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Laqua, do Câmpus Itajaí, completa 10 anos como laboratório referência em algas nocivas e ficotoxinas no país

CÂMPUS ITAJAÍ Data de Publicação: 25 mai 2022 16:38 Data de Atualização: 26 mai 2022 17:50

 Você pode nunca ter ouvido falar de Laqua, mas se já consumiu ostra em Santa Catarina, saiba que a sua segurança alimentar pode ter sido garantida por pesquisadores que estão à frente deste laboratório que está instalado no Câmpus Itajaí desde 2012. O Laboratório Oficial de Análise de Resíduos e Contaminantes em Recursos Pesqueiros (Laqua) reúne pesquisadores que são referência no estudo de microalgas e ficotoxinas como o professor Luís Proença que desde a década de 1980 estuda a floração de algas, as conhecidas marés vermelhas, que podem liberar toxinas na água, o que pode inviabilizar o consumo de moluscos bivalves como ostras, mariscos e mexilhões. Ele conta que em 1998 quando detectou a maré vermelha no litoral de Santa Catarina, ele procurou algumas instituições para fazer o alerta e que na época não havia um fluxograma como hoje existe para fechar as áreas de cultivo e proibir o consumo. Uma ação que antes só cabia ao Ministério Público. 

Quando ele apresentava a pesquisa nem todos acreditavam e questionavam os métodos de análise. Foi assim que ele percebeu que era preciso intensificar as pesquisas nesta área. Nesta época, ele atuava como professor da Univali e observou que a análise das amostras de moluscos e da água do mar precisava ser feita de forma sistemática. Na Univali, o professor Proença auxiliou a constituir uma equipe de trabalho formada, entre outros profissionais, pelos professores Mathias Schramm e Thiago Pereira e pela bióloga Thatiana Pinto. 

A pesquisa sobre os moluscos bivalves ganhou ainda mais força quando esses profissionais ingressaram no IFSC. “Nós observávamos que havia a necessidade de constituição de um laboratório oficial que pudesse monitorar a presença de algas para garantir a segurança alimentar e emitir laudos que fossem reconhecidos enquanto oficiais. Foi quando começamos trabalhar pela constituição do Laqua. Eu lembro do professor Mathias viajando para Brasília para sensibilizar autoridades para a criação de um laboratório oficial”, explica Proença.

O professor Mathias conta que, antes da constituição do Laqua, o trabalho se dava mais no contexto de uma pesquisa científica e não de fato de um monitoramento da presença de algas nocivas no litoral. “A pesquisa se dava mais no âmbito de projetos individuais e aos poucos passou a se transformar em projetos coletivos quando, por exemplo, a Epagri começou a atuar nesta área. Com o aumento na produção de ostras em Santa Catarina, havia uma demanda pelo monitoramento da floração das algas e ficotoxinas. Foi quando o governo federal começou a trabalhar para a criação de laboratórios oficiais de análise de organismos marinhos que funcionassem em instituições públicas e o IFSC se habilitou a ser uma delas.”

Em 24 de maio de 2012, o Ministério da Pesca e da Aquicultura designou quatro instituições públicas para abrigarem laboratórios oficiais, sendo que foi a partir da portaria nº 122 que o IFSC foi designado a receber o laboratório de análises de biotoxinas marinhas, que iria compor a Rede Nacional de Laboratórios do Ministério da Pesca e Aquicultura (Renaqua). Desta forma, o laboratório passaria realizar diagnósticos e análises oficiais sobre moluscos bivalves de áreas de cultivo em Santa Catarina e a trabalhar para desenvolver novas metodologias analíticas.  

Foram investidos mais de R$ 3 milhões pelo Ministério da Pesca e Aquicultura no projeto e outros mais de R$ 500 mil para a compra de equipamentos para a estruturação do Laqua que permitissem a realização de cromatografia líquida e a identificação e quantificação de ficotoxinas. Outros R$ 260 mil foram investidos no laboratório pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Ao IFSC coube ceder a estrutura física para o laboratório e o corpo técnico para as análises. 

De 2012 a 2017, o Laqua realizou mais de 10 mil análises de amostras de moluscos bivalves de cultivos de diferentes regiões de Santa Catarina. O laboratório também recebia amostras de organismos vindos de outros estados como Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.  Por sete anos, as amostras coletadas pela Cidasc eram encaminhadas ao IFSC onde era feita a análise dos materiais e emitidos os laudos. Em caso da presença de algas nocivas, como a toxina diarreica DSP, que pode causar uma intoxicação alimentar, ou da toxina amnésica (ASP), que pode levar à morte, um alerta era emitido e cabia a secretaria da agricultura do estado fechar as áreas de cultivo e proibir a comercialização dos moluscos enquanto se identificar a presença dessas espécies. Um trabalho que se tornou referência com a implementação do Programa de monitoramento de algas nocivas, ficotoxinas e bactérias em áreas de cultivo pela Cidasc. “Santa Catarina é o único estado do Brasil a fazer o monitoramento sistemático da presença de ficotoxinas em moluscos bivalves, o que fez com que as ostras cultivadas aqui se transformassem em uma referência nacional”, explica o professor Mathias.

Além das análises, o laboratório passou a ofertar cursos sobre algas nocivas e ficotoxinas e treinamentos para equipes técnicas que atuam diretamente no monitoramento de áreas de cultivo de moluscos bivalves. Em 2016, o grupo de pesquisadores que estavam à frente do Laqua também foram os responsáveis pela organização da 17ª Conferência Internacional sobre Algas Nocivas (International Conference on Harmful Algae – ICHA), que reuniu mais de 350 pesquisadores de diferentes países. “A realização do ICHA foi um momento muito especial porque foi a primeira vez que trouxemos o evento para a América Latina. O que possibilitou a assinatura de convênios e de intercâmbio entre pesquisadores. Era um trabalho que fazíamos de promoção à ciência e de internacionalização do IFSC, apresentando o trabalho que realizávamos. Pena que isso não se concretizou como esperávamos por conta dos constantes cortes em investimentos em educação, ciência e tecnologia a partir de 2016”, avalia o professor Proença, que foi um dos organizadores do evento.

Ainda em 2015, com a extinção do Ministério da Pesca e da Aquicultura, a rede de laboratórios ao qual o Laqua faz parte passou a ser vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, depois à secretaria da presidência da República, até chegar a integrar a rede de laboratórios federais de defesa animal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. “O que a gente observa é uma falta de continuidade nos projetos que vinham sendo realizados, uma mudança constante nas equipes. O que dificulta o trabalho que realizamos no laboratório. A falta de investimento inviabiliza as pesquisas. Eu temo que chegue um momento em que por falta de recursos, não tenhamos mais equipes técnicas para monitorar a floração de algas a ponto de dependermos de especialistas estrangeiros”, avalia o professor Proença.

Em 2018, as análises de toxinas que eram feitas pelo Laqua passaram a ser realizadas pelo Laboratório Nacional Agropecuário do Rio Grande do Sul (Lanagro), instalado em São José (SC). Desta forma, os trabalhos do Laqua se concentraram nas análises de amostras de água coletadas pela Cidasc para fazer os ensaios de contagem de algas, no desenvolvimento de metodologias analíticas e no trabalho de capacitação de equipes técnicas que atuam nesta área. Ao longo de quatro anos, foram realizadas 320 análises de amostras de água encaminhadas pela Cidasc. Um trabalho que se intensifica quando há registros de maré vermelha. 

O laboratório também tem realizado pesquisas sobre ficotoxinas em organismos de água doce e prestado um trabalho de consultoria para o Ministério da Saúde e para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento sobre os casos de doença de Haff, conhecida como doença da urina preta, que estão sendo registrados no Brasil. “Nós temos fortes indícios de que pode se tratar de contaminação das espécies por ficotoxinas”, avalia o professor Mathias. 

Tripé ensino, pesquisa e extensão

Contar com a infraestrutura do Laqua dentro do Câmpus Itajaí permite que uma série de ações de ensino, pesquisa e extensão sejam realizadas. “O laboratório dá um salto de qualidade no nosso trabalho, os alunos dos cursos técnicos têm acesso a equipamentos que poucas universidades têm. O espectrômetro de massas permite análise clínica de alta qualidade. Por mais que o estudante não opere os equipamentos, ele acompanha todo o processo. Uma série de pesquisas de projetos integradores já foram realizadas no laboratório, como a que fez a análise da água de abastecimento do Câmpus e identificou a presença de pesticidas”, explica Mathias. 

O professor Thiago Pereira, que atualmente é o coordenador do laboratório, é um dos que mais motiva os estudantes a se inserirem nas práticas do Laqua. A cada semestre, ele abre vagas para estudantes voluntários. “Eles passam quatro horas por semana no laboratório para aprender a usar os equipamentos, a fazer a contagem de algas, aprendem sobre regras de segurança de trabalho e sobre o dia a dia em um laboratório.”

Além de mais um ambiente de sala de aula, as demandas do laboratório também viram tema de pesquisas. Estudantes do curso superior de Engenharia Elétrica do Câmpus Itajaí desenvolveram um equipamento que faz a homogeneização das amostras de água que chegam da Cidasc. O que contribui para o trabalho da técnica de laboratório Thatiane Pinto. “Quando chegavam as amostras eu precisava fazer a homogeneização de forma manual o que fazia que a cada amostra eu precisasse fazer o mesmo movimento cem vezes para que não sedimentasse.”

Cerimônia marca os dez anos do Laqua

Nesta terça-feira (24), dia em que o Laqua completa 10 anos, foi realizada uma cerimônia no auditório do Câmpus Itajaí. Entre os convidados estavam o maricultor e presidente da Câmara Setorial de Maricultura de Santa Catarina, Leonardo Cabral Costa, o gerente de Pesca e Aquicultura, da secretaria de Agricultura, Pesca e do Desenvolvimento Rural de Santa Catarina, Sérgio Winckler da Costa, e o coordenador-geral de laboratórios agropecuários do Ministério da Agricultura e Pecuária, Rodrigo Nazareno. “A proteína de organismos marinhos é a mais comercializada no mundo e isso demostra o potencial que temos com a produção de moluscos. Precisamos junto com o setor produtivo pensar em soluções propositivas para fazer o setor crescer ainda mais. Porque o que temos visto nos últimos anos é um orçamento decadente e um forte desinvestimento. Não sei se um dia teremos dinheiro para investir de novo.”

 

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