Palestra aborda o uso de quadrinhos para popularizar a energia nuclear nos anos 1940 e 1950

SNCT Data de Publicação: 21 out 2024 15:26 Data de Atualização: 21 out 2024 16:18

O uso de quadrinhos como instrumento de propaganda para popularizar a energia nuclear - e, mais especificamente, uma visão sobre o assunto que interessava aos Estados Unidos - foi tema de uma palestra na Mostra Científica e Cultural (MCC) do Câmpus São José do IFSC na tarde de quinta-feira, dia 17. O ministrante foi o professor de física Vinicius Jacques, que coordena no câmpus um projeto de divulgação científica em quadrinhos, o [Ciências]2.
 

O conteúdo da palestra é resultado da tese de doutorado de Vinicius, defendida em 2023 no Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), chamada “A energia nuclear em histórias em quadrinhos da década de 1950: texto, contextos histórico-culturais e educação em ciências”. O professor pesquisou como essas histórias foram usadas para popularizar a ciência mas de uma forma não neutra.

O professor do IFSC estudou duas histórias em quadrinhos (HQs) publicadas no Brasil em 1950 ("Dagwood consegue cindir o átomo") e 1956 ("Aventuras no coração do átomo") como adaptações de originais norte-americanos. Durante sua pesquisa, o professor descobriu que as HQs produzidas nos Estados Unidos tinham como objetivo propagar uma visão sobre a energia nuclear que interessava às autoridades daquele país.

​​​​​Em 1945, os Estados Unidos detonaram as primeiras bombas atômicas como armas de guerra da história, atacando as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki durante a 2ª Guerra Mundial. Esse foi um dos fatores que fez criar no imaginário popular o medo das pesquisas sobre energia atômica (ou nuclear). Os quadrinhos foram, então, uma das estratégias usadas para tentar melhorar a imagem desse tipo de pesquisa.

Um dos quadrinhos, chamado “Inside the atom” (“Dentro do átomo”, na tradução em português) foi lançado em 1948 pela recém-criada Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos (AEC, na sigla em inglês) e distribuído na exposição “Man and the Atom” (“O Homem e o Átomo”, em português) e no mesmo ano, realizada em Nova York.

Alguns anos depois, em 1955, foi publicado o quadrinho “Adventures inside the atom” (“Aventuras dentro do átomo”, na tradução em português), desta vez  pela Agência de Informação dos Estados Unidos (Usia, na sigla em inglês), outro órgão criado naquele período (em 1953). Essa HQ foi traduzida para 34 idiomas e espalhada mundo afora com apoio da Unesco, o órgão das Nações Unidas para a educação.

Inclusive o Brasil teve adaptações dessas obras, uma publicada em 1950, chamada “Dagwood cinde o átomo” (Dagwood é o nome de um personagem dos quadrinhos que posteriormente ficou mais conhecido por aqui como Alarico ou Adalberto) e publicada numa revista de divulgação científica, a Ciência Popular. A outra foi lançada em 1956 e intitulada “Aventuras no coração do átomo”, publicada na revista Ciência em Quadrinhos
 

Diferenças e interesses


Ao analisar os quadrinhos para sua tese, o professor do IFSC encontrou algumas diferenças de abordagem entre as publicações de 1948 e 1955. A principal delas foi que menções às bombas jogadas em Hiroshima e Nagasaki e a uma carta de Albert Einstein escrita em 1939 alertando para os perigos do uso não pacífico da energia nuclear apareceram na primeira HQ, mas não na segunda, que tratava da tecnologia apenas por vieses positivos.  O que teria mudado nesse intervalo de tempo para que isso ocorresse?

Segundo a pesquisa de Vinicius, o primeiro teste feito pela União Soviética com uma bomba atômica, em agosto de 1949, pode ter sido um fato primordial para essa diferença de abordagem. “Só depois de perder a supremacia da tecnologia é que os Estados Unidos começaram a mudar o foco da política externa”, disse o professor.

Focando nos usos pacíficos das pesquisas com energia nuclear - como a geração de energia elétrica e usos na medicina, transporte e agricultura -, os Estados Unidos conseguiram ampliar mercado para produtos desenvolvidos por eles, como reatores nucleares, e fechar acordos para compra de minerais radioativos de diversos países (inclusive do Brasil).

Em 1953, por iniciativa dos norte-americanos, foi lançado dentro das Nações Unidas o programa “Átomos para a Paz”, para promover os usos pacíficos da energia nuclear. No entanto, enquanto o discurso público era esse, na prática a produção de armas nucleares estava explodindo. Dados apresentados pelo professor do IFSC na palestra mostram que o total desses armamentos existentes no mundo passou de três em 1945 para cerca de 2.600 em 1955 - a grande maioria deles nos Estados Unidos.

Também não ficou claro para o público que leu os quadrinhos que foram dois órgãos governamentais dos Estados Unidos os seus idealizadores, como consta nos registros dos arquivos públicos norte-americanos encontrados por Vinicius. Em vez disso, os expedientes das publicações traziam a informação de que eles foram produzidos pela empresa privada General Electric. 

 

E o Brasil nessa história?


Na palestra, o professor Vinicius Jacques destacou que o Brasil era um dos países que tinham interesse nas pesquisas com energia nuclear e, na época, era também um importante fornecedor de minerais radioativos. Em 1951, foi criado o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (o atual CNPq, que surgiu como Conselho Nacional de Pesquisas), com finalidade de promover a pesquisa científica e tecnológica no país e que ficou responsável pela política nuclear brasileira, além de encarregado de vender minerais nucleares.

Entre os anos 1940 e 1950, o Brasil firmou vários acordos com os Estados Unidos para venda de minerais radioativos e o nosso país chegou a ingressar no Átomos para a Paz em 1957, o que, na visão do professor do IFSC, prejudicou a autonomia brasileira nas pesquisas e no desenvolvimento da tecnologia.

“Os Estados Unidos tinham prioridade na compra das matérias-primas, mas não forneciam tecnologia e dificultavam nossos acordos com outros países”, explicou o professor. Há registros de que os norte-americanos bloquearam a compra de equipamentos alemães pelo Brasil em 1953 e de pedidos do governo dos Estados Unidos para substituição do presidente do CNPq.

 

A MCC


A palestra do professor Vinicius Jacques fez parte da programação da 7ª Mostra Científica e Cultural (MCC), evento realizado a cada dois anos pelo Câmpus São José para comemorar a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT). A MCC ocorreu de 16 a 19 de outubro, no próprio câmpus, com palestras, oficinas, exposições de trabalhos e visitas de estudantes de escolas da região de São José. A Mostra teve apoio financeiro do CNPq para sua realização.

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