CÂMPUS PALHOÇA BILÍNGUE Data de Publicação: 26 set 2013 21:00 Data de Atualização: 06 fev 2018 14:22
O prédio do Câmpus Palhoça Bilíngue, cuja cerimônia de entrega à comunidade ocorreu ontem, é mais do que uma soma de salas de aula e laboratórios: é a concretização de um sonho e do trabalho de mais de duas décadas do IFSC com educação de surdos. O evento, realizado no próprio câmpus, reuniu 650 pessoas, entre servidores do IFSC, alunos, comunidade e autoridades. A data escolhida para cerimônia, 26 de setembro, é o Dia Nacional do Surdo.
O diretor-geral do Câmpus Palhoça Bilíngue, Vilmar Silva, destacou em seu discurso a importância para a comunidade surda da lei 10.436/2002, que reconhece como uma das línguas oficiais do Brasil a língua brasileira de sinais (Libras), e o decreto 5626/2005, que trata do uso da Libras na educação. “Isso provocou uma mudança positiva na vida dos surdos do País”, comenta. Vilmar comparou dados de 2002 com 2009. O número de surdos estudando em universidades, por exemplo, passou de 348 para mais de 2 mil. Havia, em 2002, um mestre e nenhum doutor surdo no Brasil. Em 2009, havia 42 mestres e oito doutores.
O Câmpus Palhoça Bilíngue, primeira unidade de ensino profissionalizante voltada para a educação de surdos na América Latina, é um marco na história da educação de surdos brasileira e resultado de décadas de trabalho. “A história deste câmpus sempre esteve vinculada aos movimentos sociais em todo o Brasil. Este é um momento histórico. Um sonho tornando-se realidade. A grande luta é para que as pessoas surdas possam ter educação de qualidade, que haja escolas bilíngues e aulas bilíngues”, afirma Vilmar.
Para a reitora do IFSC, Maria Clara Kaschny Schneider, o Câmpus Palhoça Bilíngue representa o trabalho da instituição para promover a inclusão social. “A inclusão com que trabalhamos é necessária para a transformação do País”, diz. Para a reitora e para a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, também presente à cerimônia, é necessário tratar diferente as pessoas com condições diferentes para que todos tenham oportunidades iguais.
Ter oportunidades iguais e uma vida tão normal como a dos ouvintes é o desejo dos surdos, segundo a presidente da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), Ana Regina e Souza Campello. Ela lembra que a proposta de criar uma escola bilíngue tem como objetivo proporcionar aos surdos educação em sua primeira língua, a Libras. “O Câmpus Palhoça Bilíngue é um modelo para todo Brasil.”.
Outras autoridades presentes à cerimônia foram a deputada federal Luci Choinacki; a deputada estadual Dirce Heiderscheidt; o prefeito de Palhoça, Camilo Martins; a chefe da Universidade dos Correios e ex-reitora do IFSC, Consuelo Sielski Santos; e o diretor-presidente da Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina (Cohab/SC) e ex-prefeito de Palhoça, Ronério Heiderscheidt.
Ex-alunos comemoram
Dois ex-alunos surdos do IFSC foram destaque na cerimônia. Gabriela de Oliveira, de 22 anos, integrou a mesa de autoridades e discursou em nome dos estudantes do IFSC. Ela fez o curso técnico de Materiais Didáticos Bilíngue e cursos de formação inicial e continuada no Câmpus Palhoça Bilíngue e no Câmpus São José, onde as aulas bilíngues eram ministradas anteriormente.
Hoje, Gabriela estuda Pedagogia na Faculdade Municipal de Palhoça e faz estágio no Câmpus Palhoça Bilíngue. “Agradeço muito a tudo o que o IFSC tem me dado. A educação que me deram é um incentivo para continuar meus estudos. É muito importante esse câmpus tanto para a comunidade surda como para a ouvinte”, diz Gabriela, que pretende trabalhar com educação infantil.
Outro ex-aluno homenageado foi Fernando Ranzolin Nerbass, 42 anos, que, em 1988, ao ingressar no curso técnico de Refrigeração e Condicionamento de Ar da então Unidade São José da Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETF-SC), despertou em parte do corpo docente da instituição o interesse em trabalhar com a educação de surdos. Ele recorda que era muito difícil acompanhar as aulas, pois tinha que fazer leitura labial, mas colegas e professores tentavam ajudá-lo nas tarefas.
“Meus amigos me ajudavam bastante, iam na minha casa estudar, e eu perguntava muita coisa pra eles. Hoje há mais estrutura para atender os estudantes surdos nessa escola, que está muito bonita, mas sou bastante grato ao IFSC. Dá até vontade de voltar a estudar!”, brinca Fernando, que completou o curso de Refrigeração e Condicionamento de Ar em cinco anos e chegou a estagiar na área, em empresas como Celesc e Perdigão. Hoje ele mora em Florianópolis e trabalha com decoração, como instalador de sancas e papéis de parede. (confira entrevista de Fernando ao Link Digital em 2009)
Depois de Fernando, outros estudantes surdos ingressaram em cursos do atual Câmpus São José – como Fábio Irineu da Silva, hoje professor do Câmpus Palhoça Bilíngue -, motivando a criação, em 1991, do Núcleo de Estudo e Pesquisas em Educação de Surdos (Nepes) na unidade de ensino. Durante a década de 1990, começaram a ser oferecidos pelo IFSC (na época, ETF-SC) em São José cursos específicos para os surdos, em português e língua brasileira de sinais.
Outras atividades
Além dos discursos e homenagens, a cerimônia de entrega do Câmpus Palhoça Bilíngue à comunidade teve apresentação teatral da Companhia Mãos Livres - que, em uma divertida esquete com palhaços surdos, tratou da importância da Libras para a educação dos surdos -, exposição de pôsteres de trabalhos desenvolvidos no câmpus, lançamento de livros de servidores do câmpus e apresentação de poesia em Libras, feita pela brasileira Fernanda de Araújo Machado, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e pelo britânico Paul Scott, professor de língua britânica de sinais.
Na sexta (27), ocorreram mais atividades em comemoração ao Dia do Surdo e à entrega do câmpus à comunidade: apresentações de dança e teatro, seguidas de bate-papo com os artistas.
(entrevista com Gabriela de Oliveira realizada com apoio do intérprete Libras-português João Branco)