciclagem, já é uma ação para que se cresça com sustentabilidade”, completa.

No próprio Câmpus Garopaba, são desenvolvidos projetos que visam aliar a preservação ambiental ao desenvolvimento econômico. É o caso dos projetos Bitucas de Cigarro e Artesanato Sustentável e Repropositar – coleta de lixo eletrônico, que fazem parte do Hotel Tecnológico do Câmpus Garopaba.

A aluna do CST em Gestão Ambiental, Fernanda Martins, já trabalhava com a economia solidária quando conheceu uma empresa de São Paulo que transforma bitucas de cigarro em uma massa celulósica que pode ser moldada e transformada em novos objetos. A ideia é transformar os resíduos em souvenires com temas ligados ao turismo local, além de promover a coleta de bitucas nas praias e na cidade. O projeto está em fase de testes, inclusive com o desenvolvimento de uma cola orgânica, à base de tapioca, que será utilizada na confecção das peças. Segundo Fernanda, o projeto visa promover uma fonte de renda para mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Já o projeto Repropositar está coletando resíduos eletrônicos em Garopaba e região. Os estudantes que participam do projeto também promovem palestras de conscientização e educação ambiental em escolas. Saiba mais sobre o projeto no Instagram da Repropositar.

Outros dois projetos estão relacionados à reciclagem de resíduos orgânicos (úmidos), em duas propostas diferentes. O reator biológico giratório foi desenvolvido a partir de um projeto de pesquisa e tem como objetivo diminuir o tempo para compostagem de resíduos orgânicos, bem como o espaço destinado à compostagem.

Já a Associação Amorosa foi criada por um grupo de amigos, alguns deles estudantes do IFSC, que realizam a coleta de resíduos e distribuição de adubo – substrato resultante da compostagem, na Praia do Rosa e outras localidades de Garopaba.

Saiba mais sobre esses projetos no vídeo:

Como a reciclagem pode garantir empregos?

Além de alguns exemplos já citados, em que a reciclagem pode ser oportunidade de negócios e empregar pessoas nas mais diferentes atividades, do artesanato à compostagem, ela também é geradora de renda para quem trabalha com a coleta.

A Lei 12.305/2010 regulamentou a profissão de catador de materiais recicláveis, indicando as condições mínimas de trabalho a serem oferecidas a esses profissionais. A professora Elivete também cita Florianópolis como exemplo nessa área: a maioria dos catadores já não está mais nas ruas, mas trabalham nos galpões de separação da prefeitura. O material enfardado é vendido a atravessadores que fazem o transporte para a indústria.

 Porém, de acordo com a professora Elivete, essa não é a realidade da maioria dos municípios: “Falta incentivo e entendimento dos nossos governantes de que a gente precisa mudar essa estrutura. A lei tem entre suas metas acabar com os lixões. Logo após, é implantar a compostagem nos municípios. Florianópolis está avançando muito nisso, tanto compostagem quanto nas hortas urbanas”.

Segundo a Lei 12.305/2010, após a coleta, os resíduos têm dois caminhos: a destinação final e a disposição final. A destinação seria encaminhar para uma estação de triagem e reciclagem, inclusive o orgânico. A disposição acontece quando não é possível reciclar: é gerado o rejeito, que vai para o aterro sanitário ou o aterro controlado, que são as duas técnicas aceitas no Brasil. Essa seria a destinação correta, porém, ainda não é uma realidade em todos os locais: existem ainda mais de 3 mil lixões em nosso país.

Como o cidadão pode contribuir para diminuir o problema dos resíduos?

O professor Juliano Gomes explica que a população pode contribuir para a melhora dos índices de material reciclável separando os materiais basicamente em três tipos: matéria orgânica, que é o reciclável úmido; o reciclável seco, que são papeis, plásticos, metais, e aquilo que é rejeito, que não tem como reciclar, e que deve ser depositado em aterros sanitários.

A professora Elivete orienta a população a encaminhar o resíduo separado e o mais limpo possível, para facilitar o trabalho dos catadores e separadores e evitar o aparecimento de vetores, como ratos e baratas, nas instalações de triagem.

Além de uma estrutura de coleta e destinação de resíduos, é preciso que os municípios invistam em educação ambiental, para que os cidadãos auxiliem na separação e coleta adequadas dos materiais.

A educação ambiental pode ser realizada de duas maneiras: a formal, em sala de aula, e a não formal nas empresas. Segundo o professor Juliano, os profissionais formados no IFSC em cursos que atuam com a temática, como o CST em Gestão Ambiental, podem estar aptos a elaborar planos de gestão e de educação ambiental.

-> Para saber mais sobre como cada tipo de material é reciclado, acesse a página do Cempre – Compromisso Empresarial para Reciclagem.

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Como a impressão 3D facilita a nossa vida?

IFSC VERIFICA Data de Publicação: 27 set 2022 16:22 Data de Atualização: 20 mai 2024 17:52

A impressão 3D tem ficado cada vez mais popular e acessível. Dá para acreditar que, há pouco mais de 30 anos, adquirir um equipamento para imprimir uma peça em 3D custava mais de R$ 100 mil, chegando até a R$ 1 milhão? Hoje, com a popularização dessa tecnologia, com pouco mais de R$ 1 mil é possível comprar uma impressora pronta para ter em casa ou na sala de aula. E, tem mais facilidades: para uso na área da educação, por exemplo, é possível acessar projetos disponíveis/abertos na internet e construir do zero a própria impressora 3D.

Para saber um pouco mais sobre como a impressão 3D impacta e facilita nossas vidas e também para sabermos um pouco mais sobre os projetos do IFSC sobre o tema, conversamos com o professor Otávio Gobbo, do curso de Engenharia de Controle e Automação e com o estudante do curso técnico integrado em Informática Alan Bonetti, ambos do Câmpus Chapecó; com Jonathan Maia, estudante de Engenharia Mecânica do Câmpus Joinville; e os professores Stefano Zeplin e Juliana da Silva, do Câmpus Joinville.

A origem da impressão 3D

Mas, afinal, como surgiu essa tecnologia? E por que custava tão caro? Em termos gerais, a “impressão 3D” é como ficou mais conhecida a “manufatura aditiva”, que ao pé da letra podemos explicar como um sistema com técnica de produção artesanal e divisão do trabalho. “Ou seja, a manufatura aditiva ou impressão 3D é a fabricação de uma peça por adição de material”, explica o professor Otávio Gobbo, da graduação em Engenharia de Controle e Automação do Câmpus Chapecó do IFSC.

“Existem várias tecnologias de impressão, sendo que a mais popular é quando um filamento plástico é derretido e depositado na mesa da impressora, camada por camada, até formar a geometria final da peça”, continua o professor.

Assim como uma impressora comum - a chamada 2D – que imprime um desenho ou uma escrita em um papel, a impressora 3D faz o mesmo trabalho, mas é mais “evoluída”: transforma modelos em três dimensões, que estão desenhados em um programa de computador, em objetos palpáveis.

Como começou essa história?

Segundo os registros encontrados sobre a história da impressão 3D, tudo começou lá por 1980, quando o japonês Hideo Kodama começou a trabalhar com a formação de objetos por camadas, utilizando a solidificação de resina através da luz ultravioleta. Essa técnica foi chamada de estereolitografia e foi considerada a “mãe” da impressão 3D. Logo depois, em 1984, o norte-americano Chuck Hull criou a primeira impressora 3D e tornou-se conhecido como o “pai” dessa tecnologia.

Outros nomes surgiram nessa história com o passar dos anos, mas Chuck continuou conhecido por patentear sua invenção e fundar a Corporação “3D Systems”. A empresa é uma das líderes de mercado até hoje, comercializando impressoras 3D para uma série de setores, entre eles para a produção de jóias e indústrias aeroespacial e automotiva.

No vídeo abaixo, Gobbo fala um pouco das vantagens da impressão 3D:

“Existem duas principais vantagens da impressão 3D: uma delas é que se fôssemos fabricar uma peça plástica por processo tradicional, seria necessária a construção de um molde, com um custo muito alto e se tornaria inviável para pequenas quantidades de peças. Uma segunda vantagem é que a impressão 3D nos permite fabricar uma peça personalizada, desde que nós tenhamos o desenho ou possamos construir o desenho”, explica o professor Otávio Gobbo.

Mesmo as impressoras mais em conta já conseguem imprimir produtos voltados para aplicações diversas nas áreas de educação, saúde, arquitetura, peças de reposição, protótipos, peças finais a serem comercializadas, e por aí vai.

Estudante de Engenharia Mecânica no Câmpus Joinville, Jonathan Maia participa de dois projetos voltados a impressão 3D no IFSC e já trabalha em uma empresa da área. Entre os benefícios dessa tecnologia estão uma maior facilidade em imprimir objetos com modelagens/geometrias complexas. “Também conseguimos customizar muito mais os projetos e alterar durante a execução, e tudo isso no mesmo espaço, não preciso terceirizar os serviços para atingir resultados”, relata.

Além disso, conta Jonathan, alguns materiais plásticos para impressão, como o PLA que tem sido utilizado em sua maioria nos projetos que participa, são biodegradáveis. “E, claro, as impressoras baixaram muito o custo, o que facilitou com que nós alunos tenhamos mais contato com essa tecnologia de ponta”, afirma.  

Os 50 anos da chegada do homem à Lua

Como fora da sala de aula a impressão 3D popularizou, é natural que, dentro do IFSC, essa tecnologia também esteja se tornando cada vez mais conhecida e utilizada por professores e estudantes. Pelo menos 15 projetos relacionados a impressão 3D  estão em desenvolvimento e registrados no Sigaa nos câmpus Araranguá, Caçador, Chapecó, Florianópolis, Gaspar, Jaraguá do Sul, Joinville e Itajaí.

Em Joinville, por exemplo, o estudante Jonathan Maia participa de dois projetos. Um deles aproxima os estudantes do integrado em Eletroeletrônica e de escolas públicas da química, por meio da impressão de protótipos em 3D de compostos orgânicos básicos para o estudo da Química Quântica.

O outro projeto trata-se de um “Sistema interativo da conquista espacial com ajuda da manufatura aditiva”, no qual alunos de escolas públicas e dos cursos técnicos integrados em eletroeletrônica e mecânica terão contato com um conjunto eletrônico, que terá um audiodescritivo, com informações sobre os 50 anos da chegada do homem à Lua. 

Ainda haverá controles para o usuário simular o acionamento dos foguetes do módulo. “Esperamos que com isso possa tornar a lembrança desse importante evento para a humanidade mais atrativo e despertar o interesse dos usuários sobre como o sistema foi montado e o interesse na área técnica”, conta Jonathan.

Projetos para as pessoas com deficiência

Os professores Stefano Zeplin e Juliana da Silva, do Câmpus Joinville, também apostaram nessa tecnologia para imprimir jogos tradicionais de tabuleiro, como trilha, jogo da velha, damas e xadrez, e realizar oficinas de sensibilização com os estudantes do câmpus. “O objetivo foi sensibilizar os alunos do câmpus sobre as dificuldades diárias enfrentadas pelos deficientes visuais”, conta o professor Stefano.

O projeto, intitulado “Desenvolvimento de materiais adaptados no contexto da singularidade cognitiva e sensorial do deficiente visual utilizando manufatura aditiva e sistemas embarcados”, teve a participação dos docentes e de estudantes - como a bolsista Milene Ferreira da Silva - e foi voltado ao contexto do paradesporto, aplicado na ementa da disciplina de Educação Física, para estudantes dos técnicos integrados de Mecânica e Eletroeletrônica.

Em Chapecó, o estudante Alan Bonetti participou de um projeto parecido, de “tabuleiros em braile”, voltado especificamente para deficientes visuais. “Transformamos palavras em braile para arquivos em 3D e a impressora ajudou a imprimir cada palavra que precisávamos. Foi perfeito para imprimir as identificações que precisávamos para o jogo e também para imprimir as bordas onde os jogos foram colados”, relata Alan.

Também no Câmpus Chapecó, o projeto “Desenvolvimento de produtos de tecnologia assistiva de baixo custo” focou nas pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. “Essas pessoas enfrentam várias dificuldades no dia a dia devido às suas limitações físicas, que prejudicam sua independência. Então, o projeto desenvolveu produtos de tecnologia assistiva de baixo custo, por meio da impressão 3D”, conta o professor Otávio Gobbo Junior. Também participaram os estudantes Eduardo Balbinot, Rafael Augusto Schwengber, Yahsmin Maria Golin e Arthur Schmitd Sanches.

Ao todo, foram fabricados 10 diferentes produtos e impressos 118 unidades, que foram doados para a FCD Chapecó e disponibilizados para o setor de educação especial do IFSC. Entre eles um adaptador de chave, uma presilha para muletas, suporte para copos, régua de assinatura para PCD visual, pinça para auxílio da escrita, suporte para tesoura, suporte para celular com lupa, suporte para caneta capacitiva de celular, teclado colmeia, mouse adaptado com botões externos, entre outros.

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