INSTITUCIONAL Data de Publicação: 17 mai 2018 12:09 Data de Atualização: 17 mai 2018 12:36
Se no âmbito da palavra intercâmbio está a ideia de troca recíproca, compartilhamento e comunhão cultural, pode-se afirmar com segurança que na primeira experiência do Câmpus Urupema na recepção de um intercambista internacional esse sentido foi totalmente alcançado. Durante 30 dias, Arsène Mouzet, 19 anos, trocou sua rotina no curso técnico em viticultura e enologia que frequenta na cidade de Montreuil-Bellay, no Vale do Loire, uma das principais regiões de produção vinícola da França, pelas atividades discentes do Curso Superior de Tecnologia em Viticultura e Enologia do IFSC em Urupema. Foi acompanhado de perto em suas tarefas por professores, técnicos e colegas - entre eles, os buddies Thiago e Beatriz, alunos responsáveis formalmente por estarem sempre ao seu lado.
É verdade que as diferenças eram muitas e poderiam ter falado mais alto: a primeira barreira era o idioma, ultrapassada com a comunicação feita prioritariamente em língua inglesa, ou mesmo por mímicas. A barreira da alimentação logo foi superada, pois, como contam os anfitriões, Arsène é, como se diz no Brasil, um bom garfo: adorou arroz com feijão, pinhão, farofa e churrasco; provou goiaba-serrana, queijo-serrano, brigadeiro, rosca-de-coalhada, pamonha e outros quitutes. "A comida aqui é bem diferente e deliciosa", definiu. Já as dificuldades com a diferença de clima foram resolvidas com a gentileza dos colegas que emprestaram agasalhos e até um aquecedor elétrico - Angers, cidade onde Arsène mora, tem temperatura entre 3 e 25 graus do inverno ao verão, bem diferente do clima serrano que ele encontrou na cidade mais fria do Brasil.
A possível barreira do que, em bom português, se qualificaria como frescura jamais precisou ser ultrapassada: os anfitriões contam que Arsène demonstrou ser uma pessoa simples, gentil e disposta a conhecer coisas novas com curiosidade e muito interesse. No feriado de 1º de maio, por exemplo, viajou ao interior de São Paulo com a professora de língua inglesa Raquel Franciscatti, que o hospedou em Urupema, e durante a viagem ele adorou participar de uma colheita de milho. "Ele sempre se colocou disponível a realizar as atividades propostas, tanto escolares quanto de outros tipos. Mesmo sendo muito tímido, estava sempre disposto a responder perguntas e estabelecer comunicação com todos. Eu e meu filho [Raquel tem um filho de 16 anos] sentiremos muita falta dele!", garante Raquel.
Descobertas
As semelhanças foram a origem de outras descobertas e potencializaram ainda mais as trocas entre o visitante e seus anfitriões. Arsène descobriu, por exemplo, que em três fases do Curso Superior de Tecnologia em Viticultura e Enologia do IFSC, tão longe de casa e de sua instituição de origem, encontraria as mesmas matérias, aprendizados, uvas e vinhos. "Sim, Arsène descobriu que no Brasil havia vinhos e uvas como na França! E no Brasil fala-se pouco inglês, mas no curso, quantas palavras são em francês! Claude Flanzy, Pascal Ribéreau-Gayon, Émile Peynayd... 'eu conheço esses senhores, estudei por seus livros!'", descreve a orientadora de Arsène no câmpus, Mariana Dullius, professora de enologia.
A rotina do intercambista como discente envolvia atividades nas disciplinas técnicas de enologia e português instrumental. Ele também pôde acompanhar as disciplinas das quais os buddies participavam no curso de viticultura e enologia, além de visitas técnicas programadas por professores de outras áreas. "Considerando o fato de que todos os alunos do câmpus colocaram-se muito à disposição para auxiliar o nosso intercambista francês, autorizamos e, inclusive, incentivamos a participação do Arsène em todas as visitas e práticas com outras disciplinas. Assim, ele acompanhou atividades de química, de empreendedorismo, de mecanização e implantação de vinhedos... também acompanhou visitas e práticas dos cursos técnico de agricultura, tecnólogo de alimentos, FIC produção e processamento de uvas para vinho, entre outros", conta Mariana.
A participação do intercambista nas disciplinas técnicas contribuiu muito para o processo de ensino, na avaliação da professora Carolina Panceri, coordenadora do CST em Viticultura e Enologia. Segundo ela, Arsène teve participação assídua durante as quatro semanas de intercâmbio e acompanhou a turma em todas as atividades, demonstrando muito conhecimento em práticas como análise sensorial, colheita e vinificação. A professora Betina de Bem destaca que nas aulas práticas o aspecto visual das operações facilitava a comunicação entre Arsène e os colegas e incrementava a interação.
Pioneirismo
O projeto piloto de internacionalização do Câmpus Urupema teve origem em negociações entre a Assessoria de Assuntos Internacionais do IFSC e a representação do Ministério da Agricultura da França. Internamente, as providências para o acolhimento do estudante foram organizadas pelo grupo de trabalho composto pelas professoras Mariana Dullius, Carolina Panceri e Raquel Reis. De acordo com o diretor do câmpus, Marcos Roberto Dobler Stroschein, instituições como o Liceu Edgard Pisani, onde Arsène está concluindo o curso técnico, são bastante receptivas a experiências desse tipo e a intenção é viabilizar outras parcerias, trazendo outros intercambistas e enviando alunos do IFSC para outros países. "As instituições são muito próximas, há muitas portas a serem abertas", diz Marcos, referindo-se ao fato de o liceu também ser uma instituição de educação profissional que atua nos mesmos eixos tecnológicos do Câmpus Urupema.
No caso de Arsène também há um pioneirismo pessoal a destacar nessa história: dos dez alunos de sua turma, ele foi o único que manifestou interesse em vir para o Brasil nessa primeira experiência de relações internacionais entre sua escola e o IFSC. De origem humilde, proveniente de família sem relação com a viticultura, o menino tímido que resolveu viver uma aventura num lugar desconhecido no outro lado do Atlântico era motivo de preocupação para a orientadora francesa, professora Florence, que temia que seu temperamento introvertido dificultasse a experiência. Já os pais, Sabine e Henri, confiavam na decisão do filho e confessaram à professora Mariana, dias antes da viagem de volta, que Arsène gostaria de ter ficado mais tempo no Brasil. "Ele já nos disse que quer voltar para fazer o curso superior de viticultura aqui no câmpus", orgulha-se a orientadora brasileira.
O contraste de semelhanças e diferenças técnicas e culturais é um componente instigante para a formação dos estudantes numa experiência de intercâmbio. Arsène vem do Vale do Loire, região considerada patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) desde 2000 em função de seus mais de 300 castelos históricos e famosa também em função da produção de vinhos de alta qualidade. O estudante mora na cidade de Angers, que tem cerca de 150 mil habitantes, mas o liceu onde estuda fica na pequena Montreuil-Bellay (a 60 quilometros de Angers), na região conhecida como Anjou, onde uma das especialidades são as uvas Cabernet Franc, familiares no Brasil. Montreuil-Bellay tem apenas 4 mil habitantes e o Liceu Edgard Pisani é cercado por 15 hectares de vinhedos - cenário que pode ter contribuído para que o jovem francês Arsène rapidamente se sentisse um pouco serrano durante seus dias na pacata Urupema, longe dos castelos medievais com que está habituado.
Depois de cativar um câmpus inteiro e boa parte da cidade, Arsène Mouzet retornou à França no último domingo, 13 de maio. As notícias que chegam são de que já tem saudades. Se aprendeu poucas expressões em português, levou sem dúvida esse sentimento tipicamente brasileiro a que outros idiomas não atribuem palavra. Tu nous manques aussi, Arsène.