IFSC VERIFICA Data de Publicação: 20 mar 2025 19:45 Data de Atualização: 20 mar 2025 20:33
A COP 30, ou 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), será realizada na cidade de Belém, no Pará, de 10 a 21 de novembro. O evento reunirá líderes mundiais, cientistas, ativistas e representantes de diversos setores para discutir e buscar soluções para um dos maiores desafios da humanidade: as mudanças climáticas.
Mas o que isso tem a ver com você, que mora em Santa Catarina e/ou está buscando uma formação profissional no IFSC? Tem muito a ver. Afinal, as decisões tomadas na COP 30 podem ter impacto diretamente na economia, no mundo do trabalho e, naturalmente, no meio ambiente – inclusive na nossa região.
Além disso, neste sábado, 22 de março, comemoramos o Dia Mundial da Água, uma data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1993 para conscientizar a população sobre a importância da água para a vida e a necessidade de preservação desse recurso finito. As mudanças climáticas, tema central da COP 30, afetam a disponibilidade e a qualidade da água em todo o mundo. Portanto, vamos entender também como a COP pode auxiliar na preservação deste recurso essencial.
O que é a COP e por que ela importa?
A COP é um evento anual que reúne países signatários da UNFCCC para negociar acordos e políticas globais de combate às mudanças climáticas. Desde a primeira edição, em 1995, as COPs têm sido palco de decisões importantes, como o Protocolo de Kyoto (1997) e o Acordo de Paris (2015), que estabeleceu a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis da época pré-industrial.
Aumento da temperatura da superfície global, por mês, em relação ao período pré-industrial (1850 a 1900). Fonte: Copernicus (componente de observação da Terra do programa espacial da União Europeia). Disponível em: https://climate.copernicus.eu/copernicus-june-2024-marks-12th-month-global-temperature-reaching-15degc-above-pre-industrialp
No entanto, os compromissos assumidos até agora não têm sido suficientes. Segundo dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicados em 2023, o mundo já aqueceu 1,1°C e os efeitos são visíveis: ondas de calor, secas, enchentes e furacões mais intensos e frequentes. Se não agirmos rapidamente, os impactos previstos serão catastróficos.
Mas o aumento da temperatura não está apenas nas medições realizadas ao redor do mundo. Se você estava por aqui durante o Carnaval deste ano, percebeu com facilidade esse fenômeno: as temperaturas nos primeiros dias de março ficaram entre 5ºC e 7ºC acima da média. Isso porque a região Centro-Sul do Brasil passou pela quinta onda de calor registrada apenas neste ano.
Anomalias na temperatura do ar global em junho de 2024, comparado ao período de 1981 a 2010. Fonte: Copernicus (componente de observação da Terra do programa espacial da União Europeia). Disponível em: https://climate.copernicus.eu/copernicus-june-2024-marks-12th-month-global-temperature-reaching-15degc-above-pre-industrial
Segundo a professora Thaís Collet, responsável pela área de Meio Ambiente no Câmpus Jaraguá do Sul-Rau, a COP representa uma oportunidade para que líderes globais, pesquisadores, ONGs, empresas do setor privado e comunidade debatam os desafios e as consequências ligadas às mudanças climáticas. “[A COP] é onde se busca implementar os tratados mais importantes quanto ao clima, especificamente quanto à redução nas emissões dos GEE [Gases de Efeito Estufa: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), ozônio (O3) e clorofluorcarbonos (CFCs)]”, explica.
Por que a COP 30 é a mais importante da história?
A COP 30 será realizada em um momento crítico. Em 2023, o Relatório de Lacunas de Emissões do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) alertou que as metas atuais dos países levariam a um aumento de 2,5°C a 2,9°C até o final do século, muito acima do limite seguro. A Conferência, portanto, possibilitará aos países revisarem e ampliarem seus compromissos de redução de emissões.
Além disso, a COP 30 ocorrerá no Brasil, um país estratégico no combate às mudanças climáticas devido à sua biodiversidade e ao papel da Amazônia no equilíbrio climático global. O evento também destacará a importância da justiça climática, garantindo que os países mais vulneráveis – como países pobres e pequenos estados insulares – recebam apoio financeiro e tecnológico para se adaptarem aos impactos climáticos.
Anomalias e temperaturas extremas na superfície do oceado em junho de 2024, comparado ao período de 1991 a 2020. Fonte: Copernicus (componente de observação da Terra do programa espacial da União Europeia). Disponível em: https://climate.copernicus.eu/copernicus-june-2024-marks-12th-month-global-temperature-reaching-15degc-above-pre-industrial
A realização da COP 30 na Amazônia também deve ter um efeito sobre as negociações que ocorrem durante o evento. “As autoridades mundiais estarão em meio à maior floresta tropical do mundo, com o maior rio em volume d’água, que possui importância para a regulação do clima. Ao conhecer de perto essa realidade, essas autoridades poderão ver e sentir aquilo que só enxergavam em livros e telas”, enfatiza Thaís.
Emergências climáticas próximas de nós
Você pode pensar que as mudanças climáticas são um problema distante, mas os efeitos já estão batendo à nossa porta. No sul do Brasil, temos vivido eventos extremos com mais frequência. Em 2023, por exemplo, o estado de Santa Catarina enfrentou enchentes históricas que desalojaram milhares de famílias e causaram prejuízos econômicos significativos. A chuva que afetou regiões como Vale do Itajaí, Oeste, Serra e deixou cerca de 70 cidades em situação de emergência e 11 em estado de calamidade pública.
Segundo estimativa realizada da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), episódios repetidos de fortes chuvas, granizo, vendavais e tornados afetaram áreas urbanas e rurais, causando, em 2023, prejuízos a 96 mil famílias que viviam da agricultura e da pesca. O cálculo é de que as perdas naquele ano devido a eventos climáticos extremos tenham chegado a R$ 2,97 bilhões. Houve, também, muitos prejuízos indiretos, em função de doenças nas lavouras, perda de produtividade por atraso de plantio, problemas de floração e polinização, além de perdas de solo difíceis de mensurar no curto prazo, conforme avaliado pela Epagri.
Temperatura média mensal na superfície terrestre. Fonte: Our World in Data. Disponível em: https://ourworldindata.org/grapher/monthly-average-surface-temperatures-by-year
Outro exemplo é o aumento da temperatura média no sul do país. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a temperatura média anual em Santa Catarina subiu 1,2°C nos últimos 50 anos. Isso pode parecer pouco, mas tem impactos diretos na agricultura, na saúde e na biodiversidade local.
Um olhar crítico
Mesmo com os perigos do aquecimento global sendo notados com cada vez mais frequência, uma barreira ainda parece difícil de ser transposta na população em geral: a falta de conexão das pessoas com a natureza. Essa é a opinião da professora Thaís Collet para tentar compreender como, apesar das evidências, muitas pessoas ainda não dão a devida importância ao tema do combate às mudanças climáticas.
A professora do IFSC propõe uma reflexão: “De onde vem o leite que você toma? De onde vêm os minerais e as demais matérias primas para produzir a tecnologia que usamos?”. Aparentemente, segundo a docente, a sociedade moderna está “deslumbrada” com avanços tecnológicos, mas desconectada das bases que sustentam a vida. “As pessoas não param para pensar no impacto da extração de recursos ou nos resíduos que geram. Não há tecnologia que substitua os serviços ecossistêmicos, como a produção de água, ar limpo e solo fértil”, afirma.
Em sua experiência como docente, Thaís percebe essa desconexão, por exemplo, entre os estudantes de engenharia, que muitas vezes carregam consigo a máxima “o engenheiro resolve problemas”, mas nem sempre se atentam às consequências destas soluções. “Será que não estamos resolvendo um problema e criando outro? É essencial que as pessoas entendam que a natureza não é um serviço à disposição, mas a base indispensável para a vida”, ressalta.
Os limites do modelo econômico
Um dos pontos mais relevantes na avaliação da professora do IFSC é a incompatibilidade entre o modelo econômico atual e a preservação ambiental. Ela explica que o sistema capitalista, baseado na expansão contínua e no acúmulo de capital, depende da exploração de recursos naturais para se manter. “O capitalismo precisa de combustível para se expandir e esse combustível são os recursos naturais. A cada ciclo de expansão, geramos resíduos, poluição e desigualdades”, explica.
Segundo a docente, a lógica de crescimento infinito em um planeta com recursos finitos é insustentável. “Não há como conciliar um sistema que precisa crescer indefinidamente com a realidade de um meio ambiente que já está no limite”, diz. Ela cita como exemplo o agronegócio, uma das bases da economia brasileira. “O agronegócio é essencial para o PIB do país, mas ele também é um dos maiores responsáveis pelo desmatamento, pela contaminação de solos e rios com agrotóxicos e pela emissão de gases do efeito estufa”, lembra.
O modelo econômico atual, além de incompatível com a preservação ambiental, também apresenta o que Thaís denomina de “efeitos colaterais”, como o racismo ambiental. “Essa questão diz respeito à forma como as populações mais pobres e marginalizadas são mais afetadas pelas mudanças climáticas. E, para percebermos isso, não precisamos ir muito longe: em Jaraguá do Sul, por exemplo, há locais que frequentemente alagam em dias de chuva forte e são justamente os nossos estudantes mais pobres que sofrem as consequências. Enquanto isso, quem possui mais recursos consegue se proteger desses impactos”, relata.
Thaís critica a falta de disposição das grandes empresas em abrir mão de lucros em prol da sustentabilidade. Ela menciona um episódio ocorrido em 2016, quando acionistas de grandes corporações foram questionados sobre a possibilidade de reduzirem seus lucros para que as empresas investissem em práticas mais sustentáveis. “Apenas 18% dos acionistas da Exxon e 8% dos da Chevron foram favoráveis a propostas de mitigação do aquecimento global nessas empresas petrolíferas. Isso mostra que, para muitos, o lucro ainda está acima da preservação do planeta”, relata.
Para a professora, essa mentalidade é reforçada por políticas públicas que priorizam o crescimento econômico em detrimento do meio ambiente. “No Brasil, temos uma bancada do agronegócio no Congresso que frequentemente trava pautas ambientais. Qualquer tentativa de avançar nessa área esbarra em interesses econômicos poderosos”, diz, lembrando ainda que o governo anterior adotou uma postura negacionista em relação às mudanças climáticas. “Em 2019, o então presidente recomendou que não fosse realizada a COP 25 no Brasil, alegando que uma política ambiental não poderia atrapalhar o desenvolvimento do país. Isso foi gravíssimo, considerando que somos um dos países mais importantes do mundo em termos de biodiversidade e recursos naturais”, lamenta.
Segundo a docente do IFSC, enquanto o modelo econômico atual não for questionado e reformulado, os avanços na agenda ambiental continuarão sendo limitados. “Precisamos de uma mudança profunda na forma como produzimos e consumimos. Não adianta discutir soluções cosméticas se o sistema continua baseado na exploração desenfreada dos recursos naturais”, justifica.
Um novo paradigma deve priorizar o bem-estar coletivo e a preservação do meio ambiente em vez do acúmulo de capital. “Enquanto estivermos presos a essa lógica, a natureza continuará pagando o preço. E, no final, todos nós pagaremos também, porque não há economia possível em um planeta colapsado”, conclui. A professora reforça que a COP 30 pode ser um espaço para discutir essas questões, mas alerta que, sem mudanças estruturais, os resultados continuarão sendo insuficientes para enfrentar a crise ambiental que já está em curso.
A urgência da crise ambiental
A professora do IFSC chama a atenção para o ritmo lento das ações globais de enfrentamento à crise climática. “A COP 21, em Paris, estabeleceu metas para limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Hoje, já estamos falando em 2,4°C até 2050”, alerta.
Ela reforça que os acordos internacionais têm falhado em frear as emissões de gases do efeito estufa, e que a crise ambiental é “tão urgente e colossal” que discutir qualquer outra coisa seria como “enfiar a cabeça na areia”. “Como disse o professor Luiz Marques, da Unicamp, numa entrevista recente, nós precisamos nos dar conta, enquanto sociedade, que nos dedicar a quaisquer outros temas pode ser secundário, uma vez que a nossa dependência do meio ambiente é a base para a nossa sobrevivência no planeta”, cita.
COP 30 e formação profissional
Em meio a um cenário de urgência na busca de soluções para conter o aquecimento global e na implementação de inovações que permitam nos adaptarmos às mudanças climáticas, será cada vez mais importante a formação de profissionais atentos à preservação ambiental e às tecnologias sustentáveis. O IFSC, com seus cursos técnicos e superiores, já oferece esse tipo de formação, preparando os estudantes para atuarem em setores estratégicos para o futuro do país e do planeta.
Além disso, a COP 30 pode abrir oportunidades de emprego e pesquisa em projetos de sustentabilidade e inovação tecnológica. Empresas e governos estão cada vez mais buscando profissionais que possam contribuir para a redução de emissões e a adaptação às mudanças climáticas.
A professora Thaís Collet destaca que “quando formamos nossos estudantes em cursos superiores, cursos técnicos ou pós-graduação, é preciso que esses profissionais não estejam alheios à realidade que nos cerca. Eles precisam saber de onde as coisas vêm, e a que custo, e para onde vão. Hoje em dia é inconcebível para uma instituição como a nossa formar pessoas alienadas da realidade”.
Educação ambiental
A educação ambiental também é uma ferramenta crucial para preparar a sociedade brasileira para a COP 30 e para o enfrentamento das mudanças climáticas. Para a professora de Meio Ambiente do Câmpus Jaraguá do Sul-Rau, “a educação é fundamental para que as pessoas tenham conhecimento, e não apenas informação, sobre os acontecimentos que impactam a vida delas. Entender processos, situações de causa-efeito, o porquê de ser ou estar assim”, declara.
Ela também destaca o papel do IFSC nesse processo: "Aqui no câmpus do IFSC Rau temos a Eco Trilha e nela desenvolvemos projetos com crianças de escolas da região porque acreditamos que a educação ambiental e o conhecimento sobre o funcionamento do meio natural deve começar desde muito cedo”, destaca. Além disso, outras iniciativas da instituição também abordam temas ligados à preservação ambiental. “Tivemos projetos relacionados à divulgação científica nas áreas de desmatamento/queimadas e de agricultura sustentável. Recentemente finalizamos um projeto de ensino em que desenvolvemos um jogo de tabuleiro sobre meio ambiente e mudanças climáticas. O intuito foi usar o lúdico como estratégia de ensino e o resultado foi muito bom porque os alunos aprendem se divertindo e ouvindo uns aos outros”, relata.
Papel da COP
Apesar de suas críticas, a docente do Instituto Federal reconhece que a COP 30 tem um papel importante ao trazer visibilidade para a pauta ambiental. “Ela faz com que o assunto entre na conversa do 'seu João da esquina' e da 'dona Maria'. Pelo menos isso”, brinca. Mesmo que os resultados globais sejam limitados, o evento pode impulsionar projetos locais e fomentar iniciativas em larga escala.
A realização da COP ocupará um espaço significativo nos meios de comunicação, inclusive nas redes sociais. Isso permitirá às pessoas se apropriarem de questões que normalmente não surgem nos seus “feeds” e “timelines”. Portanto, o evento representa uma oportunidade de conectar as mudanças climáticas ao cotidiano das pessoas, mostrando, por exemplo, como o aumento da conta de luz ou dos preços no supermercado estão relacionados ao clima. “Precisamos fazer com que as pessoas entendam que isso afeta o bolso e a saúde delas”, explica.
Por fim, a professora sugere a reflexão sobre os efeitos da COP 30 a partir de uma frase do ativista e dramaturgo francês Victor Hugo: "É triste pensar que a natureza fala e o gênero humano não a ouve”. E Thaís complementa: “Esta frase foi escrita no século 19, e hoje eu diria que a natureza está gritando e nós continuamos não ouvindo”.