EXTENSÃO Data de Publicação: 16 out 2018 21:07 Data de Atualização: 16 out 2018 21:38
As mulheres ainda são minoria nos cursos de engenharia do IFSC, mas iniciativas nos câmpus Lages e São José visam dar mais visibilidade a elas num meio ainda considerado “masculino”. Isso ocorre por meio de um projeto de extensão em São José e de uma campanha organizada pelas próprias alunas em Lages.
Atualmente, o IFSC possui oito tipos de cursos de engenharia (Civil; de Controle e Automação; Elétrica; Eletrônica; Mecânica; Mecatrônica; de Produção; e de Telecomunicações), nos quais apenas 19,1% dos estudantes são mulheres. O curso com maior presença feminina é o de Engenharia Civil (40,1% de alunas), enquanto o que tem a menor é o de Controle e Automação (8%).
O curso de Engenharia de Telecomunicações, oferecido apenas no Câmpus São José, está um pouco acima da média do IFSC no que diz respeito à presença de mulheres (20,8%), mas, ainda assim, elas enfrentam dificuldades que só elas sentem, inclusive o sentimento de solidão. Para que possam compartilhar suas experiências e problemas na rotina do curso, as alunas participam a cada duas semanas de rodas de conversa que envolvem também a professora Evanaska Maria Barbosa Nogueira e uma psicóloga do câmpus. A iniciativa teve origem no projeto de extensão “Lugar da mulher é onde ela quiser, inclusive na engenharia”.
Coordenadora do projeto, que começou em abril, Evanaska conta que o objetivo dele é incentivar alunas do ensino médio a entrar na engenharia e “inspirar as meninas a continuar no curso”. Uma das maneiras para fazer isso é trazer exemplos de mulheres de sucesso na engenharia. “A ideia é que elas vejam esses exemplos e pensem ‘olha onde ela está: é onde quero chegar’”, comenta.
Evanaska e a bolsista Jeneffer Farias Bora organizaram uma pesquisa com estudantes e servidores do câmpus para identificar a percepção deles sobre os motivos da pequena presença de mulheres na engenharia. Embasaram as questões em dados sobre matrículas gerados pelo próprio IFSC em seu Anuário Estatístico. Entre outras atividades previstas no projeto, estão visitas a escolas e palestras com o objetivo de aumentar o interesse das estudantes na área de exatas.
No entanto, após a pesquisa, elas perceberam que deviam tratar internamente, com as estudantes de Engenharia de Telecomunicações, de temas relacionados ao cotidiano delas no curso, como o assédio. “Começaram a aparecer relatos e vimos que algo tinha que ser feito”, diz a professora. Surgiram daí as rodas de conversa, que reúnem, em média, 15 estudantes. Elas ocorrem sempre às quintas-feiras, no início da tarde (entre o horário de almoço e o começo das aulas vespertinas), no próprio câmpus.
Conversas trazem união e força às estudantes de engenharia
A bolsista do projeto de extensão, Jeneffer Farias, 23 anos, é estudante da Engenharia de Telecomunicações e considera “enriquecedora” a experiência de participar das rodas de conversa. “A gente se sente sozinha, porque o número de mulheres e homens no curso é muito desproporcional. Mas aqui a gente começa a ver que não está sozinha. É um espaço onde temos voz”, diz.
Brincadeiras machistas e situações em que as alunas sentem que recebem menos credibilidade por serem mulheres “machucam e desestimulam”, segundo Jeneffer. “Você pensa se realmente está no lugar certo. Por trás disso, tem uma construção social. Desde cedo, a gente escuta que ‘isso é coisa de menino’ e ‘isso é coisa de menina’”, relata a estudante, que fez o ensino médio também no Câmpus São José, no curso técnico integrado em Telecomunicações.
O retorno sobre o projeto que Jeneffer recebe das colegas que participam das conversas é bastante positivo, segundo conta: “o principal feedback é de que isso faz muito bem a elas e dá mais força para continuar no curso”, comenta.
O sentimento de solidão no curso de engenharia também motivou outra egressa do técnico integrado em Telecomunicações, Maria Fernanda Tutui, 24 anos, a participar das rodas de conversa. “São poucas mulheres no curso e é legal ter esse suporte entre as meninas”, diz. Para ela, o objetivo dos encontros é deixar as estudantes mais à vontade para conversar sobre os problemas que encontram no cotidiano.
Por que elas escolheram engenharia?
A trajetória de Maria Fernanda até o curso de engenharia começou no curso técnico integrado em Telecomunicações, que ela fez por indicação de um tio, que é engenheiro. “Eu pensava que precisava ser bem-sucedida e tive esse incentivo”, conta. Depois de formada no ensino médio, ela chegou a ingressar no curso superior de tecnologia em Sistemas Eletrônicos (atualmente Eletrônica Industrial) do Câmpus Florianópolis, mas desistiu “porque não era o que queria”.
Já na Engenharia de Telecomunicações, Maria Fernanda chegou a fazer um ano de estágio na França, por meio de programa de cooperação entre o Brasil e o país europeu (Brafitec), depois de ter estudado Francês em um curso de qualificação do IFSC. Hoje está na sétima fase do curso de engenharia.
Jeneffer, por sua vez, ingressou no curso com o objetivo de trabalhar como professora de engenharia. “Quero ensinar engenharia de um jeito mais humano, colocando-me mais no lugar no aluno”, explica.
Estudantes de Lages querem mostrar que engenharia também é para mulheres
“Engenharia também é coisa de mulher” é uma dentre muitas frases estampadas em placas usadas pelas alunas do curso superior em Engenharia Mecânica do Câmpus Lages. O câmpus apresenta o maior percentual de mulheres matriculadas no curso de Engenharia Mecânica no IFSC, além de ser maior que as médias estaduais e nacionais dos institutos federais, de acordo com dados da Plataforma Nilo Peçanha, que reúne estatísticas dos IFs de todo o País. Entretanto, o número de homens ainda é maior: enquanto as mulheres atingem 15,3% do total de alunos no curso em Lages, os homens chegam a 84,7% (94 homens e 17 mulheres).
O medo do preconceito, de não ser aceita e de estar em um ambiente com mais participação masculina é um dos fatores que impedem muitas meninas de iniciar esse curso, na opinião de Tatieille Liz, lageana, da quarta fase da Engenharia Mecânica. “Criou-se uma imagem de que a área da mecânica é para homens. Muitas pensam que é algo muito difícil. Parece ser impossível pelo fato de as mulheres terem menos contato com essas coisas, quando na verdade não existe nenhuma barreira, qualquer uma, desde que queira, pode aprender”, diz.
Tatieille é técnica em Mecânica e sempre quis conhecer e trabalhar na indústria. Durante o curso técnico, conseguiu um emprego na Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) inicialmente como operadora de máquinas, em uma linha de produção na qual, de 70 pessoas, apenas três eram mulheres. Hoje trabalha em escritório, em uma área na qual, de 170 pessoas, só seis são mulheres. As atividades que ela desenvolvia envolviam manutenção, lubrificação e limpeza dos equipamentos.
Ela diz que teve dificuldade no início para erguer peso e fazer manutenção na máquina. “Alguns homens não me ajudavam, porque queriam ver o quanto uma mulher iria aguentar. Já ouvi que lá não era lugar de mulher, que a gente não sabe fazer as coisas, mas os chefes que tive sempre repreendiam essas coisas e nos defendiam”, explica.
Com o tempo, Tatieille realizava as atividades sozinha e, com destaque, passou a trabalhar na parte administrativa, com a linha de produção, fornecendo suporte ao supervisor nas atividades de gestão. “O legal disso tudo foi que depois os homens já tinham mais respeito com nós, mulheres, viram que aguentamos tudo e continuamos trabalhando sem desistir”, comenta.
Quanto ao curso, ela diz que ensino é muito bom, os professores são qualificados e estão sempre dispostos a ajudar os alunos da melhor forma possível. “Tenho conhecimento para ligar a teoria à prática, facilitando o entendimento de várias matérias. Os professores às vezes pedem pra dar exemplos e compartilhar como é na indústria. Eles se importam se o aluno realmente aprendeu”, conclui. Tatieille pensa em fazer especialização em manutenção mecânica, especialmente preditiva.
Alunas vêm de outras cidades para cursar engenharia
Thainara Cabral é de São Luiz Gonzaga (RS) e veio para Lages estudar no curso técnico em Mecatrônica do IFSC. Ao se identificar com a área, decidiu seguir cursando o superior em Engenharia Mecânica. No entanto, conta que o preconceito sempre acaba existindo. “A gente sempre tem que ficar provando algo, mostrar que entendemos do assunto e que conseguimos e merecemos um espaço tanto quanto os homens”, diz. A aluna também faz parte do Projeto Leão Baja e é a única mulher que está na equipe responsável pela telemetria do veículo.
Cursando a quarta fase de Engenharia Mecânica, Angélica Scariot, que veio de São João do Sul, no Sul do Estado, afirma que as dificuldades podem ser encontradas em todos os cursos. “Se é isso que você quer fazer, não tem porque não tentar. A diferença no número de meninos e meninas é algo que ainda existe, mas tende a se equiparar cada vez mais. Então não deixe de fazer o que você quer fazer porque pode encontrar algumas dificuldades no caminho”, finaliza.
Cursos têm poucas professoras
Atualmente no Câmpus Lages, há somente uma professora mulher na área de processos industriais, que dá aula para os cursos técnicos em Eletromecânica e Mecatrônica e vai começar a lecionar para a Engenharia Mecânica. A professora Adriellen Lima de Sousa é engenheira de controle e automação e explica que a responsabilidade de um engenheiro é desenvolver soluções, através da capacidade lógica e do conhecimento matemático para problemas técnicos em sistemas, serviços ou produtos. Ao contrário do que muitos acreditam, realizar esforços físicos para implementar as soluções elaboradas não necessariamente competem ao engenheiro, destaca a professora.
Quanto ao percentual de mulheres no curso, a professora opina que, por natureza, a mulher se identifica com áreas que demandam maior delicadeza. Segundo ela, um exemplo disso são outros cursos que apresentam maior participação de mulheres, como enfermagem e fisioterapia. “Acredito que os números de homens e mulheres não precisam ser iguais. Às vezes falta aptidão mesmo, se identificar com a área, para desenvolver as habilidades necessárias”, diz.
No Câmpus São José, de 28 professores efetivos (excluindo substitutos) vinculados à Coordenadoria da Área de Telecomunicações, apenas quatro são mulheres, segundo informações do Sistema de Gestão de Pessoas do IFSC. A professora Evanaska Nogueira, que coordena o projeto de extensão “Lugar da mulher é onde ela quiser, inclusive na engenharia”, é uma delas. Formada em Engenharia Elétrica, ela acredita que a baixa presença feminina em cursos de engenharia tem relação com fatores culturais, como o estereótipo de que a área de exatas “não é para mulheres”, mas sim as áreas ligadas às ciências humanas.
A estudante Jeneffer Farias, bolsista do projeto “Lugar da mulher é onde ela quiser, inclusive na engenharia” e que pretende ser professora, concorda com essa visão e lembra que as mulheres são maioria no ensino superior no Brasil, embora mais concentradas em cursos como Administração e Pedagogia e da área de saúde. “Isso é cultural, mas temos que criar a consciência de que a cultura pode ser mudada. A gente faz isso por meio da educação”, opina.
Saiba mais
Para ingressar em um curso superior de engenharia do IFSC, é preciso fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e realizar a inscrição via Sisu.